Parido pela guerra híbrida (que em uma das suas etapas criou a base
etnográfica de jovens neoconservadores através da confluência entre mídia e
universidades privadas), o jornalismo hipster costuma reciclar velhas ideias
por meio de eufemismos embalados em high tech. Agora é o “hip” das fake news e “agências
checadoras”, com nítidos conflitos de interesses, sob o frisson de algo tão
antigo quanto o jornalismo: as notícias falsas. A polêmica criada pela Agência
Lupa em torno de um prosaico terço benzido pelo Papa Francisco para ser
entregue a Lula revelou o quanto são arbitrárias as “etiquetas de checagem”
supostamente técnicas e objetivas. Quando colocadas em xeque por desmentido de
um site de notícias do Vaticano, a Lupa recorreu a um quase literal “Deus ex-machina”
(velho truque de roteiros de cinema mal feitos): “então, que o Vaticano ou o
próprio Papa façam um “posicionamento oficial” para que a agência ponha a
etiqueta “Verdade!”, exigiu a agência em
esclarecimento. Mesmo preso, Lula ainda não sai da cabeça da Direita. Porque
algo falhou na narrativa imposta pós-impeachment: não foi entregue o
crescimento econômico prometido. Resta à grande mídia requentar um prato frio: mais uma vez bater em Lula.
E ensaiar uma nova forma de censura à mídia independente.
Em
postagem anterior esse Cinegnose
descreveu as quatro etapas através das quais foi desenvolvida a guerra híbrida
brasileira (a guerra estendida pelas vias semióticas no contexto da geopolítica
do petróleo norte-americana) de 2013 a 2016: fabricação do clima de opinião do
caos; etnografia neoconservadora; agenda política justificada pelas narrativas
de novelas e minisséries; radicalização e polarização.
Vimos
o quanto foi decisiva a segunda etapa: a pedagogia dos novos valores do
mérito-empreendedorismo para uma nova geração através de universidades privadas
adquiridas por grupos norte-americanos (tendo por trás grandes fundos de
investimentos) – implementando uma visão de mundo individualista (“fazer a
diferença”), tecnicista (estar sempre “up to date”) e marcada pela falta de
conhecimento histórico (agradeça às grades curriculares universitárias).
Fazendo toda uma nova geração recitar como novidadeiros velhos slogans
neoliberais, anarcocapitalistas, darwinistas sociais e até teorias sobre a
Terra Plana.
Sem
falar no martelar diário de telejornais, programas e reality shows das virtudes
do “estar focado”, “engajado” e “motivado” para alcançar os “objetivos”.
Por
que foi decisivo? Porque criou a base etnográfica (uma nova tipologia
weberiana: “coxinhas 2.0”, “simples descolados”, “novos tradicionalistas” etc.
– clique aqui e aqui) que aglutinaria os jovens
trajados de camisetas da CBF nas manifestações anti-PT. E que hoje, vendo que
nada foi resolvido, arriscam Bolsonaro como “opção do mercado”.
Jornalismo hipster: subproduto etnográfico da guerra híbrida? |
O jornalismo hipster
Mas
essa base etnográfica neoconservadora é ainda mais insidiosa: pariu um novo
tipo de jornalismo, o jornalismo hipster
que adora usar hips: palavras como
“ferramentas”, “plataformas”, “selo de qualidade”, “fact-checking” etc. Mas que
na prática jornalística confunde “investigação” com “checagem”, tornando
definitivamente uma profissão cujos jornalistas trabalham mais sentados, em
suas “estações de trabalho”, e não mais em campo seguindo as pistas da
reportagem.
Para
esses novos jornalistas o hip do momento são as agências de checagem,
solenemente incensadas pelas velhas raposas da grande imprensa em congressos
universitários de “Jornalismo Investigativo” ou em encontros de profissionais
patrocinados por Globo News e Revista Piauí.
Jovens
tão absortos em suas “ferramentas” e “plataformas” que consideram as “fake news”
como um fato novo (supostamente produto da Internet e da explosão de blogs) e
são incapazes de farejar conflitos de interesses nesses congressos e agências
de checagem – por exemplo, a Lupa é patrocinada por um dos maiores bilionários
do país, banqueiro (João Moreira Salles, que se apresenta como
“documentarista”) através da Editora Alvinegra que publica a Revista Piauí.
Além da parceria com a Globo News.
Como
mostrou o inacreditável episódio do terço abençoado do Papa para Lula (que a
Agência Lupa cravou seu “selo de qualidade” como fake news), são jovens
jornalistas incapazes de perceberem o conflito de interesses por trás dessa
apologia “fact-checking”: podem empresas de checagem que fazem parceria com o
Facebook para censurar sites jornalísticos suspeitos de supostas fake news manter
parceria com veículos que disputam o mercado de notícias?
Jornalismo
hipster neoconservador: ignora que as “notícias falsas” se confundem com a
própria história do jornalismo, que o Liberalismo seja uma ideologia do século
XVIII ou que o anarcocapitalismo seja do século XIX-XX. Para esses jornalistas,
velhos conceitos se transformam em “hip”, grandes novidades embaladas com
eufemismos como, por exemplo, o termo “fake news”.
Ou
ainda as velhas práticas de censura dos governos militares (com as canetas
pilot dos censores de plantão nas redações de jornais) agora substituídas pelos
mecanismos eletrônicos de punição do Facebook.
Checando o terço: Papa abençoa terços em lotes? Ou faz bênçãos "por encomenda"? |
Para entender o caso
Após o advogado argentino Juan Grabois, consultor no
Vaticano, ser impedido de entregar ao ex-presidente Lula um terço abençoado
pelo Papa Francisco, o site Vatican News divulgou nota afirmando que o terço
não foi entregue diretamente pelo Papa a Lula. Na verdade a tentativa de visita
de Grabois teria sido em caráter individual.
A Agência Lupa de checagem classificou como falsas as
matérias sobre o episódio de Grabois veiculadas pelo DCM, Portal Fórum e Brasil
247. O Facebook puniu os três sites, interferindo no alcance de suas postagens
e notificando os seguidores das páginas de que os portais estariam propagando
fake news.
Posteriormente, o site do Vaticano tirou do ar a nota
para, na sequência, publicar uma nova nota afirmando que Juan Grabois é um
consultor do pontífice. Além de Grabois reafirmar nesta quarta-feira (13) que o
terço veio do Papa a Lula, sendo ele um intermediário.
O que colocou em
xeque a verificação da Agência Lupa de que as matérias veiculadas seriam
falsas.
Deus ex-machina
Mas a agência de checagem recusou-se a checar a si própria.
Afinal têm “ferramentas” e “plataformas”. E a técnica é a verdade, evidente por
si mesma.
Em uma impagável nota de esclarecimento sobre “a checagem
do terço do Lula” não deu o braço a torcer, e disse esperar até agora “um
posicionamento oficial” do Vatican News e do próprio Vaticano (!). Para quê?
Para que confirmem se o Papa abençoou um terço qualquer ou se foi um terço
exclusivo para ser enviado a Lula através de Juan Grabois.
E ressalta a nota com toda empáfia hipster de jovens que
confundem o Jornalismo com a própria taxonomia da checagem: “Diante dessa
espera, às 16h30 de hoje (13), optamos alterar a etiqueta inicial aplicada,
‘falso’, para ‘de olho’...”.
Ou seja, diante da saia justa da ferramenta de
fact-checking ser colocada em xeque (revelando que por trás do eufemismo
“ferramenta” pulsa o velho élan da censura), a Lupa espera aquilo que os
roteiristas do cinema chamam de saída “Deus ex-machina” – no caso, quase literal.
Em narrativa cinematográfica, “Deus ex-machina” é um
termo para designar soluções arbitrárias, improváveis, sem nexo ou plausibilidade na
narrativa, para solucionar becos sem saídas em roteiros mal conduzidos. No caso
da incrível nota da Lupa, esperam que o Papa em pessoa (ou o próprio
representante de Deus na Terra) largue suas ocupações de chefe de Estado para
dar uma satisfação aos preocupados checadores que, como Diógenes pós-modernos,
bradam “etiquetas” e “selos de qualidade” da informação para trazer luz às
trevas dos blogueiros sujos.
Em outras palavras, que o Papa Francisco desça à terra do
jornalismo e salve a narrativa de uma agência de checagem patrocinada pela
banca (banco Itaú), apoiada pela grande mídia (Globonews) e contratada pelo
Facebook.
O contexto das agências de checagem
Jornalistas que trabalham sentados em suas “estações de
trabalho” passam a ter um apreço fetichista à tecnologia – suas ferramentas e
plataformas. Por isso, elas são inquestionáveis. Afinal, é tecnologia!
Por isso, para quê o fact-checking checar a si mesmo? Qual
a informação será checada? Por que esta informação foi escolhida e não outra?
Qual foi o contexto ou motivações por trás dessas escolhas?
Por que um assunto tão prosaico como o terço abençoado do
Papa para Lula mereceu tanta sanha de checagem, sugerindo punição ao Facebook,
para depois mudar a “etiqueta” e ficar até agora “de olho” à espera de uma
intervenção divina? Por que a Lupa não checa as a grande mídia que costumeiramente
manipula manchetes que não correspondem ao conteúdo das notícias?
Há um contexto por trás desse “freak out” da agência Lupa
com o terço do papa. A primeiro, e mais óbvio, é a urgência de evitar a
visibilidade da relevância internacional de Lula. Claro que a agência Lupa sabe
que o Papa Francisco jamais se dignará a ter que dar uma satisfação a um
questionamento tão retórico: será que o Papa abençoa terços em lotes para serem
distribuídos ou benzeu um exclusivo para Lula? Com isso os solertes sabujos da
Lupa empurraram o jogo para o empate – a “etiqueta de olho”...
Por outro lado, o affair
do terço do Papa revela que a figura de Lula não consegue ser esquecida pela
Direita, mesmo depois de conquistarem o objeto de desejo de décadas: colocar o
“pixuleco” atrás das grades. Por que?
Em toda essa narrativa que levou Lula aos cárceres de
Curitiba, algo saiu errado. Era para nesse momento, com a Copa da Rússia em
andamento, o Brasil estar vivendo o melhor dos mundos. Afinal, a fonte de todos
os males (o líder de um “projeto de Poder” e da “maior quadrilha que tomou
conta do Estado”) está preso. Mas... o caos da locaute dos caminhoneiros pôs em
evidência que o País já está parado... parando tudo de vez.
Sem esse grand
finale para o roteiro da “ponte para o futuro”, resta a grande mídia
requentar um prato frio: mais uma vez bater em Lula e no PT.
Mas é também o ensaio para um controle de danos ainda
mais sórdido: impor a velha censura aos veículos independentes, sob a roupagem
hipster do “fact-checking” da nova geração de jornalistas neoconservadores.
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