Por Frederico Füllgraf
Enquanto a imaginação do leitor se introduz no vasto território
virtual indicado pelo título, nas primeiras semanas de 2017,
aproximadamente 3.000 blindados e 4.000 soldados norte-americanos,
transportados até Zagan, em terras polonesas, foram colocados em regime
de prontidão junto às fronteiras da Polônia e dos países bálticos –
Lituânia, Estônia e Letônia – com a Rússia, enquanto outra divisão se
deslocou à Romênia, vizinha da Ucrânia.
Iniciada antes do Natal de 2016, com o descarregamento de aparatoso
arsenal no porto alemão de Bremerhaven e seu translado para 900 trens,
que somaram 10 quilômetros de extensão, nas palavras do brigadeiro
Timothy Ray, chefe do comando militar norte-americano na Europa (Eucom),
a operação "Atlantic Resolve" (“Determinação Atlântica”) tem por
objetivo “repelir agressões russas, reafirmar a integridade territorial
dos países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte – NATO, no
acrônimo inglês)”, e – pasme-se - “estabilizar a paz na Europa”.
Ao ler a declaração beligerante do militar norte-americano, a
primeira indagação do leitor desavisado é: por acaso perdi essa notícia?
Quê país europeu foi ameaçado, bombardeado ou invadido pelas tropas de
Wladimir Wladimirowitsch Putin?
Resposta correta: nenhum.
Eis, pois, um case da guerra midiática em curso, na qual fake news – pseudo-notícias - são disparadas como projéteis da contra-informação.
Destoando do discurso de voz única da OTAN, em junho de 2016, o
socialdemocrata Frank Walter Steinmeier - ministro de Relações
Exteriores no governo Angela Merkel e negociador da paz ucraniana,
decepcionado com as manobras de Kiev - antecipara-se à encenação da
“Atlantic Resolve”, advertindo : “O menos recomendável neste momento é
jogar gasolina na fogueira com a ostentação de armas e brados de
guerra... A História ensina que, além da garantia da defesa recíproca,
deve haver predisposição ao diálogo e à cooperação... Seria de muito bom
alvitre não criar pretextos, com a entrega a domicílio de uma nova,
antiga confrontação.”
A fraude americana do escudo anti-mísseis
A operação "Atlantic Resolve" foi decidida na última cúpula da OTAN,
no verão de 2016, em Varsóvia, após John Kirby, porta-voz do State
Department de Barack Obama, acusar a Rússia de “desestabilizar a
segurança da Europa”, ao posicionar em Kaliningrado, portanto em seu
próprio território, o sistema anti-mísseis S-400 Iskander.
Porém, na cúpula, os EUA tiraram o coelho da cartola: não fariam
apenas uma fugaz manobra, mas posicionariam, em caráter definitivo, uma
brigada de blindados, com pelos menos 4.000 combatentes, no Leste
Europeu.
A resposta russa a Kirby apenas reiterou o óbvio: “A Rússa tem o
direito soberano de adotar as medidas que considere necessárias em toda a
extensão de seu território”. advertiu Dmitry Peskov, porta-voz do
Kremlin. E Viktor Ozerov, coordenador do comitê de defesa do Senado
russo, foi ao ponto: o Iskander é uma réplica ao controvertido “escudo
anti-mísseis” dos EUA (US Missile Shield in Europe) . Seu
primeiro estágio entrou em operação em Deveselu, na Romênia, em maio de
2016, o segundo iniciará suas operações na Polônia, em 2018.
Mas, afinal, o que é o “escudo anti-mísseis” dos EUA? Na verdade,
trata-se de um velho projeto da administração George W. Bush, reciclado
de modo oportunista por Barack Obama.
A justificativa do Pentágono para sua instalação não poderia ser mais
risivel: “defender a Europa de mísseis da Coreia do Norte e do Irã” -
pretexto já questionado em 2013 por peritagens secretas das próprias
FFAA norte-americanas, às quais teve acesso o semanário alemão Der
Spiegel (“Geheimstudien stellen Raketenabwehrschirm in Frage”,
09/02/2013)
A evasiva esgrimida para o “escudo” é grotesca por vários motivos. Em
primeiro lugar e propaganda norte-coreana à parte, Coreia do Norte e
Irã estão muito longe da posse de tal poder de fogo. Ademais, não têm
inimigos, nem motivos para atacar quem quer que seja na Europa.
Finalmente, se os EUA tecem a teoria conspirativa de servirem, eles
mesmos, como alvo, é óbvio que um hipotético lançamento de um míssil
norte-coreano, via Europa Ocidental, contradiria as leis elementares da
balística.
Para bom entendedor, atrás dos panos, dois pretextos municiam os movimentos da OTAN, sob o comando do Pentágono.
O primeiro opõe-se à retomada pela Rússia de seu poderio militar, o
que lhe custou a estigmatização de “novo, velho adversário”. Aos olhos
da OTAN, a Rússia de Putin é um “renegado” que não aderiu à “primavera
árabe”, ao bombardeio da Líbia, que rechaçou o golpe de 2014 na Ucrânia,
e ousa apoiar militarmente o movimento separatista do Donbass.
O segundo é uma “revanche” à secessão da Crimeia. Seu pano de fundo é
a não aceitação da adesão da península à Federação Russa, definida
pelos EUA e seus aliados como “anexação mediante violação do Direito
Internacional”. Neste quesito, a hipocrisia volta a ser empregada como
arma venal, mas fútil, na guerra da informação. Por acaso, as invasões
do Afeganistão, do Iraque, o financiamento e treinamento da Al Qaeda e
do “Estado Islâmico” na Síria, e o assassinato de milhares de pessoas
pelos “Obama-drones” (4.404 vítimas civis até 2014, segundo o Bureau of
Investigative Journalism) respeitaram o “Direito Internacional”?
As forças-tarefa midiáticas da União Europeia
Mal Steinmeier assim se pronunciara em entrevista ao tabloide marrom BILD, e
foi maldito por furiosa campanha midiática, Alemanha e Europa afora, na
qual não faltaram eufemismos para acusá-lo de “traidor”.
Entrara em cena a confraria dos “atlantistas” e da recém-constituída “Taskforce Stratcom East”.
Os “atlantistas” integram o mais antigo lobby pró-americano na Alemanha, conhecido como “Atlantik-Brücke” – a “Ponte Atlântica”.
Fundada em 1952, como “sociedade privada, suprapartidária e
beneficiente”, seu objetivo é estender “pontes” financeiro-econômicas,
educativas e de política militar entre a potência vencedora EUA e a
Alemanha, perdedora da Segunda Guerra Mundial. No seu plantel de
associados conta-se aproximadamente 500 nomes de alto coturno da elite
civil e militar transatlântica. Com nova sede em Berlim, é do
conhecimento público que a “Ponte Atlântica” opera como o mais
influente think tank do planejamento das relações
teuto-americanas. Ali bebericam, contam piadinhas e dão-se tapinhas nos
ombros, executivos dos principais bancos, das corporações
multinacionais, dos partidos políticos, dos grandes centros de pesquisa
científica, lobistas e maketeiros, ladeados em suas rodas pelos serviços
de inteligência e uma notável falange de editores sênior das principais
mídias alemãs. Uma pletora ideologicamente transversal, que vai da
BILD, com seu sensacionalismo marrom, pela ultra-conservadora Frankfurter Allgemeine, até a socialdemocrata-liberal Der Spiegel.
Pois, desde que Wladimir Putin resolveu frear o desmonte da Economia
russa por uma confraria de inescrupulosos operadores neoliberais,
nacionais e internacionais, modernizar as sucateadas FFAA do período
soviético, e reconduzir a nova Rússia ao cenário mundial como global player, a
metralhadora giratória da “Ponte Atlântica” escolheu a Rússia e seu
mandatário como alvos prediletos. São 90 diretores e editores-chefe, 13
dos quais em posições de comando das duas maiores redes de Rádio e TV da
Alemanha.
Consumado o Euromaidán - o golpe de Estado de fevereiro de 2014, com
mais de 100 mortos na Ucrânia - em agosto de 2014 a rede ARD, de rádio e
TV, realizou uma pesquisa indutiva, perguntando, quem fora o
responsável pela escalada da violência em Kiev. Segundo a pesquisa, 80%
dos alemães apontaram a Rússia e 70% saudaram as sanções contra o
governo Putin – uma guinada de 180 graus na simpatia pró-Rússia em menos
de cinco meses. Já oito meses depois, em abril de 2015, em nova
pesquisa, desta vez da rede concorrente, ZDF, 55% dos consultados
criticaran a exclusão da Rússia das reuniões do G-7 + 1 (EUA, Alemanha,
Japão, Itália, Grã-Bretanha, França e Canadá + Rússia).
Porém, à medida que a cobertura das disputas geopolíticas com a
Rússia se deslocaram da Europa para o campo de batalha na Síria -
sobretudo após a série de atentados terroristas na França e na Alemanha -
e a percepção de que os êxitos no combate ao terrorismo salafista não
eram mérito de Barack Obama, mas de Wladimir Putin, a rejeição à Rússia e
seu presidente voltou a recuar.
Com êxito sofrível, no final de 2016, a “ponte” instalada nos
principais veículos de comunicação recebeu reforços da "Força Tarefa
Rússia", criada pela União Europeia (UE) para contrarrestar o que
definiu como “propaganda” e “mentiras” na cobertura de veículos russos,
em particular sobre a crise na Ucrânia.
Alarmada com altos índices de rating da mídia russa nos
países do Báltico, nos quais até 25% dos habitantes entendem e falam o
Russo, cabe à nova força-tarefa observar e filtrar a mídia russa, com a
especial missão de “impor valores da UE”, mediante a produção de
conteúdo para TV, por enquanto em Alemão, Espanhol e Inglês.
Um milênio de russofobia
A confrontação referida por Steinmeier remonta à primeira
guerra-fria, iniciada logo após a vitória aliada sobre a Alemanha, em
1945, mas a rachadura na porcelana é muito mais antiga e profunda.
Analistas russos como Dmitri Michejew definem-na como o discurso da superioridade anglo-saxônica, que já beirou o racismo.
“Russos brutos, subdesenvolvidos, de segunda categoría – bárbaros!”,
são juízos de valor emitidos no clássico francês “La Russie en 1839“
(traduzido para vários idiomas com o entrevado título “Sombras da
Rússia”), de autoria de Astolphe-Louis-Léonor (nome-de-guerre:
Marquês de Custine), aristocrata e viajante francês, eivado de
preconceitos e prepotência, que vinte e seis anos após a desastrosa
“Campanha da Rússia” de 1812-13, de seu conterrâneo Napoleão Bonaparte,
não resistiu à curiosidade, resolvendo conhecer de perto os vencedores
da grande armée. É verdade que o gélido inverno foi o grande
marechal-de-campo russo, mas aguardá-lo para investir contra os
franceses, foi astúcia habilmente maquinada pelas mentes “bárbaras”.
Após sua publicação, em 1843, o livro tornou-se um must read da
intelectualidade ocidental, deleitada com pérolas como “eles [os
russos] desconhecem o gênio da criação, nem o entusiasmo que tudo cria o
que é grandioso. Jamais conseguirão galgar as cúspides da genialidade”.
Ao longo de 150 anos, o livro sofreu muitas reedições sutilmente
sincronizadas com importantes eventos políticos envolvendo a Rússia,
como o início da guerra-fria ou a perestroika de Michail
Gobatschow. A mais recente foi em 2014, no auge da campanha de ódio à
Rússia, desencadeada pela extrema-direita da Ucrânia.
Entre os ardentes reverenciadores de Custine, como “expert em
assuntos russos”, figura Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de segurança
nacional do presidente Jimmy Carter, autor de “The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives -
O Grande Tabuleiro de Xadrez: Primazia Americana e os seus Imperativos
Geoestratégicos” (1993) – e estrategista da doutrina “Encircling Russia,
Targeting China – cercar a Rússia e mirar na China,”, desenvolvida como
reação à implosão da URSS e do sistema bipolar de poder mundial, e que
reivindica a ascensão dos EUA ao postp de “primeira, efetivamente única e
última potência mundial” (sic!).
Brzezinski chegou a recomendar o livro, emitindo duvidoso juízo de
valor: “Nem um único sovietólogo conseguiu acrescentar qualquer coisa às
observações de Custine sobre o caráter russo e a natureza bizantina de
seu sistema político”.
Quem não sabe do centenário ódio visceral da maioria dos poloneses
aos russos em geral, tomará a frase de Brzezinski pelo valor de face.
Nascido em Varsóvia, em 1928, como filho de um diplomata polonês nomeado
para um posto no Canadá, em 1938, Brzezinski assistiu à Segunda Guerra,
por assim dizer, de binóculos, mas com as lentes do nacionalismo polaco
(profundamente humilhado com a divisão da Polônia por Hitler e Stalin) e
do anticomunismo norte-americano. Em 1953 emigrou aos EUA, cuja
cidadania adotou em 1958, seguida por meteórica carreira acadêmica em
Harvard e como assistente do extinto Russian Research Center.
Em sentido oposto, em seu livro recentemente lançado, “Feindbild Russland: Geschichte einer Dämonisierung” (Rússia
bicho-papão: História de uma demonização), o historiador austríaco
Hannes Hofbauer seguiu as pistas do preconceito anti-russo até o séc.
XVI, ressaltando que “a primeria onda de russofobia foi desencadeada na
Universidade de Cracóvia, atual Polônia, pelo filósofo Johannes von
Glogau, criador do estigma do ´russo asiático e bárbaro´”; estereótipo
que teimosamente persistiu até os dias atuais.
Alexandr Zinoviev, escritor e filósofo russo, que se auto-exilou na
Alemanha durante as eras Kruchev, Brejnev e Gorbachov, sentiu na própria
pele o preconceito ocidental: “No Ocidente sempre se temeu a etnia
russa. E não por motivos militares ou de competição econômica e, sim,
por causa do medo, de que os russos eram e continuam sendo adversários
do Ocidente. A isso somou-se seu o temor do imenso potencial criativo
russo. Do que mais tinham medo era de que a cultura russa alcançasse o
Ocidente. Falo por experiência própria. Não fosse russo e as portas de
todas as universidades estariam abertas para mim, todas as editoras
ofereceriam publicar meus livros. No começo, tive sorte, e por acaso me
tornei relativamente famoso. Porque achavam que eu era dissidente, mas
quando descobriram que eu era russo e não era dissidente, subitamente
começaram a me temer...”.
Guy Mettan, cientista político suíço e membro da Câmara de Comércio Russo-Suíça, fez penetração mais profunda no túnel do tempo.
Em seu livro Russie-Occident, une guerre de mille ans: La russophobie -
editado na Suíça, Rússia e Itália, com previsão de lançamento em 2017,
nos EUA - Mettan insiste que “a russofobia se inicia com divergências
políticas e institucionais entre o Império Romano do Ocidente, fundado
por Carlos Magno em 800 d.C., e o Império Bizantino de Constantinopla,
quer dizer entre as Igrejas Católica e Ortodoxa".
No livro, Mettan voltou a tematizar uma célebre fake news francesa, que serviu de pretexto para a invasão da Rússia por Napoleão. Trata-se do falso "Testamento de Pedro, o Grande", urdido pelo gabinete secreto de Luís XV, no qual o czar, como último desejo, teria legado a seus sucessores a missão de conquistar toda a Europa. Segundo o suíco, o documento foi usado em 1853 pelos ingleses, para provar as intenções imperialistas da Rússia na Guerra da Crimeia (1853-1856), que cobrou 700.000 vítimas. Algumas décadas mais tarde, foi admitida a falsidade do testamento, mas ao preço de prolongado surto de russofobia na França e na Inglaterra.
No livro, Mettan voltou a tematizar uma célebre fake news francesa, que serviu de pretexto para a invasão da Rússia por Napoleão. Trata-se do falso "Testamento de Pedro, o Grande", urdido pelo gabinete secreto de Luís XV, no qual o czar, como último desejo, teria legado a seus sucessores a missão de conquistar toda a Europa. Segundo o suíco, o documento foi usado em 1853 pelos ingleses, para provar as intenções imperialistas da Rússia na Guerra da Crimeia (1853-1856), que cobrou 700.000 vítimas. Algumas décadas mais tarde, foi admitida a falsidade do testamento, mas ao preço de prolongado surto de russofobia na França e na Inglaterra.
O vendaval “Russia Today”
“Quebrar a hegemonia do discurso anglosaxão” foi a frase que alguns
comentaristas ocidentais colocaram na boca de Wladimir Putin, que em
2005 resolveu colocar no ar um canal de TV internacional para
contrabalançar a coletânea de estigmas anti-russos.
Seis anos depois, em março de 2011, a então secretária de Estado,
Hillary Clinton, fazia uma surpreendente advertência ao comitê de
Prioridades de Política Exterior do governo Barack Obama, dizendo: ”os
EUA estão perdendo uma guerra da informação”.
Foi a primeira vez que uma “guerra da informação” era admitida pelos
EUA, referindo-se, sobretudo, aos canais estatais Russia Today e Al
Jazeera (“A Península”) do Qatar.
Incisiva, Clinton cobrou mais investimentos em propaganda para
contrarrestar a penetração dos canais russo e qatari através de
plataformas domésticas que há vários anos desafiam os grandes grupos
midiáticos norte-americanos, tais como Alex Jones Infowars, Max Keiser,
Paul Craig Roberts e The Young Turks.
Que na tal “guerra da informação”, de uma hora para outra, bombas
podem substituir eufemismos, ilustra o ódio pessoal de George W. Bush
contra o cobertura independente da invasão do Iraque.pelo canal Al
Jazeera, pertencente ao seu aliado Qatar.
Em abril de 2003, a aviação dos EUA bombardeou o escritório do canal
em Bagdá,matando três jornalistas e ferindo gravemente vários outros. Um
crime de guerra escancarado, ao qual os EUA cinicamente deram de
ombros. Um ano mais tarde, segundo documentação do Mirror britânico
(“EXCLUSIVE: BUSH PLOT TO BOMB HIS ARAB ALLY- Madness of war memo,
22.11.2005), Bush Jr. estava decidido a bombardear a sede mundial do Al
Jazeera, em Doha. O ataque demencial foi impedido graças à persuasão de
Tony Blair, durante uma reunião ocorrida em 2004.
No Iraque, perplexa como o resto do mundo, a Rússia assistira a uma
das mais pérfidas mentiras históricas como pretexto para a invasão do
país árabe e o assassinato de seu presidente: as tais “armas de
extermínio em massa”, que Sadam Hussein jamais possuíra. A tonitruante e
avassaladora campanha orquestrada pelas mídias mainstream ocidentais,
ao adotarem a mentira do Pentágno e seus aliados, convenceu a Rússia,
mal restabelecida do ataque predador à sua Economia que, alternando com
morteiros e mísseis, o Ocidente travava também uma guerra das palavras e
das imagens.
Tendo como embrião a agência de noticias RIA Novosti, em dezembro de 2005, na primeira gestão presidencial de Wladimir Putin,
a Rússia decide transmitir - via satélite e para recepção à cabo – seu
primeiro serviço em inglês, a TV-Novosti, definida como empresa autônoma
sem finalidade de lucro, veiculadora do conceito “Russia Today”, mais
conhecida pelo acrônimo RT.
A expansão foi passo a passo. Em 2007, foi ao ar seu programa em
árabe, Rusia Al-Yaum. Em 2009, lançou RT Actualidad, seu serviço em
espanhol. Após a inauguração em Washington dos estúdios de RT America,
em 2010, quatro anos mais tarde passaram a operar os serviços de RT
Deutsch, em Berlim, e RT UK, em Londres. Em 2014, penúltimo ano do
governo de Cristina Kirchner, a presidente argentina inaugurava em
festiva teleconferência com Wladimir Putin, o sinal do RT na grade de
programação da TV estatal da Argentina, onde, apesar de uma primeira
tentativa de exclusão, persiste sob o governo Mauricio Macri.
O serviço alemão, RT Deutsch, revela estratégia perspicaz: em vez de
vultosos investimentos em estúdios e transporte de dados via cabo, a RT
resolveu apostar na Internet. Russia Today é o campeão de acessos no
YouTube, conseguindo a proeza, em 2013, de um 1,0 bilhão de visitas.
Recorde estrondosamente superado em 2016, com 4,0 bilhões de visitas,
segundo estatística da própria RT, somando, de modo combinado, mais do
que o dobro dos acessos ao canal Youtube da concorrente CNN, ao triplo
da Euronews e sete vezes ao da BBC.
Três anos depois, quem ecoou a chamada de Clinton foi a BBC. Peter
Horrocks, antigo diretor do BBC World Service, desabafou: a emissora
estaria sendo “tirada do páreo pelos orçamentos dos canais estatais da
Rússia e da China”. E outra vez fez-se ouvir a frase “estamos perdendo a
guerra da informação”. Ato contínuo, em 2015 a BBC World Service
anunciou o maior aumento orçamentário desde a década de 1940: 721
milhões de dólares, contra aproximadamente 300 milhões de dólares anuais
da RT, que cobrem despesas com instalações e salários de 2.500
funcionários e free-lancers distribuídos mundo afora.
O contraponto russo
Comentando o êxito do RT, Hillary Clinton advertia: “Você pode não
concordar com o que transmite, mas você tem a sensação de estar
recebendo notícias reais 24 horas ao dia, ao invés da enxurrada de
milhões de comerciais e brigas entre cabeças falantes e essas coisas que
se vê em nossos noticiários, que não são particularmente informativos”.
Clinton sabia que a audiência da mídia doméstica diminuía e,
inversamente, aumentava a cobertura crítica à atuação internacional da
auto-declarada super-potência. Desde sua entrada em cena, em 2010, a
sintonia do RT nas maiores cidades norte-americanas - de San Francisco
por Chicago a Washington e Nova York - supera a de suas concorrentes
internacionais. Por exemplo, para cada espectador do canal alemão
Deutsche Welle World, há 13 sintonizados no canal russo. Na
Grâ-Bretanha, 2,0 milhões de espectadores estão habitualmente ligados no
RT, número jamais alcançado por outros canais internacionais no país.
Margarita Simonyan
Escolhida pessoalmente por Putin, foi Margarita Simonyan -
descendente de refugiados do genocídio armênio, perpetrado pela Turquia
entre 1915 e 1923 – quem moldou a grade de programação do canal. Com a
missão de jamais permitir a repetição da derrota sofrida pela Rüssia à
mentirosa narrativa da mídia ocidental sobre a guerra com a Geórgia, em
2008, Simonyan entendeu que o RT deveria ser fomatado como tela para
capturar corações e mentes, insatisfeitos com os monopólios midiáticos
ocidentais, mas abrindo espaço para alguns de seus rostos celebrizados.
Por exemplo, contratando ou associandos-se a profissionais americanos de
renome, como o showmaster Larry King, cujos programas “Larry King Now” e
“Politicking with Larry King” - produzidos por sua produtora Ora TV, em
sociedade com Carlos Slim, dono da Claro e dos três homens mais ricos
do planeta – o RT retransmite em sua grade inglesa.
O anti-americanismo da emissora não é avant la lettre, mas construído
com bem humoradas provocações e ironias, farta publicidade de moderno
armamento russo, além de historietas com sex appeal e “causos”
exotéricos de gosto duvidoso, sobretudo no serviço online de RT Español.
Sua contribuição ao jornalismo sério é discutível, mas compreensível
como tentativa de ampliar a audiência, o que o RT conseguiu com folga,
sintonizado em 38 países, com público semanal estinado em 700 milhões,
segundo dados da própria emissora.
Consideração finais: Putin e o cerco militar da Rússia
Herdeira da hostilidade histórica contra a Rússia, a beligerância
midiática da OTAN é uma espiral iniciada nos primeiros anos do novo
milênio e se intensifica com a “primavera árabe” e o conflito na
Ucrânia.
Sua adversidade diriige-se contra os seguintes movimentos da Federação Russa, robustecida sob a presidência de Wladimir Putin:
● Reafirmação do Projeto Nacional russo, com a neutralização
das forças neoliberais na Economia, fortalecimento do Estado,
modernização das FFAA, e ofensiva diplomática em escala global;
● Rejeição da intervenção na Líbia, em 2011, e denúncia da “primavera árabe”;
● Ofensiva contra o fascismo na Ucrânia e apoio militar ao movimentio sessecionista no Donbass;
● Reincorporação da Crimeia;
● Criação dos BRICS - China entrando com seus bancos, a Rússia com a estratégia;
● Aliança politica com os governos de centro-esquerda da América Latina; e
● Bloqueio do plano internacional em fatiar a Síria, entrada na guerra, combate duro ao terrorismo e reversão do xadrez militar.
Todavia, do ponto de vista russo, muito antes desses eventos, a OTAN traiu sua palavra.
Em um memorando de de fevereiro de 1990, mantido em segredo até 2009,
o recentemente falecido e então chanceler da Alemanha, Hans-Dietrich
Genscher, disse textualmente ao seu colega soviético, Eduard
Schewardnase, “tenhamos consciência de que a filiação de uma Alemanha
unificada à OTAN levanta questões complicadas. Apesar disso, para nós
[Alemanha] uma coisa é certa: a OTAN não se expandirá em sentido leste”.
Confirmando a promessa de Genscher, em 9 de fevereiro de 1990, o
então chanceler dos EUA, James Baker, deleitou os ouvidos russos na Sala
Catarina do Kremlin, dizendo, “a aliança [OTAN] não expandirá nem uma
polegada da sua esfera de influência em sentido leste, caso os
soviéticos apoiem a filiação de uma Alemanha unificada na OTAN” .
Michail Gorbatschow, que aceitara a queda do Muro de Berlim e a
unificação da Alemanha, respondeu, taxativo: “Toda expansão da OTAN
certamente seria inaceitável”
Os russos acreditaram em Genscher e Baker, mas as promessas jamais
foram vertidas em contrato, e no decorrer dos últimos vinte anos se
fizeram palavras ao vento.
Eis por que.
Já na cúpula da OTAN de 1997, em Madrí, países do ex-Pacto de
Varsóvia, como a Polônia, a República Checa e a Hungria, eram convidadas
para aderir à OTAN, o que fizeram em março de 1999.
Cinco anos depois, em março de 2004, sete ex-membros do Pacto de
Varsóvia – Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e
Eslovênia – aderiam à OTAN, deslocando enorme contingente militar para
as fronteiras russas.
Em abril de 2008, seduzidas pelos EUA e a União Europeia, Albânia e
Croácia aderiam à OTAN, seguidas pela Macedônia e Montenegro,
ex-integrantes da Iugoslávia, destruída pela OTAN em meados da década de
1990.
Para não deixar espaços em branco no mapa geopolítico, e completar o
cerco europeu à Rússia, em 2008, a Bósnia e a Hercegovina iniciaram a
negociação de sua adesão, que se completou em 2010, com exigências de
“democratização” por parte da OTAN.
Declarando sua neutralidade militar, a Sérvia foi coagida a assinar
um protocolo de “parceria” com a OTAN, mediante ativa participação em
operações internacionais; pressão igualmente usada para acelerar a
adesão do Cosovo.
O cerco apenas se deteve diante da Geórgia, perdedora da guerra de
2008 da Ossétia, mas desde 2014 insiste em provocar a Rússia com
manobras militares e forçar a adesão da Ucrânia e da Moldávia, sem falar
dos assédios às ex-repúblicas da URSS na Ásia Central, assentadas sobre
notaveis reservas de petróleo e gás, e localizadas sobre o arco
geoestratégico do poderío russo e chinês.
A decepção e a mágoa russas não eram para menos.
Consumada a traição, daí a guerra da informação em curso.
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