Em fevereiro de 1909, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti lançava o Manifesto Futurista,
onde, entre outras sandices, pregava: “Queremos glorificar a guerra –
única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto
destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o
desprezo da mulher”. Cinco anos depois, estourava a I Guerra Mundial e, após um interregno de apenas 21 anos, o mundo inteiro se envolveria na II Guerra Mundial,
que deixaram, juntas, um saldo de 34 milhões de soldados, 65 milhões de
civis mortos e 56 milhões de feridos. Marinetti ofereceu à política as
bases estéticas e à arte as bases ideológicas do fascismo, que, nascido na Itália, se espraiaria pelos cinco continentes alcançando até os dias de hoje.
No Brasil contemporâneo, o pensamento fascista prolifera em terreno fértil. Os recentes massacres nas penitenciárias de Manaus (AM) e Boa Vista
(RR) possibilitaram vir à tona comentários nas redes sociais que
demonstram o fascínio do homem comum pela “violência arrebatadora” que
inspirou Marinetti. O secretário nacional da Juventude, Bruno Júlio,
declarou: “Eu sou meio coxinha sobre isso. Tinha que matar mais.
Tinha que fazer uma chacina por semana”. Bruno Júlio, filho do
ex-deputado federal e atual deputado estadual por Minas Gerais, Cabo
Júlio (PMDB), perdeu o emprego pelo comentário absurdo. O pai, cabo da Polícia Militar,
condenado em segunda instância por improbidade administrativa a 10 anos
de inelegibilidade, é conhecido pelos rompantes, o mais recente por ter
chamado a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) de “vaca” em sessão
plenária.
Outro que fez questão de proferir sua opinião foi o deputado federal Major Olímpio (SD-SP), que no Facebook
desafiou os presos do Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de
Janeiro, a cometer massacres que superassem os do Amazonas e Roraima. O
deputado, major da Polícia Militar, escreveu: “Placar dos presídios:
Manaus 56 x 30 Roraima. Vamos lá, Bangu! Vocês podem fazer melhor!”
Em qualquer país sério do mundo, Major Olímpio perderia seu mandato por
quebra do decoro parlamentar e ainda seria processado por incitação ao
ódio e à violência - mas não aqui neste canto acanhado do mundo.
O Major Olímpio segue a tradição do pensamento de
ultradireita que vem prevalecendo no Congresso Nacional. Em 17 de abril
do ano passado, ao declarar seu voto favorável à admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o deputado federal e ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro,
homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador
da época da ditadura militar. Apesar de a tortura ser considerada pela Organização das Nações Unidas
(ONU) como crime contra a humanidade, somente em junho, dois meses
depois do episódio, e após pressão da sociedade, a Câmara dos Deputados
resolveu abrir processo no Conselho de Ética contra Bolsonaro, e até
hoje o caso se arrasta. Em maio de 1999, o deputado, em entrevista à
televisão, já havia dito claramente ser favorável à tortura e à guerra
civil como única solução para os problemas do Brasil.
Major Olímpio, dono de 179 mil votos, justificou seu ponto
de vista no Facebook afirmando que seu papel de legislador é “manifestar
o pensamento da sociedade”: “Antes eles se matem sozinhos do que matem a
população”. A grande tragédia é que o Major Olímpio está certo. Ele,
Bruno Júlio e Bolsonaro, o deputado mais votado do Rio de Janeiro com
464 mil votos, realmente representam o pensamento médio da população.
Uma pesquisa, realizada em outubro de 2011 pelo Ibope para a
Confederação Nacional das Indústrias (CNI), mostrava que 46% dos
brasileiros era favorável à pena de morte, 79% defendiam penas mais
rigorosas para os criminosos e 86% pediam a diminuição da idade penal.
Em outra pesquisa, no ano passado, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Datafolha revela que 57% dos entrevistados concorda com a frase “bandido bom é bandido morto”.
O Brasil vem se tornando dia a dia mais e mais um país
fascista. Ao invés de lutarmos pela construção de prédios escolares
decentes, reivindicamos presídios; no lugar de exigirmos um sistema
educacional de qualidade, pedimos mais policiamento; ao invés de ruas
seguras, aspiramos condomínios invioláveis. Mas, vale a pena lembrar,
pelas palavras do poeta Affonso Romano de Sant’Anna: “Uma coisa é um
país / outra um ajuntamento. // Uma coisa é um país / outra um
regimento. // Uma coisa é um país / outra o confinamento”.
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