Presidente americano ataca jornalistas e escala assessores para rebater informações da mídia. Para críticos, Casa Branca trata jornais como ‘partido de oposição’
A declaração — dada por Trump em visita à sede da CIA, a agência de inteligência americana, na capital americana, Washington — foi seguida de uma escalada agressiva por parte de outras duas figuras importantes do novo governo.
A polêmica teve origem no debate sobre quantas pessoas foram à posse de Trump, na sexta-feira (20), e se esse público foi maior ou menor que o presente na posse do primeiro mandato de Barack Obama, em 2009. Fotos aéreas, assim como especialistas ouvidos por jornais, dizem que o público de Trump foi menor, mas o fato é refutado pelo governo.
Recados diretos
‘Vergonhoso’
Primeiro,
o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, convocou no sábado (21) a
primeira conferência de imprensa do mandato de Trump, e acusou os
jornalistas de mentirem de maneira “vergonhosa” sobre o número de
pessoas presentes na cerimônia de posse, realizada no dia anterior. O
tom do pronunciamento foi duro, e Spicer se retirou sem responder a
perguntas dos repórteres presentes.
‘Fatos alternativos’
No
dia seguinte, domingo (22), Kellyanne Conway, conselheira do presidente
americano, voltou a criticar a imprensa ao participar de um dos mais
tradicionais programas de entrevista do país, o “Meet The Press”,
da emissora “NBC”. Repetindo os argumentos de Trump e de Spicer, ela
refutou os dados de audiência da cerimônia de posse veiculados pela
mídia, e causou espanto no apresentador, Chuck Todd, ao dizer que o
governo trabalhava com “fatos alternativos”. Todd interrompeu Conway,
dizendo: “Fatos alternativos não são fatos. Eles são falsidades”.
A ‘guerra’: das primárias à Casa Branca
A hostilidade entre Trump e alguns dos principais órgãos de imprensa dos EUA teve início ainda durante a campanha eleitoral.No início da disputa, ainda nas primárias republicanas, a pré-candidatura do magnata sequer foi levada a sério pela maioria dos jornalistas que cobrem política nos EUA.
‘Há uma obsessão da mídia em deslegitimar o presidente e nós não vamos ficar sentados esperando isso acontecer’, diz chefe de gabineteCom o passar do tempo, conforme a possibilidade de uma vitória de Trump ganhou força, os jornais passaram então a publicar editoriais contra o republicano, e a favor da adversária dele, a democrata Hillary Clinton, que acabou derrotada no dia 8 de novembro. “É imperativo deter Donald Trump”, publicou, por exemplo, em editorial, o jornal americano “Boston Globe”, no dia 22 de fevereiro de 2016.
Os editoriais — que expressam o ponto de vista dos proprietários de uma publicação — foram usados como combustível da crítica que Trump passou a fazer a toda a imprensa, como se toda cobertura crítica a ele partisse de empresas que estavam orientadas a derrotá-lo, mesmo que, para isso, tivessem de publicar o que ele e seus assessores classificam como “mentiras”.
‘Trump se destaca quando tem um antagonista. E ele escolheu a mídia como o novo partido de oposição’, rebate jornalistaApós a vitória do republicano, e, em seguida, com a posse na Casa Branca, na sexta-feira (20), esse atrito escancarado ganhou proporção ainda maior, até que o próprio Trump se encarregou de chamar a situação de uma “guerra”.
Na noite de domingo, jornais como o “The New York Times” e o “Washington Post” tinham como manchetes em seus sites a teoria dos “fatos alternativos”, lançada por Conway.
As falas de Trump, Spicer e Conway foram classificadas simplesmente como “declarações falsas” pelo “NYT”, enquanto o “Post” deu grande destaque à coluna da jornalista Margaret Sullivan. Segundo ela, o novo porta-voz da Casa Branca impõe um estilo de relação com os jornalistas que vai contra a tradição seguida até hoje.
A jornalista Eliana Johnson, do site americano “Politico”, vê na situação uma aposta deliberada do novo presidente americano: “Trump se destaca quando tem um antagonista. E ele escolheu a mídia como o novo partido de oposição.”
O site americano “Politifact”, que se dedica a checar a veracidade das informações ditas por políticos, estima que 70% das declarações de Trump feitas em campanha eram “falsas” ou “distorcidas”.
“Há uma obsessão da mídia em deslegitimar o presidente e nós não vamos ficar sentados esperando isso acontecer”, disse o chefe de gabinete da Casa Branca, Reince Priebus, à emissora de TV dos EUA “Fox News”, considerada uma das poucas redes francamente simpáticas ao Partido Republicano e a Donald Trump.
O momento atual dessa “guerra” tem como pano de fundo duas situações, para as quais governo e imprensa têm olhares distintos:
A audiência no dia da posse
Os jornais publicaram fotos que comparam a presença do público na posse de Trump com a posse do primeiro mandato de Barack Obama, em 2009, mostrando que o atual presidente teve uma cerimônia impopular.
A imagem de Trump foi tomada 56 minutos antes da posse. E a de Obama, 30 minutos antes da posse. A primeira é visivelmente mais vazia.
O que diz a Casa Branca
“Honestamente, parecia haver 1,5 milhão de pessoas, [a multidão se estendia] até o Monumento a Washington”, disse Trump.No Twitter, o presidente disse ainda: “Uau, acabam de sair as estimativas da transmissão: 31 milhões assistiram à posse, 11 milhões a mais do que a muito boa audiência de 4 anos atrás [na posse do segundo mandato de Obama]!”
“Essa foi a maior audiência a presenciar uma posse. Ponto. Tanto pessoalmente quanto ao redor do mundo”, declarou Spicer na coletiva de imprensa. De acordo com o porta-voz, houve algumas fotos cortadas com o intuito de que o público da cerimônia de Trump parecesse menor. Spicer disse ainda que a cobertura branca colocada sobre o gramado destacava as áreas onde não havia pessoas.
O que diz a imprensa americana
“A multidão presente na posse de Trump foi um terço da que acompanhou a posse de Obama em 2009”, disse o “The New York Times”, atribuindo o cálculo a especialistas ouvidos pelo jornal. “Fotos aéreas mostram claramente que a multidão não chegou ao Monumento a Washington”, completou.Especialistas citados por diferentes jornais falaram em 200 mil pessoas na posse de Trump, contra 1,8 milhão em 2009, na posse do segundo mandato de Obama.
Na TV, o “NYT” disse que a audiência de Trump foi de 30,6 milhões, contra 38 milhões de Obama e 42 milhões na posse do presidente Ronald Reagan, em 1981 — sem contar visualizações pela internet, que não existia na época.
As declarações sobre a CIA
Na visita, Trump novamente culpou a imprensa por criar atritos entre eles e a CIA.
A crítica tem como pano de fundo a revelação pelo site americano “BuzzFeed” de um relatório — de autoria duvidosa, cuja veracidade do conteúdo nunca foi comprovada — que revelaria que o governo russo possui dossiês comprometedores sobre Trump, que deixariam o novo presidente de mãos atadas em seu mandato.
Na primeira entrevista coletiva que deu depois de eleito, Trump chamou a rede “CNN” de “notícias falsas” e o “BuzzFeed” de “monte de lixo”.
A versão de Trump
“Estou 1.000% com vocês. O motivo pelo qual vocês são minha primeira visita é que estou em uma guerra contra os meios de comunicação. Estão entre os seres mais desonestos da Terra. Deram a impressão de que havia uma briga com a comunidade de inteligência", disse o presidente antes de ser ovacionado na sede da CIA.A referência era às informações vazadas pelo “BuzzFeed” e toda a cobertura que se seguiu, de maneira crítica ao presidente eleito.
À época, Trump criticou o vazamento, dizendo que a prática fazia lembrar o nazismo alemão. Neste sábado (21), o chefe de gabinete do presidente disse à “Fox News” que “‘um mau ator’ pode ter vazado os documentos, mas Trump não estava bravo com todos os agentes de inteligência do país”, minimizando as críticas do presidente à CIA.
O que diz a imprensa americana
“Trump acusou a comunidade de inteligência dos EUA de ter permitido o vazamento das informações e escreveu em sua conta no Twitter: ‘Estamos vivendo na Alemanha nazista?’”, lembrou o “The New York Times”.O jornal deixou claro que, à época, a crítica não foi dirigida apenas aos jornalistas, mas também à CIA.
Durante a campanha, o presidente americano também fez críticas à agência de inteligência por ela ter supostamente informado Obama de que hackers russos teriam espionado computadores democratas e republicanos. A ação teria, na versão da CIA, o interesse de encontrar detalhes que favorecessem de alguma forma a campanha de Trump.
O agora presidente disse, na época, que duvidava dos relatórios e das informações produzidas pela chamada “comunidade de inteligência dos EUA”, que agora diz apoiar “1.000%”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário