Na última coluna do ano passado, escrevi sobre a anacrônica visão do ministro da Justiça
sobre as questões de segurança pública. Sua pretensão é aumentar o
número de prisões por crimes relacionados às drogas e, ao mesmo tempo,
deixar de usar os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) nos
presídios para realocá-los em outras áreas de segurança pública. Em
setembro último, o STF frustrou o ministro e o obrigou a fazer óbvio:
utilizar os recursos do fundo para o que ele foi criado, na construção, reforma, ampliação, modernização e aprimoramento de estabelecimentos penais.
A quem interessa o sucateamento do já combalido sistema penitenciário?
Ao que parece, apenas às empresas interessadas em lucrar administrando
presídios e políticos financiados por elas.
O Massacre de Manaus expôs a falácia de que a privatização de presídios traz eficiência para o sistema. O Compaj
(Complexo Penitenciária Anísio Jobim) foi concedido à iniciativa
privada há mais de dois anos e abrigava durante a rebelião o triplo de
detentos em relação a sua capacidade, segundo o próprio governo do
Estado. Peritos ouvidos pelo UOL afirmaram que a gestão terceirizada facilitou o massacre. Numa inspeção realizada pelo CNJ
(Conselho Nacional de Justiça) em outubro do ano passado, o Compaj foi
classificado como “péssimo” para a ressocialização dos presos, que estão
sem nenhuma assistência social, jurídica, educacional e de saúde –
uma tragédia anunciada. Ainda segundo o relatório do CNJ, presos que
ainda não foram condenados pela Justiça ficam em celas com outros já
condenados. Ou seja, um inocente ou um ladrão de goiaba pode desfrutar
da convivência diária com um líder de facção criminosa de alta
periculosidade condenado por homicídio. O crime organizado agradece ao
Estado pelos serviços prestados nessa parceria de sucesso.
É com essa excelência que estão funcionando os presídios de Manaus cujas administrações estão sob os cuidados da iniciativa privada: superlotação, livre trânsito de armas e drogas, disputa sangrenta entre facções criminosas. A empresa que lucra com a tragédia chama-se Umanizzare (“humanizar” em italiano) – uma ironia que está em sintonia com a era da pós-verdade. Se os lucros ficam com a empresa (recebeu R$651 milhões dos cofres públicos entre 2013 e 2016), a responsabilidade em garantir condições dignas para o cumprimento da pena ainda é do Estado.
É com essa excelência que estão funcionando os presídios de Manaus cujas administrações estão sob os cuidados da iniciativa privada: superlotação, livre trânsito de armas e drogas, disputa sangrenta entre facções criminosas. A empresa que lucra com a tragédia chama-se Umanizzare (“humanizar” em italiano) – uma ironia que está em sintonia com a era da pós-verdade. Se os lucros ficam com a empresa (recebeu R$651 milhões dos cofres públicos entre 2013 e 2016), a responsabilidade em garantir condições dignas para o cumprimento da pena ainda é do Estado.
A Umanizzare é uma grande doadora
eleitoral. A empresa doou R$ 300 mil para a campanha do governador
reeleito do Amazonas, José Melo (PROS). Já seus acionistas doaram R$ 212 mil ao ex-deputado federal Carlos Souza (PSD-AM),
que é – vejam só que curioso – réu por tráfico de drogas. Se sobrou
dinheiro para a empresa bancar políticos amigos, faltou para investir no
pessoal que trabalha no inferno dos presídios. Os funcionários não têm plano de carreira e a média salarial é de R$1.700. Não é à toa que, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas (Seap), só no ano de 2016, ao menos 53 presos fugiram e oito túneis foram construídos em presídios administrados pela iniciativa privada – um choque de eficiência!
E como reagiram nossos servidores públicos responsáveis pela manufatura dessa bomba-relógio?
Bom, o presidente não-eleito ficou
quatro dias calado diante da segunda maior chacina ocorrida na história
do seu país. Quando apareceu, apresentou um novo Plano de Segurança com
mais do mesmo e classificou a escandalosa omissão do Estado que resultou
em 56 mortos de “acidente pavoroso”. Pior: afirmou que os agentes
estatais não podem ser responsabilizados, já que o presídio é
terceirizado – o que é mentira, porque a segurança dos presos é uma
responsabilidade do Estado, segundo a Constituição.
Alckmin lavou as mãos e disse que “não há nenhuma relação com São Paulo”.
Nenhuma mesmo, a não ser o fato de o PCC ter crescido absurdamente nos
presídios paulistas durante suas gestões antes de se espalhar pelo
Brasil. O monstro cresceu tanto que o governo teve que sentar com
Marcola, líder da facção, para negociar o fim da onda de ataques de 2006. O governador não parece também ter visto grande problema no Massacre do Carandiru – episódio que pariu o PCC – já que chegou a nomear um dos acusados da chacina como chefe da ROTA.
Já o governador do Amazonas minimizou o massacre dizendo que entre as vítimas “não
tinha nenhum santo. Eram estupradores e matadores”, numa reflexão que
caberia confortavelmente na caixa de comentários do G1. É como se a
qualidade dos crimes dos mortos amenizasse o flagrante descumprimento da
Constituição e a violação dos Direitos Humanos pelo Estado. Em seguida,
o governador culpou a eficiência da sua gestão no combate ao tráfico de
drogas: “em dois anos de governo,
nós já apreendemos 21 toneladas de drogas, o que representa o
quantitativo apreendido por todos os outros governos que me antecederam,
e praticamente dobramos a população carcerária com prisões voltadas
sobretudo para essa questão de tráfico de drogas”.
É justamente essa fracassada guerra às
drogas e o seu consequente encarceramento em massa que contribuem para a
instalação do caos no sistema penitenciário. A lógica que levou ao
massacre é apresentada como solução: é preciso prender mais gente,
construir mais presídios e, de preferência, conceder suas administrações
às empresas cujos lucros aumentam de acordo com o número de presos.
Na sexta-feira, houve novo massacre com 33 mortos em um presídio estatal de Roraima e, ao que tudo indica, comandado pelo PCC. Foram duas matanças em uma semana – número maior que o desejado pelo ex-secretário de Temer, Bruno Júlio (PMDB), que caiu após dizer que “tinha que fazer uma chacina por semana”.
Se levarmos em conta o Plano de Segurança apresentado por Temer, cuja vertente principal é a construção de presídios, o ciclo que fortalece o crime organizado permanecerá. O Zé das Couves entra na cadeia por roubar galinha ou vender baseado e é obrigado a integrar alguma facção criminosa em troca de proteção para ele e sua família. Foi assim que o PCC nasceu, cresceu e tornou-se o monstro que comanda o sistema carcerário e articula o crime organizado fora dele. Essa política fracassada não é novidade, todos os governos anteriores insistiram nela. E lá vamos nós, mais uma vez, enxugar iceberg com paninho de prato…
Se levarmos em conta o Plano de Segurança apresentado por Temer, cuja vertente principal é a construção de presídios, o ciclo que fortalece o crime organizado permanecerá. O Zé das Couves entra na cadeia por roubar galinha ou vender baseado e é obrigado a integrar alguma facção criminosa em troca de proteção para ele e sua família. Foi assim que o PCC nasceu, cresceu e tornou-se o monstro que comanda o sistema carcerário e articula o crime organizado fora dele. Essa política fracassada não é novidade, todos os governos anteriores insistiram nela. E lá vamos nós, mais uma vez, enxugar iceberg com paninho de prato…
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