(Moscou - Rússia, 20/06/2017) Presidente Michel Temer durante quebra-queixo com jornalistas no Hotel Hitz Carlton.Foto: Beto Barata/PR
O mercado delirou quando Michel Temer anunciou sua equipe econômica logo após a tomada da presidência da República. Um economista da Goldman Sachs chegou a dizer que estava sendo montando “um verdadeiro dream team de gente muito qualificada e com experiência muito relevante e rica.”
Miriam Leitão, colunista global e fã número 1 do “dream team”, dizia que este era o ponto forte do governo e não se cansou de elogiar as estrelas que comandariam a economia brasileira. Fernando Henrique Cardoso comemorava o fato de que finalmente tínhamos “um governo que tenta pôr a casa em ordem”.
Michel Temer também passou boa parte do governo jogando com a carta da economia em declarações públicas. Para tirar o foco da lama na qual patina, dizia à exaustão ter responsabilidade com a economia do país, chegando ao cúmulo de anunciar o fim da recessão.


Pois bem. Henrique Meirelles, o capitão do dream team, anunciou essa semana um rombo de R$159 bilhões nas contas públicas para 2017 e 2018. O sonho virou pesadelo. Miriam Leitão parece que ficou bastante decepcionada e admitiu que Temer pode “entregar ao país um número muito pior do que o pior momento do governo Dilma.” Um espanto!
Para compensar o rombo, o governo intensificará ainda mais seus esforços na aprovação da reforma da Previdência. A coluna Painel da Folha informou na última quarta-feira que Temer tem se reunido com emissoras de TV para pedir apoio, como se preciso fosse:
Este dream team midiático está alinhadíssimo ao governo, principalmente no que diz respeito às reformas, estamos carecas de saber. Já não nos escandalizamos com o fato de concessões públicas estarem sendo utilizadas para defender interesses privados e sufocar qualquer debate sobre a reforma da Previdência, um tema de grande importância para o futuro do país.
Por essa pauta em comum, até a Globo voltou a se reunir com Temer. A empresa parece ter se conformado com a derrota no braço de ferro depois do arquivamento da denúncia contra o presidente na Câmara.
Essa agenda não é novidade. Encontros do governo com representantes de grandes grupos de mídia só não são mais frequentes que as reuniões entre Temer e Gilmar Mendes fora da agenda.
Em 2015, durante o governo Dilma, as emissoras tiveram cortes drásticos no recebimento de verbas publicitárias. No total, foram cortados R$ 591,5 milhões, uma queda de 34% em relação a 2014. A TV Globo foi a que mais sofreu, perdendo R$ 206,3 milhões em propagandas. O SBT foi a segunda emissora mais prejudicada, passando de R$ 172,7 milhões em 2014 para R$ 115,4 milhões em 2015 , uma queda de 33%.
Desde o início do seu governo, Temer vem mantendo uma relação frutífera com grandes grupos de mídia, especialmente os detentores de emissoras de TV, que ainda são a principal fonte de informação dos brasileiros. A seguir, tentarei traçar um resumo histórico, levantando os principais episódios dessa relação que parece mais uma parceria público-privada.
junho 2016 — logo no primeiro mês de governo, Temer aumentou em 50% os gastos em publicidade em relação ao mesmo mês do ano anterior. Esse aumento se refere a todos os tipos de mídia, não apenas às emissoras de TV.
dezembro 2016 — quando se iniciava especulação sobre sua queda, Temer convidou João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, para um jantar no Palácio do Jaburu e se queixou do tom negativo do noticiário na cobertura da Lava Jato. “Eles noticiam caixa 2 como se fosse homícidio”, teria dito um integrante do Planalto.
março 2017 — Temer sanciona sem quase nenhum veto a MP 747, que, apesar de ser apresentada como medida desburocratizadora, na prática confere ainda mais liberdade aos grandes empresários de rádio e TV. Ela confere anistia nos prazos de renovação de outorgas, libera a troca dos proprietários sem a necessidade de autorização do governo, e exclui do texto da lei a necessidade de cumprimento de “obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público”. A medida foi comemorada pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV) — presidida por Paulo Tonet, executivo da Globo — como a “maior vitória dos últimos 50 anos”.

Temer e Kassab são aplaudidos por Paulo Tonet, presidente da Abert e executivo da Globo, durante 
cerimônia da lei que beneficiou os grandes empresários de mídia. (Foto: Beto Barata/PR)
abril 2017 — enquanto anuncia cortes que prejudicam os mais pobres, Temer vira Sílvio Santos e passa a jogar dinheiro para o alto perguntando para os empresários de mídia “quem quer dinheiro?”. Todos os veículos de comunicação que aderiram à campanha a favor da reforma da Previdência ganharam verbas de publicidade. Locutores e apresentadores populares foram recrutados para explicar a reforma sob um olhar governista. Os agraciados pelas verbas foram indicados por deputados e senadores.
— Temer se encontra com Sílvio Santos. No dia seguinte, o SBT passa a veicular mensagens aterrorizando a população sobre a urgência da reforma. Outro apresentador popular da emissora, Ratinho, inicia intensa campanha pelas mudanças propostas por Temer para a Previdência.
maio 2017 — logo após a Globo pedir expressamente a renúncia de Temer em editorial, Moreira Franco se reuniu com João Roberto Marinho na tentativa de acertar uma trégua, mas não obteve sucesso.
— a TV Band, que teve 1129% de aumento no recebimento de verbas publicitárias, publicou um editorial vergonhosamente chapa-branca logo após a divulgação dos áudios das conversas entre Temer e Joesley: “o Brasil continua precisando seguir o seu rumo – finalmente claro e eficiente – adotado pelo atual governo, depois de anos de insensatez. O país quer seguir adiante e não abre mão de persistir na recuperação já iniciada da economia e dos empregos. Esclarecidas todas as dúvidas, a Band espera e acredita que possa o presidente Temer dar sequência às medidas que, de fato, atendam os interesses dos brasileiros”.
junho 2017 — Grampos mostraram Aécio Neves e Moreira Franco negociando com alto executivo da Record uma entrevista com Temer em troca de um patrocínio da Caixa. Tudo feito com a anuência do presidente.
julho 2017 — diferente do que ocorreu no dia da votação pelo impeachment de Dilma na Câmara, nenhuma emissora além da Globo transmitiu a votação em que foi arquivada a denúncia contra Temer.
Regada por jantares, telefonemas, MPs, editoriais, verbas publicitárias e algumas rusgas, a relação de Temer com a grande mídia é carnal e compromete a liberdade de imprensa. Aproveitando a atual promiscuidade das instituições brasileiras, talvez seja o caso de oficializar as grandes empresas de mídia como o quarto poder, que não terá nada de moderador.
Me parece que essa nova rodada de reuniões com diretores das emissoras noticiada pela Folha é apenas para fidelizar o relacionamento e traçar novas estratégias para a aprovação de uma reforma que não será fácil. É uma reunião apenas para “manter isso aí, viu?”.