O mercado delirou quando Michel Temer anunciou sua equipe econômica logo após a tomada da presidência da República. Um economista da Goldman Sachs chegou a dizer que estava sendo montando “um verdadeiro dream team de gente muito qualificada e com experiência muito relevante e rica.”
Miriam Leitão, colunista global e fã número 1 do “dream team”, dizia que este era o ponto forte do governo e não se cansou de elogiar as estrelas que comandariam a economia brasileira. Fernando Henrique Cardoso comemorava o fato de que finalmente tínhamos “um governo que tenta pôr a casa em ordem”.
Michel Temer também passou boa parte do governo jogando com a carta da economia em declarações públicas. Para tirar o foco da lama na qual patina, dizia à exaustão ter responsabilidade com a economia do país, chegando ao cúmulo de anunciar o fim da recessão.
Acabou a recessão! Isso é resultado das medidas que estamos tomando. O Brasil voltou a crescer. E com as reformas vai crescer mais ainda.— Michel Temer (@MichelTemer) 1 de junho de 2017
Pois bem. Henrique Meirelles, o capitão do dream team, anunciou essa
semana um rombo de R$159 bilhões nas contas públicas para 2017 e 2018. O
sonho virou pesadelo. Miriam Leitão parece que ficou bastante
decepcionada e admitiu que Temer pode “entregar ao país um número muito pior do que o pior momento do governo Dilma.” Um espanto!
Para compensar o rombo, o governo intensificará ainda mais seus
esforços na aprovação da reforma da Previdência. A coluna Painel da
Folha informou na última quarta-feira que Temer tem se reunido com
emissoras de TV para pedir apoio, como se preciso fosse:
Este dream team midiático está alinhadíssimo ao governo,
principalmente no que diz respeito às reformas, estamos carecas de
saber. Já não nos escandalizamos com o fato de concessões públicas
estarem sendo utilizadas para defender interesses privados e sufocar qualquer debate sobre a reforma da Previdência, um tema de grande importância para o futuro do país.
Por essa pauta em comum, até a Globo voltou a se reunir com Temer. A
empresa parece ter se conformado com a derrota no braço de ferro depois
do arquivamento da denúncia contra o presidente na Câmara.
Essa agenda não é novidade. Encontros do governo com representantes
de grandes grupos de mídia só não são mais frequentes que as reuniões
entre Temer e Gilmar Mendes fora da agenda.
Em 2015, durante o governo Dilma, as emissoras tiveram cortes drásticos
no recebimento de verbas publicitárias. No total, foram cortados R$
591,5 milhões, uma queda de 34% em relação a 2014. A TV Globo foi a que
mais sofreu, perdendo R$ 206,3 milhões em propagandas. O SBT foi a
segunda emissora mais prejudicada, passando de R$ 172,7 milhões em 2014
para R$ 115,4 milhões em 2015 , uma queda de 33%.
Desde o início do seu governo, Temer vem mantendo uma relação
frutífera com grandes grupos de mídia, especialmente os detentores de
emissoras de TV, que ainda são a principal fonte de informação
dos brasileiros. A seguir, tentarei traçar um resumo histórico,
levantando os principais episódios dessa relação que parece mais uma
parceria público-privada.
junho 2016 — logo no primeiro mês de governo, Temer aumentou em 50% os
gastos em publicidade em relação ao mesmo mês do ano anterior. Esse
aumento se refere a todos os tipos de mídia, não apenas às emissoras de
TV.
dezembro 2016 — quando se iniciava especulação sobre sua queda, Temer convidou João Roberto Marinho,
vice-presidente das Organizações Globo, para um jantar no Palácio do
Jaburu e se queixou do tom negativo do noticiário na cobertura da Lava
Jato. “Eles noticiam caixa 2 como se fosse homícidio”, teria dito um
integrante do Planalto.
março 2017 — Temer sanciona sem quase nenhum veto a MP 747,
que, apesar de ser apresentada como medida desburocratizadora, na
prática confere ainda mais liberdade aos grandes empresários de rádio e
TV. Ela confere anistia nos prazos de renovação de outorgas, libera a
troca dos proprietários sem a necessidade de autorização do governo, e
exclui do texto da lei a necessidade de cumprimento de “obrigações
legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público”. A medida
foi comemorada pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e
TV) — presidida por Paulo Tonet, executivo da Globo — como a “maior
vitória dos últimos 50 anos”.
abril 2017 — enquanto anuncia cortes que prejudicam
os mais pobres, Temer vira Sílvio Santos e passa a jogar dinheiro para o
alto perguntando para os empresários de mídia “quem quer dinheiro?”.
Todos os veículos de comunicação que aderiram à campanha a favor da
reforma da Previdência ganharam verbas de publicidade.
Locutores e apresentadores populares foram recrutados para explicar a
reforma sob um olhar governista. Os agraciados pelas verbas foram
indicados por deputados e senadores.
— Temer se encontra com Sílvio Santos.
No dia seguinte, o SBT passa a veicular mensagens aterrorizando a
população sobre a urgência da reforma. Outro apresentador popular da
emissora, Ratinho, inicia intensa campanha pelas mudanças propostas por
Temer para a Previdência.
maio 2017 — logo após a Globo pedir expressamente a
renúncia de Temer em editorial, Moreira Franco se reuniu com João
Roberto Marinho na tentativa de acertar uma trégua, mas não obteve
sucesso.
— a TV Band, que teve 1129% de aumento no recebimento de verbas publicitárias, publicou um editorial vergonhosamente
chapa-branca logo após a divulgação dos áudios das conversas entre
Temer e Joesley: “o Brasil continua precisando seguir o seu rumo –
finalmente claro e eficiente – adotado pelo atual governo, depois de
anos de insensatez. O país quer seguir adiante e não abre mão de
persistir na recuperação já iniciada da economia e dos empregos.
Esclarecidas todas as dúvidas, a Band espera e acredita que possa o
presidente Temer dar sequência às medidas que, de fato, atendam os
interesses dos brasileiros”.
junho 2017 — Grampos mostraram Aécio Neves e Moreira Franco negociando com alto executivo da Record uma entrevista com Temer em troca de um patrocínio da Caixa. Tudo feito com a anuência do presidente.
julho 2017 — diferente do que ocorreu no dia da votação pelo impeachment de Dilma na Câmara, nenhuma emissora além da Globo transmitiu a votação em que foi arquivada a denúncia contra Temer.
Regada por jantares, telefonemas, MPs, editoriais, verbas
publicitárias e algumas rusgas, a relação de Temer com a grande mídia é
carnal e compromete a liberdade de imprensa. Aproveitando a atual
promiscuidade das instituições brasileiras, talvez seja o caso de
oficializar as grandes empresas de mídia como o quarto poder, que não
terá nada de moderador.
Me parece que essa nova rodada de reuniões com diretores das
emissoras noticiada pela Folha é apenas para fidelizar o relacionamento e
traçar novas estratégias para a aprovação de uma reforma que não será
fácil. É uma reunião apenas para “manter isso aí, viu?”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário