Vereadores criticam pressa para aprovar pacote de concessões. Autônomos que já atuam nas áreas temem perder fonte de renda
Débora Melo - Carta Capital
“O Parque Trianon é tombado, tem [vegetação] remanescente de Mata Atlântica do planalto da Avenida Paulista. Ninguém vai poder entrar ali e derrubar um pedaço da mata para fazer um restaurante. Isso não tem cabimento.”
Em poucas palavras, o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Gilberto Natalini (PV), resumiu o sentimento daqueles que olham com cautela para o projeto que prevê a concessão dos parques da cidade à iniciativa privada, de autoria da gestão João Doria (PSDB).
A declaração foi dada após audiência pública realizada no fim de julho na Câmara Municipal, mas a postura do secretário pela defesa da preservação ambiental, neste e em outros temas, não agradou, e Natalini acabou demitido por Doria na sexta-feira 18. Segundo informações veiculadas na imprensa, entre os motivos da queda de Natalini está o fato de que teria dificultado a liberação de obras que agridem o meio ambiente, contrariando o setor da construção civil. A previsão é que o secretário deixe o cargo na terça-feira 22, quando poderá reassumir seu mandato de vereador.
A proposta de Doria para os parques integra o PL 367/2017, já aprovado em primeira votação na Câmara Municipal. Chamado de “pacotão geral de privatizações”, o projeto abarca, ainda, a desestatização de equipamentos públicos como mercados e sacolões, terminais de ônibus e até mesmo a gestão do sistema de Bilhete Único.
O processo de concessão dos 107 parques da cidade é o que está mais adiantado no “pacotão”. Doria e seu secretário Wilson Poit, da recém-criada pasta de Desestatização e Parcerias, têm repetido que as empresas vencedoras “jamais” poderão cobrar ingresso dos usuários pela visitação dos parques. Também foi determinado que os concessionários deverão assumir todas as despesas do espaço, bem como investir em infraestrutura.
“Nós conhecemos os parques mais famosos, mas muitos não têm segurança, não têm iluminação, não têm água, não têm banheiros dignos”, argumentou Poit na mesma audiência pública, a primeira sobre o tema na Câmara. “O dinheiro que a prefeitura gasta com a manutenção dos parques tem que ser direcionado para o que a população mais precisa: saúde, educação, habitação e segurança”, continuou o secretário.
A gestão tucana argumenta que, com a concessão das áreas verdes ao setor privado, os cofres municipais serão desonerados em cerca de 180 milhões de reais por ano. Em 2015, somente o Parque Ibirapuera foi responsável por um gasto de 29 milhões de reais.
Como contrapartida, os futuros concessionários irão explorar o comércio de alimentos e bebidas, a rede wi-fi, o aluguel de bicicletas e os estacionamentos. As empresas também poderão se beneficiar da realização de eventos patrocinados e da venda de espaços publicitários. “Esse não é um negócio financeiro de grande impacto para o agente concessionário. Esse é um negócio de grande impacto para a população”, afirmou Poit.
Por meio de um Plano de Manifestação de Interesse (PMI), espécie de chamamento inicial, a prefeitura recebeu 26 propostas e autorizou 21 interessados a realizarem estudos para 14 parques, que deverão ser apresentados até o fim de agosto. Esses projetos é que vão determinar o modelo de concessão dos 107 parques. Para evitar que apenas as áreas bem localizadas despertem interesse, a ideia é lançar a concessão em pacotes: quem levar um parque importante terá que administrar três ou quatro parques menores também.
A prefeitura convidou o Instituto Semeia para participar do processo como conselheiro. Criado há seis anos, o Semeia é uma organização sem fins lucrativos mantida pela família Passos, dona da Natura, que defende a realização de parcerias para modernizar a gestão dos parques do País.
Para Fernando Pieroni, diretor-executivo do instituto, esse tipo de cooperação precisa ser um “jogo de ganha-ganha-ganha”. “A parceria só faz sentido se atender aos interesses da sociedade, do poder público e do setor privado. O retorno das empresas deve ser compatível à execução da atividade. Isso não significa que elas terão um lucro extraordinário, até porque estamos falando de um equipamento público.”
Mas é justamente a questão do lucro que preocupa. O vereador José Police Neto (PSD), por exemplo, tem criticado o projeto durante as audiências públicas na Câmara por entender que a preservação ambiental não é compatível com a obtenção de lucro. “O agente privado pode estar dentro dos parques desde que ele não tenha fins lucrativos. As metrópoles só existirão no futuro se tivermos áreas verdes protegidas”, afirmou o vereador.
A segunda votação do PL 367 na Câmara está prevista para setembro, e a gestão Doria já planeja lançar o edital de licitação até dezembro. O tucano tem maioria na Casa, mas tem enfrentado resistência dentro do próprio PSDB e da base aliada, além da oposição de PT e PSOL. Movimentos sociais e estudantis também têm criticado o projeto de privatizações e chegaram a ocupar o plenário da Câmara por dois dias, de 9 a 11 de agosto.
O vereador Mario Covas Neto, presidente do PSDB municipal, entrou com um mandado de segurança na Justiça pedindo a anulação da primeira votação do PL 367 com o argumento de que o trâmite foi “ilegal”. Segundo ele, o regimento interno da Câmara determina que, antes de ir a plenário, a proposta deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, da qual ele é o presidente.
A vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), ex-secretária de Direitos Humanos de Doria, também tem feito críticas à tramitação acelerada do PL 367 na Câmara. “O projeto foi trazido de forma prematura para a Casa”, afirma.
Bezerra tem combatido principalmente as propostas de privatização do prefeito, como aquelas que pretendem vender o Autódromo de Interlagos e o Complexo do Anhembi e devem ser enviadas em breve à Câmara. Para esses casos de alienação, a tucana propõe a realização de um plebiscito, o que tem irritado Doria. Além de defender a consulta popular, a vereadora afirma que falta o Executivo especificar o destino dos recursos da desoneração.
“É preciso fazer um levantamento para dizer onde existe demanda por centro de educação infantil, onde falta unidade de saúde. A gente quer saber para onde serão dirigidos os recursos. Porque, se não for para beneficiar a ponta, as pessoas mais vulneráveis da nossa cidade, que precisam de creche e saneamento básico, não faz sentido algum”, critica.
No caso dos parques, Bezerra entende que é preciso preservar a característica pública e o aspecto social do espaço. “O custo para o cidadão será realmente zero? O que for oferecido ali estará a um preço acessível? O parque hoje é popular, e tem que continuar sendo. Eu sou favorável [à concessão] desde que isso seja oferecido a um custo acessível.”
Preocupação semelhante têm os trabalhadores dos parques. Presidente da Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Ibirapuera, Antonia Cileide Oliveira de Souza, de 52 anos, teme a expulsão dos permissionários que há décadas trabalham no local. Segundo ela, as duas cooperativas que atuam no parque mais cobiçado da cidade têm quase 170 autônomos. Eles sobrevivem, diz, da venda de água de coco e bebidas e salgadinhos industrializados, sendo que “60% são mulheres chefes de família”.
“Sabemos que os empresários querem pessoas jovens e bonitas nos comércios. Mas estamos há anos no parque e é de lá que sai o nosso sustento. Já estive com o prefeito João Doria e ele disse para ficarmos tranquilos, que nosso trabalho está garantido. E eu acredito nisso, porque a palavra de um prefeito tem fé”, disse Souza, que não perde uma audiência pública sobre o tema.
Em resposta à cooperativa, o secretário Poit voltou a dizer que os permissionários continuarão nos parques, mas afirmou que eles terão de passar por um processo de “integração” com os concessionários. “É lógico que eles terão que progredir. Pensando em uma cidade para frente, vamos incentivar o empreendedorismo, para que tenham seus ‘quiosques’ mais bonitos.”
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