De navios estrangeiros, descem soldados espanhois para impedir o
referendo. A internet está sob censura. Mas a população resiste,
abraça-se nas ruas e cultiva cravos — para lembrar Portugal de 1974
Por Flávio Carvalho
Se tu puxas A Estaca forte por aqui e eu puxo A Estaca forte, por lá,
seguramente ela vai cair; cairá e nós poderemos nos libertar
L’Estaca, de Lluís Llach, músico perseguido pela ditadura franquista,
atualmente deputado independentista catalão
seguramente ela vai cair; cairá e nós poderemos nos libertar
L’Estaca, de Lluís Llach, músico perseguido pela ditadura franquista,
atualmente deputado independentista catalão
Pense num militante de extrema esquerda no Brasil. Sabes que ele não
se dá muito bem com a Polícia. Agora imagine aqui em Barcelona um
policial chorando enquanto os manifestantes cantam o hino nacional.
Nesse momento, um militante de extrema esquerda, catalão, abraça o
policial que chora, emocionado. Por outro lado, na cidade de Zaragoza,
centenas de neonazistas espanhóis atacam violentamente um carro da TV
pública catalã, enquanto as câmeras filmam a Guardia Civil, a
polícia política de Mariano Rajoy, Presidente da Espanha e do PP,
aplaudindo os violentos neonazistas e nada fazendo para defender os
jornalistas catalães que pagam o seu salário.
Pois a esse ponto chegamos, a poucos dias do Referendo perseguido, que fez com que dezenas de eurodeputados,
de dezoito países europeus diferentes, perguntassem aos dirigentes da
União Europeia o que estão esperando para fazer algo que impeça os
limites de violência que se estão ultrapassando na Espanha. Não
esqueçamos que é essa mesma União Europeia, dirigida por políticos
conservadores, de direita, que envergonhou o mundo na crise dos
refugiados (ainda em andamento). Desta vez pode ser diferente. Não se
trata de um problema dos países árabes, pois agora a crise é no interior
da Europa Ocidental.
Enquanto isso, a reação do governo espanhol é mais repressiva: em
navios de luxo, cruzeiros italianos pintados com desenhos animados
(empresas locais se negaram a isso), a polícia espanhola desembarcou em
Barcelona e está declarando sua guerra particular contra os cidadãos e
contra as instituições de uma boa parte do seu próprio país. Franco fez o
mesmo, décadas atrás. E desencadeou a guerra civil mais duradoura da
história do mundo ocidental. Fuzilou o presidente eleito da Catalunha,
no castelo militar de Montjuic, mesmo lugar onde se concentram a cada 12
de Outubro, os neonazistas, protegidos por um cordão policial. 12 de
outubro é o Dia da Raça, tal como proclamado na ditadura: o dia
que Colombo começou a impor, em nome dos Reis da Espanha, a “raça
espanhola” sobre os indígenas das Américas. Agora imaginem como será,
este ano, em toda a Espanha, o 12 de outubro, que se hoje chama o Dia da Hispanidade!
Quando meus amigos indecisos me perguntam se me tornei nacionalista,
sempre digo que a grande fábrica de independentistas é o Partido Popular
(PP, de direita, no poder), porque isso lhe dá votos em Madri. Logo,
insisto que nunca serei nacionalista. E os esclareço que votarei no
Referendo exatamente contra o pior nacionalismo que já vi na minha vida:
o violento nacionalismo espanhol, herdado diretamente do franquismo,
sem necessidade de intermediários. Sua última expressão foi enviar pra
tomar o comando da polícia catalã (nunca o assumem, por não terem
coragem de enfrentar a cada vez mais crítica opinião pública
internacional), o irmão do ex Presidente do Tribunal Constitucional,
ambos reprovados (sim, o PP perdeu estas votações no parlamento
espanhol) pela máxima instância política.
Referências a Hitler, aqui não faltam. Nem no resto da Europa. Os
resultados das eleições alemãs acabam de devolver ao seu parlamento um
partido de extrema direita. É a primeira vez, depois da morte de Hitler,
que o neonazismo entra no poderoso parlamento alemão. Os próximos
passos da diplomacia espanhola são tão significativos que falam por si
mesmos: Rajoy visitou Trump ontem. Esta semana fez novamente referência a
sua visita a Temer…
Jovens informáticos (que clonaram centenas de páginas na Internet
quando Rajoy fechava as webs públicas, criadas pelo governo catalão)
estão ameaçados pela justiça, assim como o Presidente da Catalunha e do
Parlamento catalão, diretores de jornais, líderes estudantis,
sindicalistas, políticos eleitos e diretores de escolas, ameaçados às
penas de prisão e multas milionárias. Sermões inteiros em missas catalãs
estão sendo reproduzidos na Internet pela veemência com que os padres
católicos estão defendendo os direitos humanos. Impressores pela democracia
é o nome (traduzido) de uma página da Internet criada pela recentemente
criada associação de empresários de indústrias gráficas. Estão
dispostos a imprimir, de graça, diariamente, milhões de cédulas
eleitorais para o Referendo, depois que a polícia espanhola apreendeu
mais de dez milhões de cédulas e urnas.
Numa referência à pacífica Revolução dos Cravos, que derrubou a
ditadura de Salazar, em Portugal, já não se encontram cravos para
comprar nos mercados floristas da Catalunha. Os anunciantes de previsão
do tempo na rádio hoje foram substituídos por floricultores que
ensinavam o povo sobre como plantar e cuidar destas plantas, os
pés-de-cravos, a tempo de serem colhidos nesta Primavera Catalã, em
pleno começo de outono europeu. Resistência pacífica é a ordem popular
nas ruas. Os vizinhos do pueblo onde eu moro imprimiram eles
mesmos cartazes em casa e saíram pra colar nos postes, com seus filhos,
domingo, em festa: “sem desobediência não haverá independência”, neles
estava escrito.
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