Eram poucos, quase todos oriundos das antigas colônias africanas.
Foram designados “apátridas” de “sangue estrangeiro”. Cerca de vinte
foram internados nos campos. Um sofreu eutanásia
Por Eve Rosenhaft, no The Independent | Traduzido por El Coyote
O fato de comemoramos oficialmente o Holocausto em 27 de janeiro — data da libertação de Auschwitz — resulta em lembrar os crimes nazistas focando principalmente o assassinato em massa dos judeus da Europa.
As outras vítimas do racismo nazista, incluindo os sinti e os roma
europeus, são citadas rotineiramente nas comemorações, mas nem todos os
sobreviventes tiveram as mesmas oportunidades de ter sua história
conhecida. Um grupo de vítimas que ainda precisa ter suas memórias
publicadas são os alemães negros.
Quando Hitler chegou ao poder em 1933,
havia alguns milhares de pessoas negras vivendo na Alemanha. Elas nunca
foram contadas e as estimativas variam muito. No coração de uma
comunidade negra emergente havia um grupo de homens das colônias alemãs na África (perdidas com o tratado de paz que pôs fim à Primeira Guerra Mundial) e suas esposas alemãs.
Eles estavam conectados por toda a Alemanha por laços de família e
por associação. Alguns eram ativos em organizações comunistas e anti
racistas. Entre os primeiros atos do regime nazista estava a supressão
da militância negra. Havia também de 600 a 800 crianças filhas de
soldados coloniais franceses – muitas, mas nem todas, africanas – quando
o exército francês ocupou o Vale do Reno como parte do acordo de paz de 1919.
As tropas francesas foram retiradas em 1930 e o Vale do Reno foi
desmilitarizado até que Hitler posicionou unidades alemãs lá, em 1936.
Negação de direitos e trabalho
Em 1935 as leis de Nuremberg retiraram a cidadania alemã dos judeus e os proibiram de se casar ou ter relações sexuais com “pessoas de sangue alemão”.
A regra seguinte afirmava que pessoas negras (ou “ciganas”) seriam
consideradas “de sangue estrangeiro” e sujeitas aos princípios de
Nuremberg. Muito poucos descendentes de africanos tinham cidadania
alemã, mesmo quando haviam nascido na Alemanha, mas isso se tornou
irreversível quando receberam passaportes que os designavam como “negros
apátridas”.
Em 1941, crianças negras foram oficialmente expulsas das escolas
públicas, mas a maioria delas sofreu abuso racial nas salas de aula
muito antes. Algumas foram forçadas a sair da escola e nenhuma tinha
permissão para ir à universidade ou receber treinamento profissional.
Entrevistas já publicadas e memórias tanto de homens quanto de crianças , testemunhos não publicados e pedidos de indenização do pós-guerra comprovam essas e outras experiências.
As ofertas de emprego, que já eram poucas antes de 1933, diminuíram
depois. Sem a possibilidade de encontrar trabalho regular, alguns foram
convocados para o trabalho forçado como “trabalhadores estrangeiros”
durante a Segunda Guerra Mundial. Filmes e shows de teatro que faziam
propaganda pelo retorno das colônias alemãs na África tornaram-se uma
nova forma de renda, especialmente após as pessoas negras serem banidas
dos outros tipos de performance pública em 1939.
Quando o comandante das SS , Heinrich Himmler,
fez um inquérito sobre todas as pessoas negras na Alemanha e na Europa
ocupada em 1942, ele provavelmente estava pensando em algum tipo de
algum tipo de ataque mas não houve concentração maciça.
As pesquisas nos registros dos campos de concentração e os
testemunhos dos sobreviventes até agora apontam cerca de 20 negros
alemães que cumpriram pena em campos de concentração e prisões – e pelo
menos um que foi vítima de eutanásia. Há o caso de uma pessoa negra que
foi enviada para um campo de concentração claramente por ser um Mischling(mulato) — Gert Schramm, internado em Buchenwald em 1944, aos 15 anos.
Os processos que terminavam com encarceramento geralmente começam com
uma acusação de comportamento pervertido ou antissocial. Como os negros
eram visados pela polícia, isso tornou-se uma razão para não
libertá-lo, uma vez que eram postos em custódia.
A esterilização: um ataque às famílias
Foi o medo nazista da “poluição racial” que levou ao trauma mais
comum sofrido pelos negros alemães: a desagregação das famílias. Casais
“mistos” foram perseguidas até se separarem. Enquanto outros solicitaram
licenças para casamento, quando era descoberto que uma mulher estava
grávida ou tinha um bebê, o parceiro negro tornava-se alvo para a
esterilização involuntária.
Em uma ação secreta em 1937, algumas das 400 crianças do Vale do Reno
foram esterilizadas à força. Outros alemães negros tiveram que se
esconder ou fugir do pais para escapar da esterilização, enquanto as
notícias de amigos ou parentes que não conseguiram fugir intensificaram
o medo que dominava a vida das pessoas.
A comunidade negra alemã era nova em 1933; na maioria das famílias a
primeira geração nascida na Alemanha estava chegando à maioridade. Nesse
aspecto ela era similar às comunidades na França e no Reino Unido, que
estavam formando famílias iniciadas por homens das colônias.
A perseguição nazista rompeu os laços dessas famílias e dessa
comunidade. Um legado desse processo foi o longo silêncio sobre o rosto
humano da história colonial da Alemanha: a possibilidade de que negros e
brancos alemães pudessem compartilhar um espaço social e cultural.
Esse silêncio ajuda a explicar as respostas mistas dos alemães para a
atual crise dos refugiados. As boas vindas oferecidas pela chanceler
alemã, Angela Merkel, e muitos alemães comuns deu voz ao humanitarismo,
que sempre esteve presente na sociedade alemã e que foi reforçado pelas
lições do Holocausto.
A reação contra os refugiados revela
o outro lado da moeda: alemães com medo da imigração não são os únicos
na Europa. Mas suas ansiedades nos mostram uma visão que continuou muito
poderosa na sociedade alemã desde 1945: a ideia de que o que quer que
mereçam, pessoas que não são brancas não podem ser alemãs.
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