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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A sanha anticorrupção no Brasil vai até Lula e termina nele, por Vladimir Safatle.

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Nesta semana, o Brasil assistiu a primeira condenação de um ex-presidente na história de sua República.
Será também a primeira vez que o principal candidato a eleição presidencial não poderá concorrer por ter sido impedido devido à ação do Poder Judiciário. O próximo passo deverá ser a primeira prisão de um ex-presidente no Brasil.
É claro que uma das questões políticas mais discutidas nos próximos dias será: o que isto realmente significa?
Afinal, o que estamos a ver: o sinal exemplar do fortalecimento de um Poder Judiciário autônomo capaz de combater a corrupção nas mais altas esferas do Estado ou o último capítulo de um golpe visando aniquilar as possibilidades de um dos grupos políticos hegemônicos na política brasileira das últimas décadas voltar ao poder?
Note-se que, para funcionar, a tese da condenação de Lula como expressão da nova força do Poder Judiciário precisaria de fatos complementares que não existem na realidade brasileira atual.
Não é difícil perceber que os casos de corrupção condenados giram todos em torno, basicamente, de Lula, de seus operadores e de seus apoiadores.
A ala do MDB na cadeia (Sérgio Cabral e cia) é uma ala majoritariamente lulista. Eduardo Cunha (que não era ligado a Lula) está lá por ter se tornado muito perigoso para o funcionamento normal das negociatas do grupo no governo. Os outros todos estavam no núcleo de poder comandado pelo PT.
Ou seja, a sanha anticorrupção vai até Lula e termina nele. No entanto, para ser uma expressão de nova realidade do Poder Judiciário ela deveria, desde o início, ter sido devastadora também para os outros atores e setores da vida política nacional, o que simplesmente não foi o caso.
Um país onde Lula é condenado e Temer é presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio.
Por outro lado, o uso político do Judiciário é uma especialidade nacional. Durante a ditadura, o número relativamente baixo de mortes foi compensado pelo numero impressionantemente alto de processos jurídicos contra opositores reais e potenciais.
No entanto, o exercício de reduzir os casos e envolvimentos explícitos do governo Lula e Dilma em processos de corrupção a peças de ficção é algo que explicita uma regressão política séria de setores da vida nacional.
Até porque, agora fica claro como funciona a relação entre norma e poder no caso brasileiro.
O funcionamento normal do governo brasileiro é através da quebra da norma, nada disto mudou com novos grupos políticos no poder.
Mas mesmo que a corrupção seja fato generalizado, a aplicação da lei será feita a partir das circunstâncias e interesses políticos do momento.
Ou seja, todos estão fora da lei e é importante que todos exerçam o poder fora da lei, pois quando a lei for aplicada, ela poderá pegar, de maneira seletiva, quem quiser.
A grande ilusão que impulsionou certos setores da vida nacional em torno de Lula foi acreditar estar seguro em uma “governabilidade” desta natureza, ao invés de realmente lutar para mudá-la e perceber que não haveria espaço real dentro dela.
O que o julgamento de Lula mostrou foi simplesmente o contrário. Seu destino é a expressão do colapso de todo horizonte de conciliação na política nacional, com seu preço a pagar em moedas de grandes empreiteiras.
Ao decidir pelo destino de Lula, o núcleo duro do poder nacional, este que continuará intocado mesmo quando pego em grampos fazendo prevaricação explícita nos palácios da República, sinaliza que não haverá mais conciliação alguma entre grupos políticos.
No entanto, por mais paradoxal que isso possa parecer, as lágrimas de Lula são para uma conciliação que ele gostaria de encarnar novamente e da qual percebe ter sido simplesmente descartado.
Se estivéssemos em uma situação mais favorável, estaríamos a tentar analisar o verdadeiro saldo político deste processo, compreendendo quão surreal é discutir questões como “proporcionalidade das penas” ou “consistência do rito jurídico” nessas circunstâncias.
Pois talvez a boa questão para recomeçar a pensar o país seja, ao final: “sabendo que, por esta via conciliatória, o saldo final seria uma condenação a 12 anos de prisão, o que você faria no governo?”

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