Nesta semana, o Brasil assistiu a primeira
condenação de um ex-presidente na história de sua República.
Será também a primeira vez que o principal
candidato a eleição presidencial não poderá concorrer por ter sido impedido
devido à ação do Poder Judiciário. O próximo passo deverá ser a primeira prisão
de um ex-presidente no Brasil.
É claro que uma das questões políticas mais
discutidas nos próximos dias será: o que isto realmente significa?
Afinal, o que estamos a ver: o sinal
exemplar do fortalecimento de um Poder Judiciário autônomo capaz de combater a
corrupção nas mais altas esferas do Estado ou o último capítulo de um golpe
visando aniquilar as possibilidades de um dos grupos políticos hegemônicos na
política brasileira das últimas décadas voltar ao poder?
Note-se que, para funcionar, a tese da
condenação de Lula como expressão da nova força do Poder Judiciário precisaria
de fatos complementares que não existem na realidade brasileira atual.
Não é difícil perceber que os casos de
corrupção condenados giram todos em torno, basicamente, de Lula, de seus
operadores e de seus apoiadores.
A ala do MDB na cadeia (Sérgio Cabral e
cia) é uma ala majoritariamente lulista. Eduardo Cunha (que não era ligado a
Lula) está lá por ter se tornado muito perigoso para o funcionamento normal das
negociatas do grupo no governo. Os outros todos estavam no núcleo de poder
comandado pelo PT.
Ou seja, a sanha anticorrupção vai até Lula
e termina nele. No entanto, para ser uma expressão de nova realidade do Poder
Judiciário ela deveria, desde o início, ter sido devastadora também para os
outros atores e setores da vida política nacional, o que simplesmente não foi o
caso.
Um país onde Lula é condenado e Temer é
presidente e Aécio Neves senador é algo da ordem do escárnio.
Por outro lado, o uso político do
Judiciário é uma especialidade nacional. Durante a ditadura, o número
relativamente baixo de mortes foi compensado pelo numero impressionantemente
alto de processos jurídicos contra opositores reais e potenciais.
No entanto, o exercício de reduzir os casos
e envolvimentos explícitos do governo Lula e Dilma em processos de corrupção a
peças de ficção é algo que explicita uma regressão política séria de setores da
vida nacional.
Até porque, agora fica claro como funciona
a relação entre norma e poder no caso brasileiro.
O funcionamento normal do governo
brasileiro é através da quebra da norma, nada disto mudou com novos grupos
políticos no poder.
Mas mesmo que a corrupção seja fato
generalizado, a aplicação da lei será feita a partir das circunstâncias e
interesses políticos do momento.
Ou seja, todos estão fora da lei e é
importante que todos exerçam o poder fora da lei, pois quando a lei for
aplicada, ela poderá pegar, de maneira seletiva, quem quiser.
A grande ilusão que impulsionou certos
setores da vida nacional em torno de Lula foi acreditar estar seguro em uma
“governabilidade” desta natureza, ao invés de realmente lutar para mudá-la e
perceber que não haveria espaço real dentro dela.
O que o julgamento de Lula mostrou foi
simplesmente o contrário. Seu destino é a expressão do colapso de todo horizonte
de conciliação na política nacional, com seu preço a pagar em moedas de grandes
empreiteiras.
Ao decidir pelo destino de Lula, o núcleo
duro do poder nacional, este que continuará intocado mesmo quando pego em
grampos fazendo prevaricação explícita nos palácios da República, sinaliza que
não haverá mais conciliação alguma entre grupos políticos.
No entanto, por mais paradoxal que isso
possa parecer, as lágrimas de Lula são para uma conciliação que ele gostaria de
encarnar novamente e da qual percebe ter sido simplesmente descartado.
Se estivéssemos em uma situação mais
favorável, estaríamos a tentar analisar o verdadeiro saldo político deste
processo, compreendendo quão surreal é discutir questões como
“proporcionalidade das penas” ou “consistência do rito jurídico” nessas
circunstâncias.
Pois talvez a boa questão para recomeçar a
pensar o país seja, ao final: “sabendo que, por esta via conciliatória, o saldo
final seria uma condenação a 12 anos de prisão, o que você faria no governo?”
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