Processo do petista segue script de uma trama conservadora descrita nos EUA em 2012, diz uma testemunha ocular, um político da República Dominicana
20/01/2018 13:53
No fim de 2012, Manolo Pichardo, político da República Dominicana, participou de uma sinistra reunião na suíte de um hotel em Atlanta, nos Estados Unidos.Alguns ex-presidentes latino-americanos de inclinação de centro ou direita discutiram como varrer adversários progressistas do mapa. Afinal, dizia um dos presentes, Luis Alberto Lacalle, ex-mandatário uruguaio, “não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral”.
A presença de Pichardo ali
era estranha, só tinha ido a Atlanta graças ao convite de um
ex-presidente amigo, Vinicio Cerezo, da Guatemala. Atual comandante da
Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina
(Copppal), Pichardo pertence ao Partido da Libertação Dominicana, de
esquerda.
O fundador do PLD, Juan Bosch,
era amigo do cubano Fidel Castro e chegou ao poder nos anos 1960 por
outra sigla que criou, o PRD. Sete meses depois, era deposto (advinha?)
por um golpe militar patrocinado pelos EUA e (surpresa!) apoiado depois
pelo Brasil.
Vencedor das últimas quatro
eleições, o PLD levou o pequeno país de 10 milhões de pessoas ao topo
do crescimento econômico nas Américas em 2017, segundo os insuspeitos
Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.
Será
que haveria um “Plano Atlanta”, batismo dado por Pichardo ao que
escutou naquela suíte de hotel em 2012, com o qual o PLD deveria se
preocupar? E que “plano” é esse, afinal?
Desmoralizar líderes progressistas via mídia com acusações de corrupção, inclusive a familiares, e ataques ao comportamento privado deles. Depois, converter os escândalos em processos judiciais que acabem com a carreira da turma.
Desmoralizar líderes progressistas via mídia com acusações de corrupção, inclusive a familiares, e ataques ao comportamento privado deles. Depois, converter os escândalos em processos judiciais que acabem com a carreira da turma.
A
estratégia parece bem sucedida, a julgar pelo destino de Fernando Lugo
no Paraguai em 2012 e de Dilma Rousseff por aqui em 2016, além das
encrencas de Cristina Kirchner na Argentina, de Rafael Correa no Equador
e, claro, de Lula.
A derrocada do
petista seria a “joia da coroa”, algo que está perto de acontecer dado o
iminente julgamento dele em segunda instância. Em entrevista por e-mail
a CartaCapital, Pichardo explica por que e fala mais sobre a trama
conservadora.
CartaCapital: O processo contra o ex-presidente Lula é parte do “Plano Atlanta”?
Manolo Pichardo:
Claro que sim. Toda a perseguição que desencadearam contra ele é parte
da artimanha que procura desqualificá-lo para que não retorne à
Presidência do Brasil e retome a aplicação de políticas públicas que
favorecem a maioria. Isso em razão de que as oligarquias brasileiras e
da região não concebem que as riquezas geradas sejam distribuídas com
maiores níveis de justiça. É que não se dão conta de que em um processo
de distribuição democrática da renda, o consumo aumenta e eles têm mais
possibilidades de fazer negócios. E não se dão conta porque estão
acostumados a acumular riqueza com base na exploração das grandes
maiorias.
CC: Por que Lula seria a “joia da coroa” do “Plano”?
MP:
O Brasil é a maior economia da América Latina e se tornou uma das
maiores do mundo. É o maior país da região em tamanho e população. Isso,
obviamente, deu-lhe o peso político que lhe permitiu influenciar o
resto dos países latino-americanos, algo que, sem dúvida, aumentou
durante a Presidência de Lula, uma vez que remover mais de 40 milhões de
pessoas da pobreza e incorporar 16 milhões ao mercado de trabalho
tornaram-no uma referência obrigatória. Isso faz dele, de acordo com os
interesses dos setores conservadores, um exemplo indesejável.
CC: Que outros líderes progressistas latino-americanos sofrem os efeitos do “plano”?
MP: A última vítima é Jorge Glas (vice-presidente do Equador recém condenado por corrupção e afastado do cargo),
produto de uma variante do “Plano” que parece ser aperfeiçoada e
estilizada na medida em que as pessoas perceberam o que estava
acontecendo e deram respostas para rejeitar o método inicial.
Dilma foi um exemplo bem sucedido da urdidura, o presidente Lugo também, não só por causa do golpe parlamentar que o tirou do poder, mas por causa da decisão do tribunal que o desqualificou de se inscrever para uma nova candidatura. Poderíamos dizer que, no caso do ex-vice-presidente (do Uruguai que renunciou em setembro) Raúl Sendic a mão do “plano” poderia ter estado ali, talvez com a intenção de desestabilizar o governo da Frente Ampla. Não tenho provas, mas tantos casos parecem corresponder a um padrão.
Dilma foi um exemplo bem sucedido da urdidura, o presidente Lugo também, não só por causa do golpe parlamentar que o tirou do poder, mas por causa da decisão do tribunal que o desqualificou de se inscrever para uma nova candidatura. Poderíamos dizer que, no caso do ex-vice-presidente (do Uruguai que renunciou em setembro) Raúl Sendic a mão do “plano” poderia ter estado ali, talvez com a intenção de desestabilizar o governo da Frente Ampla. Não tenho provas, mas tantos casos parecem corresponder a um padrão.
CC: Quais as forças políticas por trás do “plano”? Há econômicas também? Quais?
MP:
As forças políticas que operam na rede de conspiração são as que
tradicionalmente serviram de apoio a grupos conservadores ligados a
forças estrangeiras que têm expressão em governos e multinacionais. São
forças da nossa região que operaram como peões de interesses estranhos
aos nossos, aos latino-americanos. Me atrevo a dizer que, entre os
setores econômicos, existem indivíduos ou grupos sem uma consciência de
classe que lhes permitiria se tornar classe dirigente e desenhar o
futuros de seus países. Só que eles dependem de uma agenda com
diretrizes externas.
CC: Acredita na participação dos Estados Unidos na manobra? Por quê?
MP:
As oligarquias da América Latina não movem um dedo sem autorização ou
direção dos EUA. Este país, desde que emergiu como potência, desbancou
as forças europeias e transformou a região em seu quintal. Mas isso
estava mudando à medida que partidos progressistas começaram a assumir
governos e pararam a política de desapropriação que os conquistadores
europeus inauguraram depois de 1493.
Não era aceitável para os americanos tal nível de independência política e econômica. E não era pois seus negócios obscenos iriam responder aos interesses dos governos da região e seus povos. A revisão de contratos de empresas de petróleo e mineração é um claro exemplo da reviravolta dada pelos governos de partidos progressistas aos negócios na região, então eles (EUA) tiveram que conspirar para retornar à desapropriação.
Não era aceitável para os americanos tal nível de independência política e econômica. E não era pois seus negócios obscenos iriam responder aos interesses dos governos da região e seus povos. A revisão de contratos de empresas de petróleo e mineração é um claro exemplo da reviravolta dada pelos governos de partidos progressistas aos negócios na região, então eles (EUA) tiveram que conspirar para retornar à desapropriação.
CC: O senhor apontou algumas variantes do “plano” em seu recente livro A esquerda democrática na América Latina. Quais são?
MP:
Em algumas artes marciais, é ensinado a derrotar o inimigo com suas
próprias forças. Acho que uma das variantes do “plano” foi baseada nessa
técnica. Eles decidiram assumir o poder com a vitória eleitoral do
progressismo, recorrendo ao recrutamento de militantes dessas forças. O
recente processo eleitoral no Equador parece confirmar esta variante,
que já havia sido expressa na eleição do secretário-geral da OEA, levado
ao cargo pelos governos progressistas, pois tinha sido ministro (uruguaio) das Relações Exteriores de Pepe Mujica, e ao assumir declarou guerra às forças progressistas da região.
Temer,
o presidente de fato brasileiro, chegou à vice-presidência em um
binômio liderado por Dilma e pelo PT. Ele foi cooptado para liderar a
conspiração que tirou a mandatária do poder. A divisão pode ser outra
dessas variáveis. Penso que devemos prestar atenção ao caso da Argentina
e à sua última eleição, que o peronismo perdeu.
CC: Como assim?
MP:
Participaram dois candidatos do peronismo, Daniel Scioli, que venceu no
primeiro turno com 36%, e Sergio Massa, que teve 21%, votos suficientes
para o triunfo do peronismo. A divisão causou a derrota. Pergunto-me se
esta foi apenas o produto das lutas internas do peronismo ou se uma mão
estranha do “Plano Atlanta” teve a ver com isso. Não sei, mas sem
parecer paranóico, não excluo nada. Talvez devamos esperar por
documentos desclassificados da CIA em cerca de 50 anos para resolver
esta questão. Agora, o que eu acho é que devemos prestar atenção a uma
possível variante do “plano” com base na divisão de forças
progressistas.
CC: O que as vítimas do “plano” poderiam ter feito em sua defesa ou como reação? Por que o “plano” parece vitorioso?
MP:
Sinto que as forças progressistas estão desarticuladas, apesar dos
esforços da Copppal e do Foro de São Paulo para definir políticas comuns
que nos levem a enfrentar com sucesso os desafios e ameaças que vivemos
e nos ameaçam. Muitas coisas poderiam ter sido feitas para enfrentar o
“plano” a partir das particularidades de cada país.
CC: O que futuros governos progressistas devem fazer para não ser vítimas de novo desse tipo de ação?
MP:
Primeiro, estar atentos, nunca desprevenidos. Em segundo lugar, não
perder o contato com o povo, porque se você permanecer em contato no dia
a dia, na hora da ameaça e na chamada ao apoio popular, eles
responderão. Não há uma fórmula para enfrentar a urdidura, cada situação
determina a resposta.
CC: O senhor
tratou do “Plano Atlanta” em um artigo de jornal em março de 2016.
Depois disso, houve alguma consequência do seu relato?
MP:
Em princípio, nenhum até que os fatos chamassem a atenção para a
história. Então comecei a sentir interesse no que aconteceu naquele dia
em Atlanta. O lamentável é que, sabendo o que estava sendo tratado lá
desde o momento em que aconteceu, nada foi feito.
Penso que se poderia haver articulado uma estratégia de desmonte do Plano. Havia tempo. Agora, sofremos fortes golpes para a institucionalidade democrática na região. É uma pena. Mas eu confio que nossos povos não permanecerão calmos diante do desmantelamento de suas conquistas e da possível perda da nossa soberania.
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