Amo a cultura pop e passo a maior parte de minha vida profissional escrevendo sobre ela. Diferentemente de muitos, nunca vi gravadoras, estúdios e editoras como vilões, mas como pilares de uma indústria cultural que deu ao mundo grandes discos, filmes e livros. Não acho que arte e comercialismo sejam excludentes (basta lembrar que “O Poderoso Chefão”, um dos maiores filmes já feitos, foi uma superprodução de grande apelo comercial).
Entender a necessidade de lucro da indústria, no entanto, não significa elevar tudo que ela produz a status de grande arte.
Quando
leio críticos discorrendo sobre os “tons anticapitalistas” de “Star
Wars: Os Últimos Jedi” ou defendendo indicações de “Mulher Maravilha” ao
Oscar, é sinal de que muitos estão confundindo sucesso comercial com
qualidade artística.
Não vou entrar no mérito dessas opiniões. Se
alguém quer acreditar que a Disney, dona da Lucasfilm, fez um libelo
contra o capitalismo, ótimo. Só peço duas coisas: a primeira é me avisar
quando a Disney doar para cineastas independentes de Cuba o 1,2 bilhão
de dólares de bilheteria de “Os Últimos Jedi”. A segunda é admitir que,
se “Jedi” é contra o capitalismo, então “A Escolinha do Professor
Raimundo” é um manifesto pela diversidade na educação e “Curtindo a Vida
Adoidado” é apologia anarquista.
Essa
tentativa de legitimar artisticamente produtos ultracomerciais é o
último passo num processo de infantilização que já domina quase
totalmente a indústria cultural.
Cada vez mais, são produzidos
filmes, séries, discos e livros que apelam indiscriminadamente a um
público que varia de crianças de 12 anos a adultos de 40.
E está
dando certo: mais da metade dos livros adolescentes (“Harry Potter”,
“Jogos Vorazes”) são lidos por adultos; séries como “Stranger Things”
apelam tanto a jovens quanto a quarentões nostálgicos pelos anos 80, e
filmes como “Os Últimos Jedi” atraem aos cinemas crianças e adultos. E
não podemos esquecer dos livros de colorir para adultos – que,
felizmente, parecem estar em declínio.
Não estou criticando
adultos que consomem produtos adolescentes. Acho sensacional levar meus
filhos pequenos ao cinema e vê-los lendo “Harry Potter”. O problema é
quando “Harry Potter” vira referência literária de toda a família e
“Guerra nas Estrelas” ganha ares de sofisticação intelectual.
O
processo de infantilização da cultura parece ser irreversível. Muitas
pessoas que hoje estão no comando de estúdios, gravadoras e editoras têm
entre 40 e 50 anos e cresceram num mundo em que a referência de grande
cinema era “Guerra nas Estrelas”. E “Guerra nas Estrelas”, sinto
informar, não é “Cidadão Kane” ou “Rashomon”.
Caso seu negócio
seja música pop, faço outra comparação: os discos do Kiss são
divertidíssimos e fizeram parte da vida de muita gente (inclusive da
minha), mas as letras de Paul Stanley não podem – e nem devem – ser
comparadas às de Bob Dylan, Joni Mitchell ou Leonard Cohen. São
universos distintos, apesar de, teoricamente, habitarem a mesma seara do
pop comercial.
A qualidade de filmes, discos e livros cai ano
após ano, e as razões são muitas: a padronização de temas e estruturas
narrativas; o aniquilamento da crítica e sua substituição por Youtubers
jabazeiros; a formatação de conteúdo por meio de algoritmos e pesquisas
de mercado; o declínio do mercado independente de música e livros; a
cultura do “blockbuster”; a monopolização do mercado de shows; a falácia
da teoria da “cauda longa” (que levou muita gente a acreditar na
democracia digital como pilar do ecletismo cultural) e, por fim – e mais
triste – a constatação de que o público, mais que nunca, só quer mais
do mesmo.
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