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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A democracia liberal, em declive. Novas leis de mordaça e a pretendida proteção de identidades e crenças corroem o sistema, por Soledad Gallego.



Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos.


Um estudo do Pew Research Center, especializado em observar os estados de ânimo da opinião pública norte-americana, chegou recentemente a uma conclusão muito chamativa: os jovens norte-americanos (18 a 34 anos) são muito mais favoráveis (40%) do que seus pais e avós (27% e 12%, respectivamente) a que os governos possam impedir que as pessoas digam coisas ofensivas contra as minorias. Alguém pode pensar que, aparentemente, é uma boa notícia que os jovens se sintam mais próximos das minorias, sejam raciais, sexuais ou de qualquer tipo, mas o importante dessa pesquisa não está nisso, mas sim na notável aceitação que existe à ideia de que o governo deve tomar medidas para limitar a liberdade de expressão. E isso é importante porque é um dos índices mais aceitos para avaliar a saúde das democracias: os ataques à liberdade de expressão, junto com os nacionalismos e tribalismos de todo tipo, o aumento descontrolado das desigualdades e o aparecimento de movimentos que contrariam as normas democráticas são as quatro grandes pestes que debilitam, e provocam o declive, da democracia liberal.
Dessa forma, se alguém lê com cuidado revistas e sites de análises políticas em meio mundo começa a observar que quase já não se fala do afundamento da social-democracia ou do desaparecimento do socialismo, inclusive das consequências da crise econômica, o tema que nos sufocava até bem pouco tempo, mas sim de como se corrói, pouco a pouco, a democracia liberal, muito especialmente através das novas leis de mordaça e da pretendida proteção de identidades e crenças. Significativamente, um encontro organizado este mês pelo cientista político norte-americano Francis Fukuyama e David Runciman, diretor do Departamento de Política da Universidade de Cambridge, se chamou: Democracia: inclusive as melhores ideias podem desaparecer.
As duas vias mais rápidas para aprofundar essa deterioração são o aumento da desigualdade, que faz com que milhões de pessoas sintam que a democracia foi capturada pelas elites econômicas e financeiras capazes de vetar tudo que prejudica seus próprios interesses (Francis Fukuyama), e a perigosa ideia de que os governos devem impedir que circulem ideias ou opiniões, segundo sejam boas ou ruins. Como disse Oliver Holmes, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1919: “A verdade ou falsidade das ideias ou das opiniões se mede no mercado das ideias, não nos tribunais, por meio da demonstração de sua veracidade ou falsidade”.
É curioso que em uma época em que se estende vorazmente a chamada pós-verdade, e políticos e personagens públicos de todo tipo e lugar são capazes de negar, sem o menor piscar e com premeditação, fatos, dados e evidências incontestáveis, se pretenda, ao mesmo tempo, impedir que se difundam ideias e opiniões, com a advertência de que não serão consentidas as que resultem de mau gosto e vexatórias ou que provoquem “dano moral” a pessoas públicas ou de relevância pública. Curioso porque se supunha que a democracia liberal se baseava justamente no contrário: não se pode falsificar intencionalmente a realidade, mas se pode difundir ideias por mais ofensivas que possam parecer.
A questão não é menor. Na Espanha, por exemplo, e graças à lei da mordaça ainda em vigor, se pretende castigar hoje com penas severas de prisão um grupo de anarquistas veganos, baseando-se fundamentalmente em suas opiniões e mensagens distribuídas por redes sociais, algo que seguramente teria escandalizado o próprio juiz Holmes no princípio do século XX. Claro que naquela época quase ninguém nos Estado Unidos teria pensado em um título: A democracia liberal, em declive.

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