Se beber,
não dirija — é o que todo mundo recomenda. Quem bebe deve usar táxi, se
tiver grana. Se não tiver, que use o transporte público. Mas como fazer
isso se, por exemplo, muitas estações de metrô em São Paulo não têm
banheiro público?
Um dia
desses, bebi cerveja e fui pra casa, de metrô. Quando cheguei na estação
a que me destinava, era uma dessas sem banheiro público. Com a bexiga
cheia, onde urinar? Não dava para esperar chegar em casa. Andei por uma
rua escura e cometi o ato de mijar num muro. Ao fazer isso — reparem — a
gente “empurra” a bunda pra frente, e lembrei-me de uma expressão usada
para quem tem bunda murcha: bunda de mijar no muro. É o contrário de
bunda de tanajura.
Aí fiquei me
lembrando de outras expressões para identificar pessoas, a partir de
detalhes do corpo. Boca de chupar ovo, por exemplo, é quem tem boca
pequena. Olho de peixe morto é quem tem os olhos lânguidos, algo a ver
com o que os japoneses chamam de sampaku (em que a pupila fica mais para
o alto, aparecendo embaixo dela o branco dos olhos). No Nordeste, dizem
que gente assim tem olho de cabra morta. Já saindo das características
físicas da pessoa, olho gordo é o do cobiçoso, e olho de seca pimenteira
é o do invejoso, de mau-olhado, que provoca doenças em crianças
bonitas, faz murchar flores etc.
Cambito de
sabiá é quem tem pernas finas. Orelhas de abano (no Nordeste, orelha de
abanar fogo) é quem tem orelhas côncavas, salientes. Quem tem pernas
curtas, é bunda baixa.
Queixo de
graviola é quem tem o queixo torto. Por falar em queixo, um dia um amigo
estava impressionado com uma moça que falava sem parar e eu disse a
ele: “Repare como ela tem o queixo fino”. Ele perguntou o que tinha isso
a ver com o tanto que ela falava e eu respondi: “Pessoas que falam
muito e rápido geralmente têm o queixo aerodinâmico. Ao abrir e fechar a
boca, mexendo o maxilar inferior, esse tipo de queixo enfrenta menos
atrito com o ar. Quem tem o queixo fino, aerodinâmico, tende a falar
mais”, brinquei. Repeti essa teoria besta algumas vezes por aí e teve
quem acreditasse.
Existem
também expressões citando partes do corpo, adjetivando pessoas com
certas características, que podem ter ou não a ver com aspectos físicos
dessas partes. Por exemplo: língua de trapo, para quem fala demais e faz
fofoca; bunda mole para covardes; mãos de fada para quem cozinha muito
bem; olhos de lince para quem enxerga longe; braço de ferro para
fortões; perna de pau pra jogador de futebol ruim; cabeça oca ou cabeça
de bagre para quem não sabe pensar, cabeça de vento é o “cuca fresca”,
pessoa que não leva as coisas a sério, são um tanto irresponsáveis,
pode-se dizer…
Bom,
relacionei algumas coisas dessas, tanto com o sentido de identificar uma
pessoa pelas características físicas como essa tendência (politicamente
incorreta?) de adjetivar partes do corpo.
Vamos ver
algumas expressões relacionadas ao nariz, para começar. Nariz tem dois
“buracos” embaixo, né? Mas algumas pessoas têm nariz com esses “buracos”
bem visíveis para quem está em frente a elas. Não são embaixo dele.
Quem tem o nariz assim é identificado como nariz de chover dentro. E
quem anda de nariz empinado é nariz de cheirar peido. Narigudo é venta
de tucano. Já o nariz achatado, no Nordeste, é chamado de venta de
bezerro novo.
Aliás, o
sertanejo nordestino é pródigo nessas qualificações. Chama de galo de
raça o sujeito avermelhado, alto, de pescoço comprido, geralmente loiro.
Por falar em pescoçudo, dizem no Sertão do Nordeste que o sujeito tem
pescoço de garrafão. Testa grande é testa de carneiro mocho. Unha de
peba é quem não corta as unhas.
Ainda
falando de características do rosto, o caipira (isso vale pra muitas
partes do Brasil) chama de cara de mamão macho quem tem o rosto comprido
e fino, descarnado. Quem tem no rosto marcas de varíola, no sertão do
Nordeste, é cara de areia mijada. Já quem tem marcas de muitas espinhas é
cara de batata estragada.
Sujeito muito feio pode ser cara de milagre, cara de ex-voto ou cara de promessa.
Olho de cachimbo apagado é quem um olho vazado e olho de pitomba é quem tem olhos grandes ou salientes.
Boca de
moela é o desdentado, o banguela. Boca mole, dizem por aí, é quem não
sabe guardar segredo, conta tudo. Boca aberta é o sujeito lerdo, meio
burro, que demora a entender as coisas. Aqui vale uma observação: boboca
não é uma palavra derivada de bobo, vem do tupi boboc, que significa boca aberta. É uma gíria indígena.
Voltando ao
sertão do Nordeste, dente de preá é quem tem dentes miúdos e
encavalados. Ruivo é bigode de arame. Mas se for ruivo barbudo, pode ser
chamado também de barba de sovaco de ovelha. Se a barba do sujeito for
alourada, ele é barba de arroz doce. Já o sem barba, mas de cabelos
avermelhados, é cabelo de espiga de milho.
Quem tem os
cabelos espetados é cabelo de espetar caju. E a cabeça grande? Na minha
terra pode ser, entre outras coisas, cocão. No Nordeste é cabeça de
comarca ou cabeça de nós todos. Quem tem cabeça chata é cabeça de bater
sola.
Maracujá de gaveta é manjado, é quem tem a pele do rosto muito enrugada.
Mudando para
outras áreas do corpo, comecemos por quem tem pernas tortas. Garrincha é
um exemplo, o jogador ganhou esse apelido porque tinha as pernas que os
outros moleques achavam que pareciam pernas desse passarinho, também
chamado de cambaxirra ou corruíra. Mas quem tem as pernas arcadas o
sertanejo chama de perna de arco de barrica. Quem tem os pés virados
para dentro é pé de papagaio.
Menino de barriga grande (com vermes?) é barriga de bezerro enjeitado ou barriga de soro azedo.
E o sujeito pálido, de aspecto cadavérico? Esse, a olha que maldade, chamam de desertor de cemitério.
Para
terminar, pensei em que parte do corpo que pode ser usada para
identificar certos políticos. A maioria deles, talvez. É a mão, concluí.
Para
começar, temos aí um governo de segunda-mão, que ganhou o poder de mão
beijada, com a simpatia e o apoio de adeptos da mão armada. Nele, vemos
políticos conhecidos pela mão-de-gato, habituados a ter a mão aberta com
o dinheiro público, no qual metem a mão e fingem que só os outros é que
fazem isso. Eles são uma mão na roda para o poder econômico.
Antes de
eleições, aparecem de mãos postas, com juras, prometendo dar uma mão aos
necessitados. Com um caixa 2 feito com grana de quem molhou as suas
mãos, também molham a mão de eleitores safados, e depois de eleitos os
mãos-leves lavam as mãos para os problemas do povo. Deixam a gente na
mão. E o que vem aí? Mãos largas para uns (adivinhe quem), e
mão-de-ferro para educação, saúde, essas bobagens, e para aposentados,
esses inúteis…
Bom… Tem
dois tipos de aposentados, né? Os nossos e os deles. Mãos largas para os
deles, que se aposentaram bem novos (com tempo de aproveitar a vida,
não é?) e ganhando obviamente umas vinte vezes mais do que os nossos,
que para merecer uma merreca devem trabalhar até ficar caquéticos.
Como dizia Augusto dos Anjos, a mão que afaga é a mesma que apedreja.
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