Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo
Lula, Franklin Martins fala sobre a experiência de ter vivido dois
golpes, critica a agenda regressiva do governo Temer e alerta para o
momento perigoso que o Brasil está vivendo; "Nós já estamos vivendo uma
depressão. A economia caiu cerca de 5% nos últimos dois anos. E não há
nenhuma perspectiva de melhora. Para o ano que vem, as estimativas falam
de -1%. O clima que está se alastrando no país é muito negativo. Nós
estamos caminhando para uma convulsão social no país. Estamos vivendo
uma situação dramática por absoluta irresponsabilidade das forças
conservadoras no Brasil"
Marco Weissheimer, Sul 21
- Em 1964, Franklin Martins tinha 15 anos de idade quando o golpe
civil-militar contra o governo de João Goulart virou sua vida ao avesso.
Militante do movimento estudantil e repórter iniciante na agência de
notícias Interpress, foi se envolvendo cada vez mais na luta de
resistência contra a ditadura que teve um de seus ápices em 1969 quando
integrou o grupo, formado por militantes da Ação Libertadora Nacional e
do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que sequestrou o embaixador
americano Charles B. Elbrick para forçar o governo militar a libertar 15
presos políticos. A partir dessa ação teve que sair do país. Viveu em
Cuba, no Chile, chegou a retornar ao Brasil mas, em 1974, teve que sair
mais uma vez, indo para a França. Só voltou em 1977, quando a ditadura
começava a dar sinais de exaustão.
Após tornar-se um dos principais jornalistas políticos do país e ser
ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula,
Franklin Martins não imaginava que, 52 anos depois, viveria de novo a
experiência de um golpe. "Tenho que fazer um mea culpa. Eu não esperava
por isso. Achava que a ditadura tinha ensinado a esquerda e a direita.
Nos últimos meses fui obrigado a repensar muitas coisas. A elite
brasileira despreza a democracia. É um grupo de predadores. A nossa
elite, na verdade, não é uma elite", diz o jornalista que esteve em
Porto Alegre na última quinta-feira para participar de um debate sobre
Comunicação, Resistência e Democracia, promovido pela Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e outras entidades sindicais.
Em entrevista ao Sul21, Franklin Martins fala sobre a experiência de
ter vivido dois golpes, aponta as diferenças entre os dois processos
históricos, critica a agenda regressiva do governo Temer que vem
desmontando de modo acelerado as conquistas sociais dos últimos doze
anos e alerta para o momento perigoso que o Brasil está vivendo. "Nós já
estamos vivendo uma depressão. A economia caiu cerca de 5% nos últimos
dois anos. E não há nenhuma perspectiva de melhora. Para o ano que vem,
as estimativas falam de -1%. O clima que está se alastrando no país é
muito negativo. Nós estamos caminhando para uma convulsão social no
país. Estamos vivendo uma situação dramática por absoluta
irresponsabilidade das forças conservadoras no Brasil".
Sul21: No debate realizado pela CUT na Assembleia
Legislativa, você mencionou o fato de já ter experimentado dois golpes
de Estado, o de 1964, quando tinha 15 anos, e agora o golpe parlamentar
contra a presidenta Dilma Rousseff? Quais são as semelhanças e
diferenças entre esses dois momentos históricos?
Franklin Martins: Nós temos uma tendência de
analisar os fenômenos políticos a partir da bagagem que a gente traz na
vida. Assim, há uma tendência normal de associar o golpe atual com o
golpe de 1964. De certo modo, isso está resumido naquela expressão do
Chico (Buarque de Hollanda): "Golpe de novo, não!". Na verdade, são duas
coisas diferentes. Os dois são golpes de Estado, são atentados à
democracia que, por mecanismos diferentes, depõem presidentes
constitucionais. Os dois investem contra direitos dos trabalhadores e
tem projetos de uma inserção subserviente e submissa no capitalismo
internacional. Mas as diferenças são grandes.
O golpe de 64 foi dado contra um movimento crescente que tinha uma
enorme expectativa de mudança. É o período das lutas pelas reformas de
base, dos anos dourados, do nacionalismo, industrialização, urbanização,
da luta pela reforma agrária, da vitória da Revolução Cubana, da
ascensão da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Vivia-se um
ambiente de grande expectativa de mudanças no mundo e também aqui no
Brasil, com uma mobilização que ainda não tinha sido vista na história
do país. O golpe foi dado contra essa expectativa de mudança. O golpe de
2016, por sua vez, não foi dado contra uma expectativa de mudança, mas
sim contra a experiência da mudança. Nos últimos doze anos, o povo
brasileiro experimentou um processo extraordinariamente amplo e profundo
de mudanças que tirou 40 milhões da pobreza, que mostrou que era
possível governar o país para a maioria das pessoas.
Neste período de doze anos, houve uma explosão de acesso à educação, à
saúde, à luz elétrica, de redução das desigualdades regionais, de
crescimento do Nordeste a taxas superiores a das demais regiões do país,
fatos que acabaram constituindo um leque extraordinário de mudanças.
Tivemos ainda a política das cotas raciais que propiciou um aumento da
presença de negros, índios e pobres na universidade, entre outros
programas que trouxeram grandes transformações. Então, o golpe não foi
dado contra expectativas de mudanças. As pessoas experimentaram a
mudança e isso, de certa forma, desnaturalizou o discurso das forças
conservadoras no Brasil cuja essência é naturalizar a opressão. A
essência desse discurso é mais ou menos a seguinte: eu até gostaria de
governar para todo o país, mas não dá; então eu faço o que eu posso.
Quanto aos outros dois terços da população, eu lamento, mas não tenho o
que fazer.
O que a experiência dos últimos doze anos mostrou é que o povo não só
cabe no Brasil, como não é um peso, um estorvo, algo que precisa ser
carregado. Pelo contrário, o povo é um patrimônio e se tiver
oportunidade tem uma energia produtiva e criativa extraordinária.
Propiciar essa oportunidade é uma condição sine qua non para o Brasil
crescer, deixar de ser injusto internamente e se tornar um país
importante no mundo. Eu acho que as pessoas tiveram essa experiência.
Isso significa que o golpe não foi contra o que poderia ser, mas sim
contra o que foi e nós perdemos.
Acredito que a principal fonte de energia política em uma sociedade é
a experiência das pessoas. Milhões de pessoas tiveram a experiência de
que é possível mudar em um ambiente democrático, sem confrontações
sociais. Hoje em dia vejo muitas pessoas dizendo que a experiência
mostra que é preciso ter uma revolução, destruir as instituições e
reprimir o outro lado para poder conquistar alguma coisa. Acho que é o
contrário. A experiência mostrou que com competência, habilidade,
firmeza e um norte político claro é possível ter essas conquistas sem
rupturas violentas ou esmagamento de setores da sociedade.
A segunda grande diferença entre 2016 e 1964 é que o golpe de 64 foi
estrategicamente concebido e acumulado. Ele começa, na verdade, com a
tentativa de deposição de Getúlio, em 1954, volta a carga com a
tentativa de impedir a posse de JK em 1955, o que se repete com João
Goulart em 1961 e, finalmente, se consuma em 1964. Durante dez anos, o
Estado Maior das Forças Armadas fez movimentos para tomar o comando da
cena política. Eles tinham um projeto que consistia em manter uma
inserção submissa do país no cenário internacional, interromper qualquer
reforma de base e organizar a economia de forma a criar grandes grupos
econômicos que consolidassem a sua ação ao preço de um arrocho brutal.
Eles tinham um projeto, um núcleo de comando e estavam dispostos a
aniquilar qualquer reação. Quem não entendeu isso, como Magalhães Pinto,
Carlos Lacerda, Ademar e o próprio Juscelino, que acharam que um ano
depois teria eleições, foram percebendo depois que não era nada daquilo.
Sul21: E quais são, na sua avaliação, os traços característicos de golpe de 2016 que se diferenciam deste padrão de 1964?
Franklin Martins: O que aconteceu agora foi um golpe
de oportunidade. As forças conservadoras conseguiram atrair forças do
centro da sociedade e perceberam que estava diante de uma oportunidade
única para interromper o processo de mudanças iniciado há doze anos.
Inclua-se neste grupo de forças setores do Judiciário, do Ministério
Público, da Policia Federal e da Receita Federal, todas carreiras que
ganham muito bem, a mídia, grandes grupos empresariais, especialmente o
setor financeiro, e um grupo de partidos comandado pelo PSDB e PMDB.
Esse conjunto de forças percebeu que estava diante de um governo
enfraquecido e que isso abria uma janela de oportunidade. O golpe foi
dado contra os grandes acertos destes últimos doze anos que demoliram a
naturalização da opressão, da exclusão social, da desigualdade regional e
da submissão internacional.
Todas as políticas implementadas neste período sofreram uma forte
resistência. Bolsa Família, aumento real do salário mínimo, Luz para
Todos, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Fies, Prouni, cotas,
pré-sal, tudo o que se fez foi objeto de uma reação brutal do outro
lado. E eles foram derrotados politicamente em todas essas áreas. Na
época da construção do modelo de exploração do pré-sal, que privilegiou a
indústria nacional e os investimentos em saúde e educação, os
conservadores sequer conseguiram apresentar um projeto diferente no
Congresso. Agora, após o golpe, uma de suas primeiras medidas foi
apresentar um projeto para mudar o regime de exploração do petróleo. Lá
atrás eles foram politicamente derrotados neste debate e, agora, querem
fazer tudo rápido justamente para não existir debate. O mesmo se aplica à
valorização do salário mínimo, ao Bolsa Família, de onde já estão
tirando gente, e a outras políticas.
Além de não ter um projeto, eles também não têm uma liderança clara.
Temer é líder de alguma coisa? Temer não é líder de nada. É um sujeito
que teve dificuldade para se eleger deputado em São Paulo nas duas
últimas eleições que disputou. É um político de ocasião, dos corredores
do palácio, das mesóclises. É um político medíocre, um sujeito
secundário que viu-se diante de uma oportunidade que, em condições
normais, jamais ocorreria.
Sul21: Quais foram os elementos que acabaram propiciando o surgimento dessa oportunidade?
Franklin Martins: Pelos erros que nós cometemos, nós
não fizemos a disputa política com a intensidade que deveria ter sido
feita e aceitamos, de certo modo, a agenda que o outro lado tentava
impor ao país, desde 2010, através da mídia, que é a agenda dos maus
feitos. Esses maus feitos têm que ser sempre combatidos, mas o centro da
agenda não podia ser esse. Tinha que ser inclusão social, redução das
desigualdades e aprofundamento das mudanças. Nós não fizemos essa
disputa e, em política, quando você abdica disso, prevalece aquilo que
está naturalizado pelas elites e pelo poder dominante.
Eles achavam que iam ganhar as eleições de 2014. Perderam porque a
disputa não foi em torno da agenda dos maus feitos, mas sim em torno da
alternativa "retrocesso ou aprofundamento das mudanças". Na campanha
eleitoral, a presidente Dilma assumiu a agenda e o enfrentamento
corretos que tinham ficado meio enevoados durante os anos anteriores,
quando faltou uma disputa política mais qualificada. Sem disputa
política, a esquerda não consegue formar maioria na sociedade.
Sul21: Você fez referência ao papel da mídia neste processo.
Uma coisa que parece se repetir em 2016, em 1964 e em anos anteriores, é
o comportamento antidemocrático da mídia brasileira. Em todas as
tentativas e execuções de golpes, de Getúlio até hoje, ela sempre
costuma estar do mesmo lado. Quais são, na sua opinião, as origens dessa
postura?
Franklin Martins: Essa não é uma característica só
da imprensa brasileira. Com exceções aqui e ali, a imprensa
latino-americana segue esse mesmo padrão. De um modo geral, as forças
progressistas nunca conseguiram construir um contraponto a esse poder
midiático hegemônico. No período do Getúlio, conseguiu construir a
Última Hora, mas era algo isolado. Tinha alguma coisa de rádio, a
televisão ainda tinha esse peso que tem hoje. Em 64, não houve um quadro
de unidade como ocorreu agora, embora os órgãos de imprensa maciçamente
tenham apoiado o golpe. O jornal Última Hora, a rádio Roquete Pinto e a
TV Excelsior foram exceções e todas elas foram decepadas depois do
golpe. Creio que essa tradição está ligada a uma coisa mais profunda que
é o fato de nós nunca termos tido no Brasil uma elite apoiada em
valores progressistas. Tivemos alguns fenômenos isolados como a campanha
pelo abolicionismo e, mais tarde, de uma forma ditatorial, a construção
de um Estado nacional com Getúlio. Mas nós nunca tivemos, por um largo
período, como ocorre em muitos outros países, a existência de uma elite
conservadora e de uma elite progressista com valores democráticos. A
elite brasileira é predadora. Ela despreza a democracia e não tem um
projeto para o país. Ou seja, a nossa elite não é uma elite.
Outra coisa que pesa no comportamento da mídia brasileira é que o
nosso modelo de radiodifusão desde o início está assentado no setor
privado, diferente do que ocorreu na Europa, por exemplo, onde ele nasce
baseado na comunicação pública e permanece assim até os anos 80. Essa
é, aliás, uma das razões pelas quais lá foram criados mecanismos de
regulação, para evitar que a comunicação pública fosse apropriada por
governos de ocasião como uma comunicação privada. Aqui no Brasil, a
comunicação privada se insurgiu desde o primeiro momento contra qualquer
limite, como se o espaço eletromagnético que ela ocupa fosse uma
propriedade dela e não da sociedade.
O Brasil é o único grande país do mundo que não tem qualquer tipo de
regulação das comunicações eletrônicas. Os Estados Unidos não tem uma
regulação do padrão europeu, mas têm uma regulação pela via econômica
que impede, por exemplo, a propriedade cruzada de meios de comunicação.
Se essa regulação fosse aplicada no Brasil, aqui no Rio Grande do Sul
quem tivesse emissora de televisão não poderia, ao mesmo tempo, ter
rádio e ter jornal. Quem tivesse jornal, não poderia ter rádio ou
televisão e assim por diante. Por que isso? Para que a sociedade tenha
um mecanismo de defesa contra a monopolização da produção de informação.
No Brasil nós temos uma mídia, não só muito concentrada como, nos
últimos dez anos, oligopolizada no sentido de que até a opinião é
acertada entre eles. Basta ver a cobertura política que temos hoje. É
exatamente a mesma. Nós tivemos grandes manifestações em Brasília contra
a PEC 55 que foram fortemente reprimidas. Isso simplesmente não sai na
televisão.
Sul21: No debate realizado na Assembleia, você falou da falta
de unidade que caracteriza o governo golpista e seus aliados em
diferentes instituições. Na última quinta-feira, o ministro Gilmar
Medes, do Supremo Tribunal Federal, confrontou diretamente o juiz Sérgio
Moro no Senado, uma cena impensável até bem pouco tempo. Qual é,
afinal, a solidez dessa articulação que propiciou o golpe?
Franklin Martins: O golpe, como eu disse
anteriormente, foi um negócio de ocasião articulado por diferentes
atores e setores que não têm uma unidade e carecem de qualquer
legitimidade. O que temos visto nos últimos dias é o governo Temer
virando um mingau. Esse governo não tem qualquer possibilidade de
comandar o país . É uma aberração. Gilmar Mendes e Sérgio Moro estão
juntos na Lava Jato, mas o Moro acha que é preciso acabar com o Estado
de Direito. Já o Gilmar Mendes não quer que o Estado de Direito acabe
para a turma dele. Enquanto for só para o PT, Gilmar Mendes topa, mas
ele sabe que isso pode pegar o PMDB, o PSDB, o PP, o DEM e assim por
diante. Isso mostra que eles não têm unidade para ir muito a frente.
Acho que o plano A deles é manter o Temer, pois é sempre ruim fazer uma
substituição destas, mas o Temer pode não se agüentar também. Mas quem
vier depois dele também não vai agüentar, pois a política de regressão
que eles estão impondo ao país é um desastre completo que está
liquidando a economia brasileira.
Sul21: Você falou que a ameaça nem é mais de uma nova recessão, mas sim de uma depressão...
Franklin Martins: Nós já estamos vivendo uma
depressão. A economia caiu cerca de 5% nos últimos dois anos. E não há
nenhuma perspectiva de melhora. Para o ano que vem, as estimativas falam
de -1%. O clima que está se alastrando no país é muito negativo. Eles
não vão obter legitimidade da política. Não vejo eles construindo
legitimidade pela expansão econômica, reativação da economia. Tampouco
vejo eles fazendo isso por meio de um desarmamento social. Pelo
contrário. Nós estamos caminhando para uma convulsão social no país. E
quem paga o preço quando ocorre uma convulsão social é o povo, que perde
direitos, perde possibilidades, oportunidades e que é sempre reprimido.
Então, nós estamos vivendo uma situação dramática por absoluta
irresponsabilidade das forças conservadoras no Brasil que, diante de uma
construção histórica de expectativas de mudanças, viu uma oportunidade,
potencializada pelos nossos erros, derrubou o governo eleito e agora
não tem condições de estabilizar esse processo, pois não tem
legitimidade política, econômica nem social.
Sul21: Na sua opinião, a experiência do que foi conquistado
nos últimos anos é o maior capital que a esquerda e as forças
progressistas têm para tentar enfrentar a agenda golpista. Até aqui pelo
menos, essa experiência não foi suficiente para deter essa agenda. Em
que medida essa experiência pode ser um antídoto para essa ameaça de
convulsão social que enxerga no horizonte ou para a emergência de coisas
mais regressivas ainda como as propostas defendidas pelo deputado
Bolsonaro?
Franklin Martins: Em primeiro lugar, creio que é
preciso entender que a reação ao golpe não teve a energia suficiente
para detê-lo por causa dos nossos erros. O primeiro erro, que já referi,
foi o debate político absolutamente insuficiente. As forças políticas
do nosso lado ficaram paradas vendo o outro falar e fazer o que bem
quis. Em segundo lugar, ao não ter enfrentado a questão do oligopólio da
mídia, deixou só o lado de lá com instrumentos para falar com o amplo
conjunto da população, tirando algumas situações excepcionais como a
campanha eleitoral de 2014. Quando houve uma janela de igualdade de
espaço no período eleitoral, foi possível reverter, mas é evidente que
isso é absolutamente insuficiente para dirigir o país.
Precisamos considerar ainda o nosso sistema político que foi se
montando de modo que, quem ganha a eleição majoritária, não consegue ter
maioria no parlamento, sendo obrigado a negociar no varejo. O
presidencialismo de coalizão é, na verdade, um nome pomposo e acadêmico
para negociação permanente de varejo. Isso já está acontecendo também no
governo Temer. Mas cometemos alguns outros erros importantes. Penso
que, ao ser reeleita, a presidenta Dilma não percebe a gravidade da
situação que estava se configurando e adotou medidas que foram vistas
pela população como a adoção de parte do programa que ela tinha
criticado ou, pelo menos, como o reconhecimento que a crise tinha uma
gravidade que ela não tinha admitido na campanha. Acho que ela não
conseguiu dialogar de modo adequado sobre esse tema com a população.
Isso gerou uma perplexidade justamente em quem tinha dado a vitória para
ela. Houve um sentimento de estelionato eleitoral, que é fortíssimo e
quando aparece é devastador. Acho que isso paralisou o lado de cá e fez
com que o lado de lá olhasse e percebesse a abertura de uma
oportunidade.
Por outro lado, penso que a experiência das pessoas já está
reintroduzindo a questão de fundo que é deter o retrocesso. As pessoas
começam a perceber o que está acontecendo: fim das políticas sociais,
precarização das relações de trabalho, perspectiva de aumento do tempo
para aposentadoria, entre outras coisas. Ao verem isso, percebem que o
retrocesso não é algo que só aparece no discurso. As pessoas também
estão percebendo que a crise econômica não é uma herança maldita do
governo da Dilma, mas sim que está sendo produzida por essa política
regressiva do governo Temer. A própria questão da corrupção, que foi
levantado como algo que era praticado apenas por forças ligadas ao PT,
começa a ser percebida como um problema generalizado de um sistema
promíscuo.
Quanto à possibilidade de um Bolsonaro da vida ser visto como uma
solução, eu não vejo muitas chances disso acontecer. Olho para a frente e
pergunto: que nomes eles têm para 2018, se é que eles virão para a
disputa? Aécio? Não vai a lugar nenhum. Serra? Também não vai a lugar
nenhum. O próprio Alckmin, ao meu ver, não sai muito de São Paulo. O
Moro não segura três meses de campanha. É de uma mediocridade total. Na
verdade, eles não têm um nome e, isso se deve ao fato de que eles não
têm um projeto para o país. Neste processo do golpe, eles destruíram a
política e inclusive os nomes deles. Quem são as grandes referências que
ainda estão aí? Há o Lula que, ao meu ver, crescerá cada vez mais. Além
dele, há a Marina, em decadência, que pode crescer no discurso da não
política. Tem o Ciro que pode crescer e o Bolsonaro, que pode crescer,
mas não ao ponto de ganhar uma eleição. Mas eles irão para uma eleição
sabendo que perderão? Acho que, de moto próprio, não irão. Nós teremos
força para impor a realização de eleições?
Estamos vivendo uma situação muito complexa porque não há uma
hegemonia clara na sociedade. A que existia, no projeto anterior, foi
seriamente atingida. Eles construíram algo com valores que não são
permanentes e são insuficientes para sustentar um projeto de longo
prazo. O resultado é que eles não tem respostas para os problemas da
sociedade. Creio que, no médio prazo, as pessoas vão querer defender
aquilo que tiveram, se o nosso lado tiver liderança e projetos que sejam
capazes de fazer esse debate na sociedade. Acho que o Lula vem
desempenhando um papel muito positivo nos últimos meses, mas temos um
longo e difícil caminho pela frente
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