Para eles, um ciclo
esgotou-se; está na hora de outro projeto estratégico. Mas é preciso
paciência histórica: algo como um Podemos brasileiro não pode surgir a
frio
Entrevista a Antonio Martins e Inês Castilho | Edição de vídeo: Gabriela Leite
Cada um vê os outros a partir de sua própria métrica. Os jornais,
acostumados à velha política, especulam que Guilherme Boulos não sai dos
gabinetes. Articularia uma aliança entre dissidentes do PT e uma ala do
PSOL, disse uma nota.
Seria candidato à Presidência, garantiu outra. Principal referência do
MTST – um movimento social que avança tanto pela rara capacidade de
mobilização dos excluídos quanto pela busca ativa de alternativas à
crise do país – caberia a Boulos, segundo esta lógica, ocupar o espaço
que lhe cabe no mercado das opções eleitorais.
O Guilherme Boulos da vida real é um sujeito mais complexo. Em meados de novembro, ele visitou a redação de Outras Palavras para
uma nova entrevista – a segunda, em doze meses. Do diálogo, que encerra
nossa produção editorial em 2016, emergem algumas conclusões centrais.
1. O coordenador do MTST está convencido de que um ciclo na
história da esquerda brasileira precisa ser fechado. Ele estendeu-se por
quatro décadas e teve como guarda-chuvas o PT. Atravaessou fases
heroicas – por exemplo, as lutas operárias que desafiaram a ditadura, a
partir do final dos anos 1970. Seus feitos no governo não são
desprezíveis: a presença inédita de um número relevante de negros e
pobres nas universidades é um deles. Mas o ciclo foi marcado pela crença
de que avanços sociais duradouros poderiam ser alcançados sem a rua e
sem conflito – por progressivo convencimento do Parlamento, da casta
política, dos empresários. O golpe de 2016 e a brutalidade do governo
Temer acabaram com a ilusão.
2. A retomada implicará invenção política. Nada ocupa nem pode
ocupar, ainda, o papel que o PT desempenhou no ciclo que se fecha.
Guilherme admira, por exemplo, a bravura de muitos parlamentares do
PSOL; a desobediência transformadora dos secundaristas; o ressurgimento
do feminismo; a radicalidade das ocupações de terra urbana promovidas
pelo próprio MTST. Mas ele reconhece também que estes movimentos e
organizações são incapazes de impulsionar um novo projeto de país, um
novo período de enfrentamentos contra o poder conservador ou uma nova
cultura política.
3. Quais as pistas? Boulos acompanha atentamente o Podemos espanhol.
Sua experiência, avalia, é sinal de que há uma saída pela esquerda para o
desencanto com a política, que se propaga por todo o mundo. Isso
porque, segundo o coordenador do MTST, o Podemos articula o que podem
ser duas vertentes para uma futura esquerda. Abre-se às novas práticas;
aos que, para agir politicamente, dispensam comandos e diretivas. Mas
sabe fazê-lo sem abrir mão de um projeto e estratégia política.
4. Teria chegado, então, a hora de um Podemos brasileiro? Ainda não,
responde Boulos. Repetir a experiência espanhola a frio, por
voluntarismo de um conjunto de ativistas e intelectuais, seria uma
precipitação, talvez uma transposição mecânica. “É preciso ter paciência
histórica” e o passo necessário agora é estimular a mobilização social.
“Antes do Podemos, houve o grande movimento dos Indignados”, diz
Boulos. Por esta etapa – frisa ele – o Brasil não passou. As maiorias
assistiram como espectadoras ao golpe de Estado que reinstalou no poder o
setor mais retrógrado das elites. Diante do ataque selvagem aos
direitos sociais desencadeado em seguida, a resistência ainda é tímida.
5. Estimulá-la é o mais importante, no momento. Requer enfrentar a
institucionalização generalizada, a captura dos militantes pelo Estado
que marcou o final do período anterior. Implica retomar o “trabalho de
base” – visto por Boulos como um “estar junto” da população, um
“construir coletivamente” e não ato unilateral de convencer e “levar a
verdade”.
6. Significa, então, que será preciso esperar anos? Não, pensa
Boulos – especialmente porque vivemos num cenário muito instável, em
que são frágeis as próprias bases da restauração conservadora. “O
governo está espalhando barris de pólvora”, ao atacar frontalmente os
direitos sociais ao mesmo tempo em que os serviços públicos estão
entrando em colapso e a política econômica espalha desemprego e miséria,
para benefício apenas da aristocracia financeira.
7. “2017 bem pode marcar uma retomada”, especula Boulos, com uma
pitada de otimismo gramsciano. Ele conclui: “Precisamos estar bem
atentos para que não seja apenas resistência. O segundo desafio é pensar
a recomposição da esquerda brasileira; é, pensar um novo campo, uma
nova referência de do ponto de vista político-estratégico. Nós do MST
estamos empenhados nesta perspectiva”.
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