Para Wolfgang Streeck, um dos grandes sociólogos contemporâneos,
sistema tornou-se frágil ao eliminar adversários que o obrigavam a se
reformar. Mas não há, ainda, projeto alternativo — por isso, virão tempos tensos…
Entrevista para Giuliano Battiston | Tradução: Inês Castilho
O diagnóstico de Wolfgang Streeck, diretor do Instituto Max-Planck de
Colônia, é implacável: “A crise atual não é um fenômeno acidental, mas o
auge de uma longa série de desordens políticas e econômicas que indicam
a dissolução daquela formação social que designamos capitalismo
democrático”.
“O capitalismo está morrendo de overdose de si mesmo.” Esta é a tese
do sociólogo Wolfgang Streeck, diretor do Instituto Max-Planck de
Colônia, um dos centros de pesquisa mais importantes da Europa. Em seu
último livro, Como Acabará o Capitalismo? Ensaios sobre um Sistema Fracassado, Streeck
conduz um diagnóstico impiedoso sobre a patologia do capitalismo
democrático, aquela formação social particular que, no pós-guerra, havia
alinhado democracia e capitalismo em torno de um pacto social que lhe
conferia legitimidade. Por volta dos anos 1970, com o fim do crescimento
econômico, e depois, com o avanço da revolução neoliberal, aquele pacto
social começa a acabar. O capital avança, a democracia recua. Ele
atropela as limitações políticas e institucionais que haviam contido o
“espírito animal” do capitalismo. Que vence — mas vence demais… Hoje, a
revolução cumprida, o capitalismo está em ruínas porque teve muito
sucesso, diz Wolfgang Streeck.
Para compreender a crise financeira deflagrada em 2008, você
escolheu enfatizar “a continuidade histórica” do capitalismo, rastreando
uma longa trajetória de “crise” que começou nos anos 1970. Por que essa
escolha?
Porque a crise atual não é um fenômeno acidental, mas o auge de uma
longa série de desordens políticas e econômicas que indicam a dissolução
da formação social que definimos como capitalismo democrático. A
trajetória da crise corresponde ao processo em que o capitalismo foi
liberado das amarras, frágeis, que lhe haviam sido impostas depois da
Segunda Guerra Mundial. Indica a transformação da economia capitalista
do keynesianismo do pós-guerra numa fórmula política oposta, nos moldes
neo-hayekianos, que aponta para o crescimento por meio da redistribuição
de baixo para cima, não mais de cima para baixo. É uma transição que
produz uma democracia domesticada pelos mercados, alterando o contrato
social do pós-guerra, que entendia os mercados domesticados pela
democracia. Considerada produtiva no keynesianismo, a democracia
igualitária torna-se um obstáculo à eficiência.
Segundo a sua análise, com o “colapso do keynesianismo
privatizado em 2008”, a crise do capitalismo democrático teria entrado
em sua “quarta e última fase”. Quais os passos que nos conduziram até
aqui?
O capitalismo democrático do pós-guerra havia encontrado um
equilíbrio, instável, entre os interesses do capital e dos cidadãos.
Desde os anos 1970, com a queda do crescimento, os conflitos
distributivos entre capital e trabalho são confrontados com expedientes
políticos diversos, para criar a ilusão de crescimento inclusivo. Usados
para ganhar tempo, a inflação, a dívida pública e a dívida privada
tornam-se, porém, problemas por si sós, marcando três crises. A
primeira, nos anos 70, é a da inflação global, à qual se segue o
problema da explosão do débito público nos anos 80 e o crescimento do
endividamento privado na década seguinte, culminando na última fase com o
colapso do mercado financeiro em 2008. Há quatro décadas, o
desequilíbrio é a normalidade. A crise é da economia, mas também do
capitalismo como ordem social. Nos países ricos são três os sintomas
principais, de longo prazo: o declínio do crescimento econômico, o
aumento da dívida e a crescente desigualdade. Aos quais se juntam cinco
perturbações sistêmicas: estagnação, redistribuição oligárquica, saque
dos bens públicos, corrupção e anarquia mundial.
Para você, estas crises e transformações não são funcionais
para um novo equilíbrio sistêmico, mas indicam um processo de
“decadência gradual mas inexorável”: o fim do capitalismo. Se é verdade
que desde o século XIX “as teorias sobre o capitalismo são também
teorias sobre seu fim”, por que deveria ser diferente desta vez?
O fato de que o capitalismo conseguiu sobreviver às teorias sobre o
seu fim não significa que será capaz de fazê-lo para sempre. Sua
sobrevivência depende sempre de um constante trabalho de reparação. Mas
hoje as tradicionais forças de estabilização não podem mais neutralizar a
doença da fragilidade acumulada. O capitalismo está morrendo porque
tornou-se mais capitalista do que é útil que seja. Porque teve muito
sucesso, desmantelando os mesmos inimigos que no passado o salvaram, ao
limitá-lo e forçá-lo a assumir novas formas. Estamos diante de uma
dinâmica endógena de autodestruição, de uma morte de overdose por si
mesmo. Haverá um longo interregno, um período prolongado de entropia
social e desordem. Seu fim deve ser entendido como um processo, não como
um evento.
Immanuel Wallerstein acredita que o interregno será marcado
por um confronto global entre apoiadores e opositores da ordem
capitalista, “a força de Davos e a força de Porto Alegre”. Você, ao
contrário, exclui conflitos sociais de natureza global. Por que?
Diferentemente de Wallerstein, não vejo uma oposição global e
unificada ao capitalismo, que o desafie a instituir uma ordem nova e
melhor. Em nível nacional, haverá e há movimentos de oposição e protesto
contra um sistema e uma classe capitalista global, mas desunidos e
muitas vezes desorientados. Há uma diferença fundamental entre conflito e
transformação estratégica. O objetivo estratégico final, comum, ainda
precisa ser desenvolvido. Não há nenhuma nova ordem nos bastidores. Em
vez disso, espera-se uma era de desordem, de grande confusão e
incerteza, plena de riscos.
Você, por um lado, sustenta que é necessário “desglobalizar o
capitalismo” para “levá-lo de volta ao âmbito do governo democrático”;
por outro, que devemos “começar a pensar em alternativas ao capitalismo”
ao invés de melhorá-lo. São fins compatíveis? Um capitalismo
desglobalizado é realista?
O capitalismo global não pode ser governado pela democracia nacional.
Ao contrário, ele a enfraquece. Considerando que a democracia global é
inconcebível, segue-se que o capitalismo global é incompatível com a
democracia.
Se queremos que o capitalismo seja governado, devemos torná-lo menos
global. O que há de perigoso nisso? É muito mais perigoso deixar
indefesos indivíduos, famílias, economias regionais e nacionais diante
dos caprichos dos mercados internacionais, pelo risco de que busquem
proteção nos Trump e Le Pen de plantão. Isso me parece evidente.
Para alguns, a União Europeia pode ainda ser uma barreira
contra a afirmação definitiva da globalização neoliberal. Você, ao
contrário, entende que a integração europeia seja um “sistemático
esvaziamento das democracias nacionais de conteúdo político e econômico.
Por que?
Basta olhar o Tratado de Maastricht.
Nos anos 80 ainda havia a esperança de que a “Europa” pudesse
interromper a marcha para o neoliberalismo iniciada com Margaret
Thatcher. Mas a “Europa social” e social-democrata foi colocada de lado.
E hoje não há nenhuma estrada que leve de volta à democracia social.
Sob a forte moeda comum, o que resta para os governos nacionais no
âmbito “europeu” é impor “reformas estruturais” neoliberais em seus
próprios países. O Banco Central europeu, com o apoio do governo alemão,
faz tudo o que pode para manter no poder os governos pró-europeus
(pró-euro, pró-reformas neoliberais), esperando reconstruir a própria
sociedade de acordo com as prescrições neoliberais de competitividade e
flexibilidade. É um experimento social e tecnocrático realizado com os
povos europeus.
Na esquerda europeia é difusa a ideia de que, para prevenir o
crescimento dos partidos e movimentos populistas, deve-se reivindicar o
internacionalismo, atualizando-o. Você, ao contrário, é muito cético
quanto à democracia e à sociedade civil em escala continental. Por que?
Porque não existem as condições para realizá-la. Não existe uma
opinião pública europeia. A população está organizada em povos com
línguas diversas, diferentes memórias históricas, diversas instituições
político-econômicas na intersecção entre o capitalismo e a sociedade. Se
uma “democracia pan-europeia” fosse uma democracia jacobina
majoritária, funcionaria como o euro: para benefício de alguns países e
às custas de outros. Seria percebida como um complemento à tecnocracia
continental da união monetária. Não há futura ordem europeia sem os
Estados-Nações. Qualquer tentativa de impor uma solução única aos
problemas de governança democrática desintegraria a Europa, ao invés de
uni-la. Como fez o euro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário