“Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina...”. Mestranda, historiadora e professora responde de maneira precisa questionamento oriundo do nosso racismo institucional enraizado
Luana Tolentino (reprodução)
Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina.
Altiva e segura, respondi:
– Não. Faço mestrado. Sou professora.
– Não. Faço mestrado. Sou professora.
Da boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho
que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse
qualquer coisa.
Não me senti ofendida com a pergunta. Durante uma
passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais.
Foi com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a
comprar comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade.
O que me deixa indignada e entristecida é perceber o
quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A
senhora só perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele
escura.
No imaginário social está arraigada a ideia de que
nós negros devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que
exigem pouca escolaridade. Quando se trata das mulheres negras,
espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da faxineira,
dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel.
É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse
no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para
serviços gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se
eu era a faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção
racista que induziu uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha
da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do Estado de
Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na
verdade, eu era uma das homenageadas.
Não importa os caminhos que a vida me leve, os
espaços que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os prêmios que
eu receba. Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o nome
em algum momento ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande
Mestre Milton Santos:
“Quando se é negro, é evidente que não se pode
ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o pobre, (…) não será
humilhado, porque a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém
escapa, não importa que fique rico.”
É o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além. Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre haverá alguém para nos chamar de “macaca/o“.
Desde a tenra idade os brancos sabem que nenhum outro xingamento fere
de maneira tão profunda a nossa alma e a nossa dignidade.
O racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente as manifestações racistas serão extirpadas por completo. Em função disso, Ângela Davis nos encoraja a concentrar todos os nossos esforços no combate ao racismo institucional.
É o racismo institucional que cria mecanismos para a construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam.
É ele que empurra a população negra para a pobreza e para a miséria. No Brasil, “a pobreza tem cor. A pobreza é negra.”
É o racismo institucional que impede que os crimes de racismo sejam punidos.
É ele também que impõe à população negra os maiores índices de analfabetismo e evasão escolar.
É o racismo institucional que “autoriza” a polícia a executar jovens negros com tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas.
É o racismo institucional que faz com que as mulheres negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna.
É o racismo institucional que alija os negros dos espaços de poder.
O racismo institucional é o nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar.
A recente aprovação da política de cotas na UNICAMP e na USP evidencia que estamos no caminho certo.
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