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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Guerra e devastação nuclear, a ameaça voltou, por George Yancy.

on 14/07/2017Categorias: Crise Financeira, Desigualdades, Destaques, Geopolítica, Meio Ambiente, Mundo
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Noam Chomsky explica como as provocações militares dos EUA, e a rápida ampliação de seu arsenal atômico, multiplicam o risco de um conflito que dizimaria o planeta
Entrevista a George Yancy | Tradução: Inês Castilho
Nos últimos meses, à medida em a perspectiva de um governo Trump perturbador tornou-se uma perturbadora realidade, decidi procurar Noam Chomsky, o filósofo cuja escrita, fala e ativismo têm, por mais de 50 anos, oferecido insights e desafios sem paralelo aos sistemas políticos norte-americano e global. Nossa conversa, como aparece aqui, aconteceu por meio da troca de uma série de mensagens eletrônicas, nos últimos dois meses. Embora o professor Chomsky estivesse extremamente ocupado, em razão de nossa relação intelectual no passado ele gentilmente arrumou tempo para essa entrevista.
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Chomsky é autor de muitos best-sellers políticos, traduzidos em inúmeras línguas. Entre eles, os mais recentes são “Hegemonia ou Sobrevivência” (Hegemony or Survival), “Estados Fracassados” (Failed States), “Esperanças e Perspectivas” (Hopes and Prospects), “Senhores da Humanidade” (Masters of Mankind) e “Quem Governa o Mundo?” (Who Rules the World?). O autor é professor emérito do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) desde 1976.
Dado nosso momento político de “pós-verdade” e o crescente autoritarismo que estamos testemunhando sob o presidente Trump, que papel os filósofos podem desempenhar, publicamente, ao abordar criticamente essa situação?
Temos de ser um pouco cuidadosos e não querer matar um mosquito com uma bomba atômica. O que está acontecendo é tão absolutamente absurdo, quanto ao momento de “pós-verdade”, que a resposta mais adequada pode ser o ridículo. Por exemplo, quando o legislativo republicano da Carolina do Norte, em resposta a um estudo científico que previa um aumento ameaçador no nível do mar, impediu agências federais e locais de enfrentar o problema, Stephen Colbert respondeu: “É uma solução brilhante. Quando a ciência dá a vocês uma resposta de que não gostam, aprovam uma lei dizendo que o resultado é ilegal. Problema resolvido.”
Bem genericamente, é como o governo Trump lida com uma ameaça verdadeiramente existencial à sobrevivência da vida humana organizada: interditar regulamentações e mesmo pesquisa e discussão sobre as ameaças ambientais e correr em direção ao precipício tão rapidamente quanto possível (no interesse do lucro e do poder de curto prazo).
Nesse aspecto, acho o trumpismo meio suicida.
Claro, ridículo é pouco para qualificá-lo. É necessário dirigir-se às preocupações e valores daqueles que são capturados pela fraude ou que não reconhecem, por outras razões, a natureza e o significado dessa questão. Se chamamos de filosofia às análises ponderadas e conscientes, então ela pode abordar o momento, não pelo confronto de “fatos alternativos” mas pela análise e esclarecimento do que está em jogo, seja o assunto que for. Além disso, o que é necessário é ação: urgente e empenhada, nas várias maneiras que possíveis para nós.
Quanto eu estudava filosofia na Universidade de Pitssburgh, onde fui treinado na tradição analítica, não tinha claro o que a filosofia significava, além da definição de conceitos. No entanto, sustentei a posição marxista de que a filosofia pode mudar o mundo. Alguma ideia sobre a capacidade da filosofia mudar o mundo?
Não sei exatamente o que Marx tinha em mente quando escreveu que “os filósofos até agora apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão é transformá-lo”. Ele quis dizer que a filosofia poderia transformar o mundo ou que os filósofos deveriam assumir como maior prioridade mudar o mundo? Na primeira hipótese, presume-se que ele quis referir-se à filosofia no sentido amplo do termo, que inclui a análise da ordem social e das ideias sobre a razão pela qual ela deveria ser mudada, e como. Nesse sentido amplo, a filosofia pode desempenhar um papel essencial na mudança do mundo. E os filósofos, inclusive da tradição analítica, empreenderam aquele esforço em seu trabalho filosófico, assim como em suas vidas de ativistas – é o caso de Bertrand Russell, para mencionar um exemplo destacado.
Sim, Russell era um filósofo e um intelectual público. Nesses termos, como você descreve a si mesmo?
Na verdade não penso nisso, francamente. Eu me engajo nos tipos de trabalho e atividade que me parecem importantes e desafiadores. Alguns deles cabem nessas categorias, como são vistas em geral.
Há épocas em que a atrocidade do sofrimento humano parece insuportável. Como alguém, como você, que fala sobre tal sofrimento no mundo, suporta testemunhá-lo e ainda ter força para seguir adiante?
Testemunhar é suficiente para obter motivação e seguir adiante. E nada é mais inspirador do que ver como pessoas pobres e sofredoras, vivendo sob condições incomparavelmente piores do que as nossas, continuam anônima e despretensiosamente comprometidas com a luta corajosa por justiça e dignidade.
Se você tivesse de listar duas ou três formas de ação política que são necessárias sob o regime Trump, quais seriam? Pergunto porque nosso momento parece incrivelmente repressivo e sem esperança.
Não acho que as coisas estão tão sombrias. Veja o sucesso da campanha de Bernie Sanders, o fato mais extraordinário da eleição de 2016. Não é uma grande surpresa, afinal, que um showman bilionário com amplo apoio da mídia (inclusive da mídia liberal, fascinada por suas farsas e as receitas publicitárias que proporcionava) vencesse a disputa do ultrarreacionário Partido Republicano.
Contudo, a campanha Sanders rompeu dramaticamente com mais de um século de história política nos EUA. Amplas pesquisas de ciência política, em especial o trabalho de Thomas Ferguson, demonstraram de forma convincente que as eleições são praticamente compradas. Por exemplo, só os gastos de campanha são um indicador excepcionalmente bom de sucesso eleitoral, e o apoio do poder corporativo e das fortunas privadas é um pré-requisito virtual até mesmo para participar da arena política.
A campanha de Sanders mostrou que um candidato com programas suavemente progressistas (basicamente o New Deal) poderia vencer a indicação, e talvez a eleição, mesmo sem o apoio dos grandes financiadores ou qualquer simpatia da mídia. Há uma boa razão para supor que Sanders teria vencido a indicação pelo Partido Democrata se não fossem as trapaças dos burocratas ligados a  Obama e aos Clinton. Ele é agora, por ampla margem, a figura política mais popular do país.
O ativismo gerado pela campanha está começando a fazer incursões na política eleitoral. Sob Barack Obama, o Partido Democrata praticamente sucumbiu nos planos local e estadual, de fundamental importância, mas ele pode ser reconstruído e tornar-se uma força progressista. Isso significaria reviver o legado do New Deal e avançar bem além, ao invés de abandonar a classe trabalhadora e tornar-se Novos Democratas Clintonianos, que mais ou menos se parecem com o que costumava ser chamado de republicanos moderados, uma categoria que em grande parte desapareceu com a mudança de ambos os partidos para a direita, durante o período neoliberal.
Essas previsões podem não estar fora de nosso alcance, e os esforços para atingi-las podem ser combinados com ativismo direto, urgentemente necessário para combater as ações legislativas e executivas do governo republicano, com frequência escondidas por trás da fanfarronice da figura que é o responsável nominal.
Há vários caminhos para combater o projeto Trump de criar um país pequeno, isolado do mundo, acovardado de medo atrás de muros enquanto persegue políticas domésticas representam os interesses da ala mais selvagem do establishment republicano.
Quais as questões mais graves a ser enfrentadas?
As questões mais importantes para abordar são verdadeiras ameaças à existência que temos diante de nós: as mudanças climáticas e a guerra nuclear. No primeiro tema, a liderança republicana, numa esplêndia alienação do mundo, está quase que unanimemente dedicada a destruir as possibilidades de uma sobrevivência decente. São palavras fortes, mas não exageradas. Há um grande acordo que pode ser feito em nível local e regional para combater seu projeto maligno.
Sobre a guerra nuclear, as ações na Síria e na fronteira da Rússia provocaram ameaças muito sérias de confronto, que podem detonar a guerra – com resultados inimagináveis. Além disso a continuidade, pelo governo Trump, dos programas de modernização das forças nucleares lançados por Obama suscita riscos extraordinários. A modernização da força nuclear dos EUA está de fato desgastando o fino fio sobre o qual a sobrevivência está suspensa. A matéria está discutida em detalhes num artigo extremamente importante do Boletim dos Cientistas Atômicos de março que deveria ter sido notícia de primeira página por longo tempo. Os autores, analistas extremamente respeitados, observam que o programa de modernização das armas nucleares aumentou “o poder mortífero total das forças de mísseis balísticos existentes nos EUA por um fator de aproximadamente três – e isso cria exatamente o que se poderia esperar se um Estado dotado de armas nucleares estivesse planejando ter capacidade para lutar e vencer uma guerra nuclear desarmando os inimigos com um primeiro ataque de surpresa”.
O significado é claro. Quer dizer que num momento de crise, e há tantos, os estrategistas militares russos podem concluir que, na ausência da dissuasão, a única esperança de sobrevivência é um primeiro ataque – o que significa o fim para todos nós.
Apavorante.
Nesses casos, a ação cidadã pode reverter programas extremamente perigosos. Pode também pressionar Washington para explorar opções diplomáticas – que estão disponíveis –, ao invés do recurso quase reflexo da força e da coerção em outras regiões, incluindo a Coreia do Norte e o Irã.
Mas o que motiva esse senso de justiça social, Noam, para mantê-lo engajado no combate a um amplo leque de injustiças? Há alguma motivação religiosa sustentando seu trabalho por justiça social? Se não, por que?
Sem motivações religiosas, e por razões sólidas. Pode-se inventar uma motivação religiosa para praticamente qualquer tipo de ação, desde o compromisso com a justiça até o apoio às atrocidades mais terríveis. Nos textos sagrados podemos encontrar apelos inspiradores por paz, justiça e piedade, juntamente com as passagens mais genocidas do cânone literário. A consciência é nosso guia, não importa que camiseta de campanha a gente vista.
Voltando ao fato de suportar ser testemunha de tanto sofrimento, o que você recomenda aos mais jovens? Muitos dos meus alunos estão preocupados somente em se formar, e frequentemente parecem distraídos com relação ao sofrimento no mundo.
Minha suspeita é de que aqueles que parecem desatentos ao sofrimento, próximos de nós ou em partes remotas do mundo, estão em sua maioria inconscientes, talvez cegos por doutrina e ideologia. A resposta para eles é desenvolver uma atitude crítica em relação a questões de fé, seculares ou religiosas; incentivar sua capacidade de questionar, explorar, enxergar o mundo do ponto de vista dos outros. E a exposição direta ao sofrimento nunca está muito longe, onde quer que se viva – talvez um sem teto encolhido de frio ou pedindo esmola para comer.
Agradeço, e concordo com você sobre a exposição ao sofrimento não estar tão longe. Voltando ao Trump, entendo que o considera fundamentalmente imprevisível. Deveríamos temer o uso de armas nucleares, de algum modo, em nosso tempo?
Eu temo, e não sou a única pessoa a ter esse medo. Talvez a figura mais proeminente a expressar essa preocupação é William Perry, um dos principais estrategistas nucleares contemporâneos, com vários anos de experiência no mais alto nível do planejamento de guerra. Ele é cauteloso e reservado, não é dado a exageros. Deixou uma quase aposentadoria para declarar, intensa e repetidamente, que está aterrorizado, tanto pelas crescentes e extremas ameaças como pela falta de preocupação com elas. Em suas palavras: “Hoje, o perigo de algum tipo de catástrofe nuclear é maior do que era durante a Guerra Fria, e a maioria das pessoas vive em completa ignorância desse perigo”.
Em 1947, o Boletim dos Cientistas Atômicos criou seu famoso Relógio Apocalíptico, estimando o quanto falta para chegarmos à meia-noite. Em 1953, depois de os EUA e a União Soviética explodirem bombas de hidrogênio, moveram os ponteiros para três minutos antes da meia-noite. Desde então o relógio oscilou, e nunca mais atingiu esse ponto de perigo. Em janeiro, logo depois da posse de Trump, o ponteiro foi mudado para dois minutos e meio antes da meia-noite, o mais próximo do desastre terminal desde 1953. Os analistas consideraram não apenas o aumento da ameaça de guerra nuclear, mas também o firme propósito do governo republicano em acelerar a corrida para a catástrofe ambiental.
Perry está certo de estar aterrorizado. E todos nós também deveríamos estar, principalmente em razão da pessoa que está com o dedo no botão e seu entorno surreial.
No entanto, apesar de sua imprevisibilidade, Trump tem uma base forte. O que leva a esse tipo de deferência servil?
Não tenho certeza de que “deferência servil” seja a expressão correta, por várias razões. Por exemplo, quem forma essa base? A maioria é relativamente abastada. Três quartos tinham renda superior à média. Cerca de um terço tinha renda de mais de 100 mil dólares ao ano, e portanto estava nos top 15% de renda pessoal, e nos top 6% daqueles que têm apenas o ensino médio. Eles são esmagadoramente brancos, em especial mais velhos — logo, de setores historicamente mais privilegiados.
Como informa Anthony DiMaggio em cuidadoso estudo sobre a riqueza, cujas informações estão agora disponíveis, os eleitores de Trump tendem a ser tipicamente republicanos, com “agenda social elitista, pró-corporações e reacionária”, e “um setor afluente e privilegiado do país em termos de rendimento, mas relativamente menos privilegiado do que foi no passado, antes do colapso econômico de 2008”. Por isso, vivem um estresse econômico. A renda média caiu quase 10% desde 2007. Isso sem falar no grande segmento evangélico e os fatores de supremacia branca – profundamente enraizada nos Estados Unidos –, racismo e sexismo.
Para a maioria de sua base, Trump e a ala mais selvagem do establishment republicano não estão longe de suas atitudes padrão, ainda que, quando nos voltamos para preferências políticas específicas, entrem em jogo questões mais complexas.
Um setor da base de Trump vem do operariado, abandonado durante décadas por ambos os partidos, e com frequência de áreas rurais onde a indústria e os empregos estáveis chegaram ao fim. Muitos votaram em Obama, acreditando em sua mensagem de esperança e transformação, mas rapidamente se desiludiram e voltaram-se em desespero para seu amargo inimigo de classe, agarrando-se à crença de que, de alguma maneira, seu líder formal virá salvá-los.
Outra consideração é o sistema de informação atual, se é que é possível usar essa frase. Para grande parte da base, as fontes de informação são a Fox News, conversas de rádio e outras mídias que adotam fatos “alternativos”. A exposição das maldades e absurdos de Trump, que indignaram a opinião liberal, é facilmente interpretada como ataque pela elite corrupta.
Como opera aqui a ausência de inteligência crítica, ou seja, a figura considerada pelo filósofo John Dewey como essencial para a cidadania democrática?
Podemos fazer outras perguntas sobre inteligência crítica. Para a opinião liberal, o crime político do século, como é chamado por alguns, é a interferência russa nas eleições norte-americanas. Os efeitos do crime são imperceptíveis, ao contrário dos efeitos maciços da interferência do poder corporativo e da riqueza privada, que não são considerados crimes, mas práticas normais numa democracia. Isso, mesmo deixando de lado o registro de “interferências” dos Estados Unidos em eleições estrangeiras, inclusive na Rússia; a palavra “interferência” vai entre aspas porque é ridiculamente inadequada, como sabe qualquer pessoa com a mínima familiaridade com a história recente.
Isso certamente fala algo sobre as contradições dos Estados Unidos.
Seria o hackeamento russo realmente mais significativo do que aquilo que discutimos – por exemplo, a campanha republicana para destruir as condições de existência social organizada, desafiando o mundo inteiro? Ou aumentar a já grave ameaça de guerra nuclear terminal? Ou mesmo crimes reais, mas menores, como a iniciativa republicana de privar dezenas de milhões de pessoas de serviço de saúde e expulsar pessoas indefensas de lares de idosos para enriquecer ainda mais o seu círculo eleitoral de riqueza e poder corporativo? Ou desmantelar o já limitado sistema regulatório para mitigar o impacto de uma crise financeira, que provavelmente será novamente provocada por seus aliados favoritos? E assim por diante.
É fácil condenar aqueles que colocamos do outro lado da linha divisória, mas mais importante, em geral, é explorar o que consideramos estar próximo de nós.

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