Peça 1 – a hora do espanto
O agravamento da crise é a peça inicial do jogo, em torno da qual se posicionarão as demais peças.
Até agora, mesmo com 14 milhões de desempregados, a crise não
produziu a desorganização econômica das grandes crises dos anos 80 e 90.
Agora, o fantasma da desorganização se aproxima. A máquina do Estado
esta parando por todo o país. A partir de setembro não haverá mais
recursos para o essencial, o que obrigará o governo a emitir moeda ou
títulos.
O chamado “dream team”, a equipe econômica de Temer, aprofundou as
loucuras cometidas pela gestão Joaquim Levy em nível inédito, com uma
cegueira ideológica da qual só acordarão quando a ponta do iceberg
rasgar a crosta do navio.
Têm-se um quadro claro pela frente:
1. A economia está exangue. Não há consumo, não há investimentos.
2. Toda a lógica dos cabeções consiste em definir um horizonte
fiscal sólido recorrendo exclusivamente a cortes em despesas – e, agora,
a aumento de tributação.
3. Julgam que bastará isso para haver uma queda nas taxas de
juros longas e, automaticamente, despertar o espírito animal do
empresário.
Não consideram:
Curto Prazo
|
Médio Prazo
|
Mercado de consumo | Educação |
Capacidade ociosa da indústria | Políticas de inovação |
Estabilidade política | Adensamento da cadeia produtiva |
Impactos sobre receita fiscal |
Basta cortar, cortar, até se obter o equilíbrio fiscal. O
investimento virá automaticamente. É inacreditável, mas esta é a lógica
central na qual fincam suas formulações.
4. Aí toca a cortar gastos públicos, estipular limites de aumento
de gastos. A cada corte, há um aumento proporcional na queda da
receita, até o limite da crise fiscal generalizada. Sem alternativa,
criam-se novos impostos e os papagaios da mídia dirão que traíram as
promessas de campanha.
5. Ao mesmo tempo, em cima de um orçamento extremamente
comprimido, o governo Temer promove uma queima de saldo de emendas
orçamentárias e reduz os dividendos pagos pelas estatais com o aumento
desmedido das verbas publicitárias, sem nenhum impacto sobre a demanda
agregada.
Peça 2 – a divisão desproporcional dos sacrifícios
Se a crise econômica se aprofundará, a ilegitimidade dos cortes aumentará a fogueira política.
Toda a divisão do sacrifício joga a conta para as faixas de menor renda.
Os novos impostos
Há dois tributos que poderiam ser acionados no curto prazo.
A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) tem
baixíssimo impacto sobre a inflação. Além disso impactaria a todos
proporcionalmente e permitiria o rastreamento do dinheiro de caixa 2.
Outra, a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é
tiro certo no orçamento das famílias de menor renda, já que, quanto
menor a renda, maior o peso de transportes e alimentos no orçamento
doméstico. E a CIDE impacta diretamente o transporte de cargas e o de
pessoas, o transporte urbano e intermunicipal e, através dele, os
alimentos. Mas beneficia as usinas de açúcar e álcool, que tem um
ilustre economista defensor da CIDE como acionista.
Além disso, ao pressionar a inflação, a CIDE ajuda a legitimar a
manutenção da taxa Selic em níveis proporcionalmente mais elevados,
aumentando o ganho real. O modelo de metas inflacionárias tornou o
mercado sócio da inflação: quanto mais alta a inflação, maior o ganho
real proporcionado pela Selic.
O corte pelas despesas correntes
Criou-se uma mística entre economistas brasileiros, que o mal do
Estado brasileiro é o nível das despesas correntes. Deveria se
economizar nessa ponta, para gastar mais em investimentos.
Ora, o que são despesas correntes?
Salários do setor público são protegidos por lei. Nos juros, não se mexe.
Os cortes são invariavelmente na ponta, naquilo que volta à
população na forma de serviços ou produtos. O governo já reduziu em 10% a
compra de vacinas, não há recursos para combustível em ambulâncias, nem
remédios nas farmácias do SUS, acabou com programas nas áreas de
educação, combate ao trabalho escravo e tantos outros.
O caso recente do Ministério Público Federal é bem elucidativo desse dilema entre vencimentos e despesas correntes.
No último concurso, o MPF foi ocupado por uma enorme quantidade de
jovens de boas famílias, emulando os hábitos e princípios dos yuppies de
mercado, conceitos como meritocracia e produtividade. São neoliberais
de carteirinha, porque é a moda dos bens pensantes, na opinião dos
concurseiros.
O MPF tem um orçamento, que cobre os vencimentos dos procuradores e a
operação da máquina. Recursos para a operação da máquina são essenciais
para a boa prestação de serviços. No entanto, decidiu privilegiar os
vencimentos, com reajuste de 16,6% para o próximo ano. O que significa
que, no limite, haverá uma redução de 16,6% do total na parte que cabe
ao operacional.
A queda de produtividade será exponencial.
Veja uma continha didática:
Suponhamos que para cada 1 procurador haja 1 de recursos (na verdade,
o peso dos vencimentos nas despesas gerais é muito maior). Com 16% de
aumento, o mesmo procurador custará 1,16; e os recursos alocados para
ela cairão para 0,84. Significará uma perda de competitividade da ordem
de 38%.
Se fosse empresa privada, quebrava.
Ou seja, entre os vencimentos da corporação e a prestação de serviços
ao país, escolheu-se os vencimentos. E justamente do poder que mais
contribuiu para a depressão econômica, ao arrebentar com as empresas de
engenharia, desarticular a cadeia do pré-sal e alçar o grupo de Temer ao
poder.
A fuga do conflito rentismo x produção
A única conta intocada é a dos juros. Houve expressivo aumento da
taxa real de juros, já que a inflação caiu bem mais do que a queda da
Selic. E aumento expressivo da relação dívida /PIB, pela queda do PIB e
das receitas fiscais e aumento da dívida por redução do superávit. Esse é
um dos pontos centrais do aprofundamento da recessão e da falta de
investimentos.
O maior custo não contingenciado da máquina é a conta de juros.
Demitir funcionários públicos demanda um enorme lapso de tempo e um
custo inicial maior, na forma de estímulos ao desligamento. Reduzir a
conta de juros depende exclusivamente do Banco Central. Justificar a
política monetária com o atual nível de recessão e de inflação é
deboche.
Com o incêndio lavrando na casa, o mercadismo e seus jornalistas
prosseguem no discurso manjado de jogar a disputa para o setor
produtivo, empresas e empregados, com as reformas trabalhista e
previdenciária do setor privado.
Tratam a todos como imbecis. O crescimento das despesas da
Previdência é constante, mas não explica de modo algum o aumento do peso
sobre o orçamento. O que explica é a queda da arrecadação fiscal,
decorrente da falta de estímulos macroeconômicos.
O fogo de encontro do mercado consiste em jogar o conflito para o
âmbito das empresas x trabalhadores. As contas públicas vão melhorar não
se a Selic cair, mas se houver reforma da Previdência. O custo das
empresas irá reduzir não com crédito barato, menos burocracia, menos
tributos, mas com menor custo trabalhista à custa da precarização do
trabalho. E reformas relevantes, como a trabalhista e a Previdenciárias,
são contaminadas pela radicalização e falta de diálogo que está
substituindo um modelo falho por outro que não se sustenta em nenhum
pilar conceitual.
Peça 3 – a saída pela política
Mesmo os porta-vozes mais radicais do mercado já se deram conta de
que a saída é política. Em vez da esperteza de jogar todos os problemas
nas costas de uma suposta nova matriz econômica, começam a diferenciar
politicas econômicas, identificando corretamente os maiores erros
naquelas em que se aboliu completamente a sensibilidade política.
A saída organizada da crise passará não apenas por eleições diretas
(e honestas) em 2018, mas por uma busca de consensos, que terá que
começar rapidamente, entre setor produtivo, sindicatos, novas e velhas
organizações sociais e liberais de boa cepa.
Não há saída fora de um acordo amplo, suprapartidário, que reponha instrumentos básicos de política econômica.
Haverá a necessidade de um choque de gastos públicos, técnico, o mais
isonômico possível, que convença o meio empresarial que após o primeiro
impacto no aumento da dívida, haverá uma recomposição gradativa do
nível de atividades e, consequentemente, das receitas fiscais.
Mas quem colocará o guizo no pescoço do gato de uma opinião pública massacrada por uma cobertura financeira rasteira, incapaz de entender fundamentos mínimos da economia real? É aí que entra a boa política.
Mas quem colocará o guizo no pescoço do gato de uma opinião pública massacrada por uma cobertura financeira rasteira, incapaz de entender fundamentos mínimos da economia real? É aí que entra a boa política.
Os desastres da pós-redemocratização trouxeram algumas lições que não podem ser esquecidas:
1. O modelo de metas inflacionárias inviabiliza a economia. Não
existe ciência capaz de justificar o custo dos juros ao longo dessas
décadas. A busca de taxas civilizadas tornou-se ponto central de
qualquer política.
2. Há experiências bem-sucedidas de política industrial, como os
PDPs (Programas de Desenvolvimento Produtivo) do Ministério da Saúde e
as políticas de conteúdo nacional do pré-sal. E desastres rotundos, como
o descontrole da política de subsídios no período Guido Mantega.
3. Antes da Lava Jato, da queda das cotações de petróleo e da
compressão das tarifas de derivados pela presidente Dilma Rousseff, o
modelo do pré-sal revelou-se eficaz para atrair para o Brasil
laboratórios de pesquisa de várias multinacionais. Há que se reavaliar
essas políticas, montando formas de acompanhamento que impeçam o uso
abusivo do poder individual.
4. Mais criativo dos governos neoliberais pós-redemocratização,
Fernando Collor instituiu modelos de câmaras setoriais que ajudaram a
criar espaços de negociação e de solidariedade entre sindicatos de
trabalhadores e empresas. No período Lula, foram criadas diversas
câmaras setoriais no âmbito da ABDI (Associação Brasileira de
Desenvolvimento Industrial), além do Conselhão. Em um novo governo,
essas instâncias têm que ser restauradas como espaço de negociação e de
formulação de políticas.
5. Tem que se devolver aos movimentos sociais os espaços
conquistados especialmente no governo Lula. Sua institucionalização é
pré-condição para o amadurecimento político do país. Segregá-los
significaria jogá-los novamente na clandestinidade.
6. Tem que se trazer o Judiciário e o Ministério Público de volta
ao leito institucional, acabando de uma vez por todas com sua
capacidade de desestabilizar o país. Sem prejuízo de seu trabalho
anticorrupção.
Peça 4 – o conciliador ou o bonapartista
A questão é: quem colocará o guizo no gato, desarmará os espíritos para o penoso trabalho de reconstrução nacional?
Qualquer análise tem que levar em conta o papel de Lula.
Há duas possibilidades para Lula. A primeira, a revogação das
sentenças absurdas de Sérgio Moro, mas mantendo um mínimo de condenação
para inabilitá-lo politicamente. A segunda, Lula candidato a presidente.
A política de conciliação de Lula abriu espaço para o golpe. Os
grupos mais à esquerda têm razão em deblaterar contra pactos que
permitiram o crescimento das forças golpistas.
Por isso mesmo, há um conjunto de desafios que não poderão ser
ignorados por Lula, especialmente o domínio de formas democráticas de
trabalhar os poderes de Estado.
Por outro lado, não se espere um Lula guerreiro. Mesmo submetido a
humilhações diárias por figuras como Sérgio Moro e procuradores, mesmo
com a morte de sua esposa, tão humilhada que quase foi alvo de uma
condução coercitiva, não se espere um Lula raivoso. Não faz parte da sua
estrutura pessoal e política.
A grande incógnita é qual o Lula que emergirá nas próximas disputas políticas.
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