Historicamente, Globo e Record sempre usaram o jornalismo para desferir ataques entre si.
A Globo mexia nos podres de Edir Macedo e, na semana seguinte, a Record
tirava os esqueletos dos Marinho do armário. Depois de um período de
trégua, a Record voltou a atacar a Rede Globo. Agora não se trata
meramente de uma briga comercial, mas política. De um lado, temos o
grupo de comunicação mais poderoso do país trabalhando nos bastidores ao
lado de Rodrigo Maia para, mais uma vez, derrubar um presidente que
ajudou a colocar no poder. Do outro, temos o conglomerado de comunicação
do bilionário bispo Edir Macedo que, afinado com Aécio Neves, ataca a
Globo tentando proteger Michel Temer
As empresas e os personagens citados
acima foram protagonistas no processo que levou à derrubada da
presidenta eleita no ano passado. Sacramentado o golpe, não houve final
feliz. Diferente do que se imaginava, a economia não se recuperou, as notícias de corrupção envolvendo o governo aumentaram e a popularidade de Temer não parou de despencar. Toda essa tensão causou um racha no antes coeso bonde do golpe, que ficou dividido entre duas facções.
Em maio, as organizações Globo anunciaram o abandono do barco de Temer ao pedir sua renúncia em
editorial. Desgastado pelas revelações do amigo falastrão Joesley,
Temer talvez não fosse mais tão fundamental para aprovação das reformas,
a grande prioridade do Grupo Globo. Apenas três dias após a declaração
de guerra feita no editorial, Temer mandou seu braço direito Moreira Franco – conhecido por ser discreto publicamente, mas uma salamandra escorregadia nos bastidores – tentar uma trégua com João Roberto Marinho.
Parece jornalismo, mas, para mim, soa como trombetas anunciando a chegada do cavalo de Troia do cavalo de Troia ou, como ficou conhecido popularmente, o golpe dentro do golpe.
O conteúdo completo da conversa não
foi revelado, mas o que se sabe é que não houve hasteamento de bandeira
branca. Moreira ouviu de Marinho que a Globo “irá continuar a fazer jornalismo”.
Parece jornalismo, mas, para mim, soa como trombetas anunciando a
chegada do cavalo de Troia do cavalo de Troia ou, como ficou conhecido
popularmente, o golpe dentro do golpe.
Fracassado o armistício, o
governo passou a “ordenar a execução de eventuais dívidas da emissora
com a União, de impostos e de financiamentos no BNDES” , segundo o O Dia – jornal alinhado a Crivella (PRB),
aliado de Michel Temer. Um enfrentamento pelo qual a emissora, que
nasceu e cresceu com paparicos do Estado, nunca havia passado em nenhum
outro governo.
De lá pra cá, a Globo vem aumentando a
artilharia para cima do governo, poupando-o apenas quando o assunto é
reforma. Isso ficou bastante claro na batalha das perícias
e na crescente cobertura negativa que constrangem o presidente que, até
pouco tempo, desfilava com tranquilidade pelo tapete vermelho estendido
pela empresa. Acabou a lua de mel, começou a guerra.
No último dia 9, um repórter da Folha
seguiu Rodrigo Maia, que saiu de uma curtíssima reunião com Temer e foi
para local desconhecido em carro descaracterizado. O relato do jornal dá ares mafiosos à reunião:
Enquanto
a reunião de Maia com Temer durou menos de uma hora, o encontro secreto
com a Globo durou pelo menos cinco. Parece que havia muito mais assunto
para tratar com a emissora do que com o seu presidente. À noite,
naquele mesmo dia, Maia reuniu aliados em sua casa para – não é piada! – tomar
sopa e comer pizza. Durante o jantar, o presidente da Câmara contou aos
convidados que havia conversado com “gente importante” e, segundo a
Folha, “vaticinou o fim do atual governo”.
Mas se as relações do governo com a Globo desandaram, as com a Record vão muito bem, obrigado.
Mas se as relações do governo com a
Globo desandaram, com a Record elas vão muito bem, obrigado. Isso ficou
claro nas conversas nada republicanas grampeadas pela Polícia Federal entre Aécio Neves, Moreira Franco e Douglas Tavolaro – biógrafo de Edir Macedo e vice-presidente de jornalismo do grupo.
O então presidente do PSDB, que já não
contava mais com a costumeira blindagem global, aparece nos diálogos
como o principal articulador de uma negociação que buscava atender
antigas demandas da emissora na obtenção de um patrocínio da Caixa
Econômica Federal em troca de uma entrevista com Temer. O negócio havia
sido vetado pela área técnica do banco. Nas conversas, Aécio e Moreira
garantiram ao biógrafo de Edir Macedo que o problema seria sanado, tudo
com o aval de Michel Temer.
Edir Macedo não controla apenas a Igreja Universal e a Record, mas também o PRB, importante partido da base governista,
que conta com 23 deputados e um ministro. Criado em 2005, o PRB é
governista desde a origem e apoiou os governos Lula e Dilma, que também
contaram com a benevolência jornalística da emissora do bispo durante um
bom tempo. Apesar disso, o PRB foi o primeiro a abandonar o governo
Dilma e a pular na barca do golpe de Temer e Cunha, mostrando a essência
governista do partido.
Cenas dos próximos capítulos
Em reportagem exibida no Domingo Espetacular
no último domingo, o jornalista Luiz Azenha, ex-Globo e atualmente na
Record, apresentou uma série de denúncias contra a empresa dos Marinho:
participação em um esquema de sonegação fiscal bilionária, criação de
empresas de fachada no exterior e fraude na aquisição dos direitos de
transmissão da Copa do Mundo de 2002. A maior parte dessas denúncias não
é inédita e já havia sido publicada há muito tempo no Viomundo,
site de Azenha, que nunca foi processado pela Globo por divulgar as
informações que a incriminam. A novidade é o fato da Record decidir
publicar as denúncias apenas agora e transmiti-las na televisão em rede
nacional.
A reportagem lembra também do
potencial explosivo que uma delação de Palocci pode ter contra a Globo. A
informação bate com outras que já vinham circulando
e que apontavam que o ex-ministro dos governos Lula e Dilma poderia
revelar segredos sobre “questões fiscais” do grupo. Azenha afirma que os
advogados de Palocci já revelaram o teor da delação contra a Globo para
integrantes do Ministério Público e que integrantes da Lava Jato
denunciam estar sendo pressionados para não aceitar a delação de Palocci
sobre as falcatruas da empresa dos Marinho. Curiosamente, a revista Época e o jornal Valor Econômico, ambos da Globo, já publicaram matérias colocando dúvidas em torno da delação de Palocci.
Logo no dia seguinte à reportagem da Record, Mônica Bergamo publicou uma nota na Folha que mostra que a Globo não está mesmo para brincadeiras:
Vamos
aguardar os próximos capítulos dessa trama. O enredo é ruim como o de
uma novela da Record, porém a atuação dos atores tem o padrão Globo de
qualidade. Não há mocinhos, apenas vilões. Quanto mais podres dos dois
lados dessa versão tropical de Game of Thrones vierem à tona, melhor
para o Brasil.
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