Desvendando as mentiras da Reforma da Previdência para impedi-la
por Roberto Requião
Depois de ler e reler as propostas de reforma da Previdência do
Governo, depois de ouvir desde os meus conterrâneos lá nos fundões do
Paraná até qualificados especialistas no assunto, concluo: estamos
diante de um dos maiores embustes da história brasileira. Mais que isso,
estamos diante de uma das maiores crueldades que se ousou perpetrar
contra o nosso povo.
Talvez ela seja comparável com a monstruosa emenda constitucional que pretendeu congelar por 20 anos os gastos públicos no país.
Com uma diferença: como suponho que o país não enlouqueceu
completamente, o congelamento dos gastos será revogado no devido tempo.
Mas a pretendida reforma previdenciária preocupa. Ela, caso aprovada, será mais difícil de ser cancelada.
É que a PEC da Morte, como ficou conhecida, fere não apenas os
interesses gerais da sociedade, mas também grupos de interesse que giram
em torno do Estado. Já a Previdência é uma instituição do povo e para o
povo, embora dela se beneficiem também alguns grupos corporativos.
O grande capital, os grupos financeiros, os especuladores jamais lutarão por uma Previdência Social decente e justa no Brasil.
Ao contrário, eles estão por trás das grandes pressões em favor da reforma apresentada por Henrique Meireles e Michel Temer.
Não vou me ater a todos os aspectos particulares da reforma proposta.
Já são suficientemente conhecidos deste plenário e da própria
população.
Aliás, várias entidades da sociedade civil apresentaram estudos
examinando-a em profundidade, mostrando de forma definitiva, cabal a sua
impropriedade.
Destaco, no entanto, entre os itens mais malignos, facinorosos, a mudança nas regras de aposentadoria.
Querem agora exigir um mínimo de 65 anos de idade e contribuição de
25 anos para aquisição desse direito, que sequer é uma aposentadoria
integral, mas apenas 50% de uma média.
Não, não vou me ater a detalhes. Vou procurar mostrar a natureza das forças fundamentais que estão por trás do projeto.
Em uma palavra, o que se pretende, com a iniciativa Meirelles/Temer, é
abastardar a Previdência contributiva pública – a Previdência
financiada pelos trabalhadores e pelos patrões - a fim de piorá-la,
degenerá-la para abrir espaço para a previdência privada, financiada
apenas pelos trabalhadores.
Com isso, milhões de brasileiros serão expelidos de qualquer forma de
proteção, pois perderão a Previdência pública e não terão como pagar a
privada.
O mais grave é que toda a reforma está concebida, funda-se em uma
falácia. A Previdência contributiva pública não tem déficit. Na verdade,
ela faz parte do Sistema de Seguridade Social instituído pela
Constituição de 88. As fontes de financiamento do sistema cobrem suas
despesas, e a pequena parte que não é coberta o Governo Federal, por
mandato constitucional, tem que cobrir.
Contudo, em lugar de cumprir esse mandato constitucional, o Governo,
desde 1989, sequestra recursos da seguridade para pagar juros da dívida
pública e cobrir os rombos do orçamento fiscal.
Comete-se, portanto um crime social em larga escala!
Até aqui, os programas de privatização dos sucessivos governos visavam a setores produtivos, com apenas algumas exceções.
Mas, agora se trata de privatizar um serviço social vital para o
povo, abrindo espaço para áreas ainda mais sensíveis como o
abastecimento de água.
Outras áreas de serviços, como aeroportos, também em processo de
privatização, não afetam o consumidor em larga escala, exceto pelo alto
custo das tarifas que lhes são impostas.
Evidencio um ponto adicional: a chamada transição etária. A
justificação do Governo para a emenda é que a população brasileira está
envelhecendo e a acumulação futura de aposentadorias pode comprometer o
equilíbrio do fundo previdenciário.
Isso é, de novo, um grande embuste, uma fraude!
A expectativa de vida dos brasileiros é extremamente diferenciada
por região – pode variar entre 53 e 78 anos -, e não faz sentido ter uma
única referência de idade para todos.
O mais grave, contudo, é que o sistema atuarial no qual se baseou o
Governo para fazer suas projeções previdenciárias de longo prazo – até
2060! – está fundado em estimativas absolutamente equivocadas!
Por que equivocadas?
Porque tais estimativas, essenciais para determinar o equilíbrio
futuro do sistema, ancora-se em dados de 2002, de maneira determinista,
mecânica. Ou seja, os resultados são tidos como certos, fatais.
Entretanto, todas as estimativas feitas para a Lei de Diretrizes
Orçamentárias, a LDO, para cumprir determinação legal, desde 2002,
revelaram-se erradas, de acordo com estudo coordenado pelos economistas
Denise Gentil e Cláudio Puty.
Portanto, estamos diante de um projeto de emenda fundado em bases
falseadas, mal formuladas, mal concebidas e profundamente prejudiciais
para a sociedade brasileira.
Apenas a absoluta insensibilidade do Congresso e, particularmente deste Senado, resultaria em aprovação do monstrengo.
Como disse, só se compara a essa iniciativa a delituosa emenda 55,
aqui desgraçadamente aprovada, embora a pretendida reforma da
Previdência tenha um conteúdo de impiedade ainda maior, pois se abate
sobre a parte mais vulnerável da população brasileira.
Conclamo às senhoras e senhores senadores a examinar essa questão não apenas com as mentes, mas também com o coração.
Afinal, é manter um mínimo de justiça social através do sistema de seguridade social brasileira.
Não basta que sejamos um dos países líderes da desigualdade social, o
que mais cava fundo e instransponível o fosso entre os que mais têm e
os que nada têm?
Não basta que tenhamos sido o último país a, pelo menos formalmente,
acabar com a escravidão, o que, até hoje, produz sequelas gravíssimas?
Não basta? Querem mais ainda? Querem agora eliminar uma das poucas
possiblidades de os brasileiros terem um mínimo de dignidade e de
proteção na velhice?
Por favor, não me venham com o discurso falacioso do déficit ou
aquela indecência de que é preciso reformar hoje para garantir o amanhã.
Por fim, insisto e reforço quatro pontos:
1º - Em 2015, 79% das pessoas que se aposentavam por idade não
conseguiram contribuir por 25 anos. Sua média de contribuição era de
sete meses em um ano.
Portanto, no regime proposto pelo Governo, para se aposentar teriam
que continuar contribuindo muito além dos 65 anos. Não é apenas um
equívoco. É uma crueldade.
2º- Chamo de novo a atenção das senhoras e dos senhores para esta
informação: o sistema atuarial no qual o Governo se baseou para estimar
a situação a longo prazo da Previdência (até 2060) é totalmente
equivocado, para não dizer desonesto. As projeções são distorcidas,
conforme demonstraram de forma irrespondível os pesquisadores Denise
Gentil e Cláudio Puty, no documento "Plataforma Política Social",
publicado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
Federal e outras instituições.
Notem que na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO
deve-se, todo o ano, fazer projeções sobre as perspectivas da
Previdência.
Isso deveria considerar no mínimo três cenários possíveis, associado
cada um a probabilidades, mas o Governo leva em consideração apenas um,
como se fosse uma tendência única, e não apenas probabilística. Com
isso, erros de estimativa comprovado de receita em determinados anos
chegam a 35%, mesmo quando se usam apenas os próprios dados oficiais.
3º- Uma das principais razões pelas quais o Governo subestima
exageradamente o déficit a longo pazo da Previdência é que ele usa, como
base de suas projeções, a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios de 2009.
Ora, sabemos que em 2008, como consequência da crise internacional, a
economia e o emprego, base da Previdência, afundaram. A partir daí as
estatísticas do IBGE superestimam a despesa e subestimam a receita. A
única justificativa para isso é o propósito deliberado de dizer que a
Previdência pública vai falir, a fim de preparar logo o espaço para a
entrada no vácuo da previdência privada.
4º - Para justificar a reforma, o Governo estabeleceu comparações de
expectativa de vida com outros países, notadamente com a OCDE.
Eis outra fonte de distorção e manipulação. Temos um país imenso, com grande diversidade de situações.
A expectativa de vida difere de lugar para lugar, não só entre regiões, mas até mesmo dentro de uma mesma cidade.
Em São Paulo, por exemplo, no Alto Pinheiros, a expectativa de vida é
de 79,5 anos; no Grajaú, de 56. Não faz nenhum sentido basear a
Previdência numa expectativa de vida média, pois isso seria uma tremenda
discriminação contra os pobres, muitos dos quais não chegariam a
aposentar-se porque morreriam antes da aposentadoria.
À guisa de conclusão, como se dizia antigamente, refiro-me à uma
antiquíssima, cinco vezes centenária prática nacional de nossas classes
mais abastadas e também das nem tanto endinheiradas: a sonegação.
Segundo estimativas consideradas bastante conservadoras, apenas meia
centena de grandes empresas brasileiras devem cerca de 500 bilhões de
reais à Previdência
Quinhentos bilhões!
Mas, como é tradição neste país que rico não paga imposto, pretendem
escorchar, esfolar, esbulhar, saquear, roubar os trabalhadores e os
idosos para suprir um fantasioso, mentiroso, fraudulento déficit da
Previdência.
Não vamos permitir que aprovem esse aburdo!
Roberto Requião é senador da República em seu segundo
mandato. Foi governador do Paraná por 3 mandatos, prefeito de Curitiba e
deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação
em urbanismo e comunicação. É capitão reformado do Exército Brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário