“A crise que o Brasil vive hoje tem uma saída institucional, que é a eleição de 2018, com chance de o PT ou uma frente de esquerda vencê-la. Mas talvez possa não haver 2018”, afirma o economista e professor da Unicamp Marcio Pochmann
Por Redação – de Porto Alegre
O
aspecto mais grave da crise política e econômica vivida pelo Brasil
hoje é que o país está completamente sem rumo. A avaliação é do
economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Segundo Pochmann, não
há qualquer debate sobre um projeto nacional.
Os
setores de petróleo e gás, construção civil, agronegócio e indústria
automobilística estão gravemente comprometidos. O país está cada vez
mais dependente de uma pauta de exportação primarizada. Segundo
Pochmann, em entrevista ao jornalista Marco Weissheimer, do jornal Sul
21, em 2014, a indústria representava cerca de 15% de todo o produto
nacional.
“Em 2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a
9% do PIB, o que equivale ao que era o Brasil na década de 1910. A
avaliação do economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e
ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não
recomenda nenhum otimista sobre o futuro da economia brasileira nos
próximos meses”, afirmou.
Leia, adiante, os principais trechos da entrevista ao Sul21:
— Como você definiria o atual momento econômico que o Brasil está vivendo?
—
Se olharmos do ponto de vista histórico, essa é a quarta recessão que
temos no país desde que o capitalismo aqui se instalou, sendo a terceira
do período em que o Brasil se tornou urbano e industrial. Essa é a
recessão mais grave do ponto de vista da desorganização do sistema de
investimentos do país. Não é apenas uma recessão no sentido da redução
do nível de atividade, mas também pelo processo de desinvestimento com o
fechamento de empresas no país.
A indústria que, desde a
Revolução de 30, havia sido o vetor principal do comando da acumulação
capitalista no Brasil, praticamente vai se desfazer com essa recessão.
Já estávamos convivendo com uma fase de descenso da indústria. Em 2014, a
indústria representava cerca de 15% de todo o produto nacional. Em
2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a 9% do PIB, o que
equivale ao que era o Brasil na década de 1910.
Podemos até, em
2017, ter uma inflexão na recessão, mas isso não significa que temos
base sustentável para voltar a crescer, pois estamos cada vez mais
dependentes de uma pauta de exportação primarizada. Além disso, o
agronegócio está sendo atingido por uma série de denúncias. Os setores
de petróleo e gás, construção civil, agronegócio e indústria
automobilística, que foram importantes para viabilizar a recuperação da
economia nos anos 2000, nos governos do PT, estão muito comprometidos.
O
Brasil está sem rumo. Talvez essa seja uma das coisas mais graves que
estamos enfrentando. Não há nenhuma discussão sobre um projeto nacional.
O país está totalmente contaminado pelo curtíssimo prazo.
— Qual o impacto que a agenda do governo Temer, com propostas como a da ampliação da terceirização e da Reforma da Previdência, pode ter nesta conjuntura econômica?
— O governo Temer é composto por duas
forças que, contraditoriamente, também expressam sua fraqueza. Uma é a
capacidade de organizar uma maioria no âmbito do Legislativo. Durante o
ciclo da Nova República, de 1985 para cá, dificilmente encontraremos um
presidente com tanta capacidade de formar uma maioria como vemos agora.
Essa maioria se expressa na perspectiva de que o próprio presidente
Temer possa evitar a contaminação da Lava Jato. É uma maioria que se
organizou muito mais em torno do medo de estar contaminada pelas
investigações da Lava Jato, com a expectativa de que o governo Temer
possa amenizar os efeitos dessa operação.
De outro lado, há a
força que vem de grandes setores econômicos e midiáticos em torno das
reformas neoliberais que estavam planejadas para os anos 90 e que foram
interrompidas pelo ciclo de governos do PT. É isso que dá força ao
governo Temer. No entanto, mesmo essa força tem uma fraqueza, na medida
que não encaminha um projeto de inserção do Brasil no cenário
internacional.
O que aconteceu semana passada com a aprovação da
lei da terceirização é expressão de um pensamento que vem desde os
tempos do império. Naquela época, esse setor das elites dominantes
achava que as razões do atraso do Brasil estavam relacionadas à presença
população negra e não ao modelo agrário exportador.
A solução que
eles apresentaram para isso foi implementar um processo de
“branqueamento” da população, com a atração de imigrantes europeus. Em
1872, dois terços da população brasileira eram compostos por negros e
indígenas. Como resultado desse processo, em 1940, cerca de 63% da
população do país já é branca. (…)
Demanda favorável
Agora,
estamos vendo um terceiro movimento de flexibilização da CLT que se dá
num quadro recessivo e que, possivelmente, não deverá ter um impacto
positivo no nível de emprego, mas sim o rebaixamento das condições de
trabalho. Os empresários, em uma situação como essa em que não há grande
demanda por seus produtos, buscam sobretudo redução de custos. Como
vivemos em um país com taxas de juros extremamente elevadas, que tem
crescido em termos reais não obstante a taxa Selic ter caído
nominalmente, e com um sistema tributário com problemas, a redução de
custos é o caminho mais fácil que os empresários vão buscar para
enfrentar a crise.
Os impactos dessas medidas na demanda serão
desfavoráveis, o que pode comprometer ainda mais uma possível
recuperação da economia brasileira. Há outros componentes que podem
afetar essa possibilidade de recuperação. Tivemos agora esse episódio
envolvendo o agronegócio e a indústria da carne. Estamos com problemas
sérios envolvendo as administrações municipais e estaduais. Além disso,
se as terceirizações aprovadas agora forem implementadas muito
rapidamente, isso pode resultar no rebaixamento da taxa de salários,
comprometendo o consumo. Essa conjunção de fatores pode fazer com
tenhamos, em 2017, um terceiro ano recessivo.
— Você referiu que a participação da indústria na composição do PIB brasileiro regrediu ao estágio de 1910. Há quem diga que a decisão aprovada na Câmara dos Deputados liberando as terceirizações inclusive nas atividades fim significa o cumprimento do projeto de FHC de “virar a página do getulismo”. É isso o que está acontecendo, de fato?
— Nós
temos uma polarização que é recorrente desde a Independência. É uma
disputa sobre o comando do desenvolvimento brasileiro. Essa polarização
já está presente em 1822 com José Bonifácio que defendia que o Brasil
não podia ser apenas um país rural e agrário e precisava ter uma base
urbana e industrial. Ao longo do Império, porém, a indústria brasileira
nunca teve força, com exceção de algumas iniciativas pontuais. Com a
República, ela passa a contar com o apoio de abolicionistas, como Rui
Barbosa, que tem uma perspectiva urbana e industrial.
No primeiro
governo da República Velha, Rui Barbosa chega a tentar um ensaio
desenvolvimentista com base industrial a partir de uma política de
expansão do crédito, que não tem sucesso. A partir daí, temos mais
algumas décadas da República Velha sustentada no agrarismo.
A
crise de 29, a revolução de 30 e o movimento tenentista abre outra
perspectiva para o Brasil, colocando a industrialização no centro da
agenda do governo. As Forças Armadas desempenham um papel importante
neste processo, pois se dão conta que, sem indústria, elas também não
terão capacidade de exercer as funções que imaginam ser fundamentais. A
partir de 30, temos um projeto vitorioso que vem até a década de 80,
quando começa a sofrer constrangimentos.
Setores contaminados
Acredito
que o governo Temer, de certa maneira, é a pedra que faltava para
retirar as possibilidades da industrialização brasileira. Isso não
significa que não teremos indústria. Não teremos industrialização que é
uma coisa um pouco diferente. Até a década de 30, o Brasil tinha
indústrias também.
Havia a indústria da banha, indústria
alimentícia, indústrias de bens de consumo não duráveis. Mas não existia
industrialização que é a centralidade da indústria do ponto de vista da
acumulação de capital. É ela que, ao expandir o seu próprio setor,
contamina vários outros setores da atividade econômica. O que temos hoje
basicamente é a força do setor de produção agro-mineral e o setor de
serviços. São setores importantes, mas sem capacidade de permitir um
ritmo de expansão sustentável para um país com mais de 200 milhões de
habitantes.
Essa fase de descenso da indústria é uma longa fase de
decadência do Brasil. A história econômica do Brasil é permeada de
ciclos econômicos. Tivemos os ciclos do pau Brasil, da cana de açúcar,
do ouro, do café e assim por diante. A industrialização possivelmente
tenha se transformado num ciclo que teve seu auge e, a partir dos anos
80, vem apresentando sinais de decadência.
Com o governo Temer,
creio que não teremos mais condições de ter industrialização porque o
que vai sobrar serão algumas indústrias sem capacidade de oferecer ao
país um projeto de desenvolvimento sustentável de longo prazo.
— Como você avalia a capacidade das forças políticas e sociais que apoiaram os governos Lula e Dilma para enfrentar as medidas que vem sendo aprovadas pelo governo Temer e suas conseqüências?
—
Não acredito que o cenário que estou descrevendo até aqui seja algo
definitivo. É uma avaliação do momento que estamos vivendo. Mas é
possível virar essa página. Reconstituir a maioria política que
viabilizou a vitória longeva de uma frente liderada pelo Partido dos
Trabalhadores. Mas essa maioria foi muito fragmentada. Garantiu a
governabilidade para repor aquilo que o neoliberalismo havia retirado
nos anos 90. (…)
A crise que o Brasil vive hoje tem uma saída institucional. É a eleição de 2018, com chance de o PT ou uma frente de esquerda vencê-la. Mas, talvez possa não haver 2018.
A crise que o Brasil vive hoje tem uma saída institucional. É a eleição de 2018, com chance de o PT ou uma frente de esquerda vencê-la. Mas, talvez possa não haver 2018.
— Considerando essa comparação com 64, há um ator importante que está em relativo silêncio na crise atual. As forças armadas que, inclusive, têm alguns projetos seus sendo ameaçados pelo governo Temer. Como é o caso do submarino nuclear. Na sua opinião, há alguma mudança qualitativa no papel das forças armadas em relação aquele de 1964?
— Após o
golpe de 64 houve um processo de despolitização das forças armadas. Nos
anos 50 e 60, as forças armadas eram muito politizadas. Essa
característica, se não foi eliminada, perdeu importância. A impressão
que eu tenho é que as forças armadas podem assumir um papel mais ativo.
No caso de uma ameaça constitucional. Alguma coisa identificada como
insurreição ou desorganização do sistema de segurança. Não me parece que
elas possam repetir uma iniciativa como a de 64. Até porque o cenário
internacional está bastante conturbado.
No governo Obama, deu-se
uma presença muito grande dos Estados Unidos na retomada da liderança no
interior da América Latina. O protagonismo assumido pelo Brasil
certamente não contou com a aprovação do governo norte-americano. Agora,
porém, os Estados Unidos vivem problemas muito mais significativos. E
estão numa situação de maior insulamento, olhando para os seus
problemas. O governo Trump não parece muito preocupado com outras
realidades, diferentemente da política externa do governo Obama.
Então,
o apoio externo que os golpistas tiveram em 64 não me parece estar
materializado hoje. Alem disso, nem é preciso recorrer ao golpe clássico
para evitar que ocorram eleições em 2018. Há outras formas como estamos
vendo agora. Estamos vivendo um golpe e não estamos mais vivendo dentro
da normalidade democrática.
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