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sábado, 18 de março de 2017

O cumprimento impossível dos 10 mandamentos, por Uraniano Mota.





“O dia mais belo: hoje
A coisa mais fácil: errar
O maior obstáculo: o medo
O maior erro: abandonar
A raiz de todos os males: o egoísmo
A distração mais bela: O trabalho
A pior derrota: o desânimo
Os melhores professores: as crianças
A primeira necessidade: comunicar-se
O que traz  felicidade: ser útil aos demais
O pior defeito: o mau humor
A pessoa mais perigosa: a mentirosa
O pior sentimento: o rancor
O presente mais belo: o perdão,
O mais imprescindível: o lar
A rota mais rápida: o caminho certo
A sensação mais agradável: a paz interior
A maior proteção efetiva: o sorriso
O maior remédio: o otimismo
 A maior satisfação: o dever cumprido
A força mais potente do mundo; a fé
As pessoas mais necessárias: os pais
A coisa mais bela de todas: O AMOR!”
À primeira vista, me pareceram versinhos de autoajuda. Depois, sem querer, me dei conta da sua impraticabilidade, assim como de abusos conservadores na bondosa pregação da Madre Teresa de Calcutá. Pois notem primeiro: o dia mais belo pode não ser o de hoje. E, se o cidadão não ganhou um grande prêmio de felicidade, este não é, como deseja a bondosa mensagem. Outra: se errar, por exemplo, for a coisa mais fácil, observo que não cometemos erros por buscá-los, por querer cometer o mais fácil. Depois, “o maior obstáculo: o medo” não é verdade. Ora, o maior – ou um dos maiores obstáculos – é vencer o medo. E se a distração mais bela for o trabalho, como canta outro verso, por que diabos 99% da humanidade penam infelizes em miserável trabalho  todos os dias? Mas o que me despertou mesmo para o absurdo do poema da piedosa Madre Teresa de Calcutá foram estes, digamos, dois versos – supondo que ela os tenha cometido:
“O mais imprescindível: o lar.
A rota mais rápida: o caminho certo”.
Será que o meu lar é mesmo o espaço mais imprescindível do mundo? Será que vivemos todos bem, bovinos à parte, no lar, doce lar? Se assim fosse, os jovens não gostariam tanto de sair de casa. E os mais velhos, os pais, não pensariam duas vezes entre beber em casa e beber na rua.  “Na Rua!”, propõem esses degenerados. Pior: e aquele cometimento terrível que reza o versinho “A rota mais rápida: o caminho certo”?. Atentem bem, se errar é o mais fácil, como acharemos tão fácil o caminho certo?  E que diabo – nos perdoem a Madre Teresa – e que diabo é o caminho certo? Eu seria capaz de dar toda a minha vida, as minhas melhores e felizes décadas reais ou sonhadas para descobrir o que é o caminho certo. Pois o que é mesmo “o certo”? E existe um só caminho certo? E não será o errado, sempre, uma aproximação do que é certo?  A santa madre não me respondia;.
Depois, ao descer do ônibus, me veio uma iluminação à beira do transcendental. No meu caminho de damasco, sem ouvir a voz do Senhor, vi: se a gente observar certo, ou quase certo, é do impossível, do enaltecimento da ação impossível, que se alimenta toda religião. Então me ocorreu ler com detida atenção os Dez Mandamentos. Como aqui, nesta versão resumida:
1º - Amar a Deus sobre todas as coisas.
2º - Não usar o Santo Nome de Deus em vão.
3º - Santificar os Domingos e festas de guarda.
4º - Honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores).
5º - Não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo).
6º - Guardar castidade nas palavras e nas obras.
7º - Não furtar (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo).
8º - Não levantar falsos testemunhos (nem de qualquer outro modo faltar à verdade ou difamar o próximo).
9º - Não cobiçar a mulher do próximo. Ou: Guardar castidade nos pensamentos e desejos.
10º- Não cobiçar as coisas alheias.
De imediato, é fácil perceber a ausência do contraditório em leis tão rígidas. Nesses mandamentos há princípios absolutos, idealizados na época da sociedade tribal. Eles vêm de uma fase civilizatória muito anterior à Grécia de ouro. Se fossem guiados por tais imperativos, os trágicos gregos não teriam escritos suas maiores obras. Antes deles até, pois não existiria a Ilíada, essa conspurcação geral dos Dez Mandamentos. Mas vamos para o nosso cotidiano, menos ilustrado. Olhem o que vem a seguir.
“Amar a Deus sobre todas as coisas”. Eu não sei como se pode cumprir essa tripla impossibilidade:  na primeira delas, devemos ter amor ao que não se pode abraçar, beijar, sorrir, conversar, dançar, beber, cheirar, a não ser em alucinação, mais conhecida por “transporte não perguntem para onde”. Na segunda impossibilidade, é de uma violência extrema exigir amor, um afeição essencial a que somente se chega por direito e inclinação natural. No terceiro impossível, manda-se amar, amar um impalpável acima de todas as coisas concretas, amáveis e amoráveis.
“Não matar”. Perguntaria:
- Senhor, e se formos atacados de modo mais vil?
– Morre e cumpre o mandamento.
- Senhor, e se atacam o que temos de mais honroso, o que é mais importante que a própria vida?
– Sacrifica tudo e te cala.
- Então devermos deixar crescer e imperar o nazismo, o fascismo, sem lhe opor qualquer resistência?
– Sim. Corre e te esconde.
Já se vê, não se deve matar nunca. Mas se deve, claro, nas guerras, na opressão de Estado, no extermínio de povos e, pessoas que representem o Mal e o Mau.
O leitor já vê que os Dez Mandamentos só são possíveis de cumprimento se a cada um deles se agregar uma conjunção adversativa. Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não obstante... Olhem como ficam praticáveis, bem possíveis e próximos de um comportamento moral, que suponho ser o seu objetivo:
1º - Amar a Deus sobre todas as coisas. Mas Deus pode ser o que você mais ama.
2º - Não usar o Santo Nome de Deus em vão. Porém, se for para objetivos maiores, como ajudar a própria sobrevivência, sim.
3º - Santificar os Domingos e festas de guarda. Contudo, santificar é uma homenagem a Deus conforme a natureza de cada um.
4º - Honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores). Todavia, honrar não é seguir os passos dos antepassados de qualquer maneira.
5º - Não matar. Entretanto, se não houver outra saída, não se deve matar a decência.
6º - Guardar castidade nas palavras e nas obras. No entanto, manter a castidade não é gerar neurose. Relaxe.
7º - Não furtar. Não obstante, furtar para não morrer de fome é de justiça.
8º - Não levantar falsos testemunhos (nem de qualquer outro modo faltar à verdade ou difamar o próximo). Mas se for para evitar um mal maior, como entregar pessoas ao inimigo, minta à vontade.
9º - Não cobiçar a mulher do próximo. Porém discutir com ela que não devia cobiçá-la,  pode.
10º- Não cobiçar as coisas alheias. Mas se as alheias forem tuas porque foram de ti roubadas,  legítima é tua cobiça.
Enfim, os Dez Mandamentos com as conjunções adversativas são possíveis, factíveis e justos. Nada mais legal, dos gregos até os mais jovens. 

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