Jornal GGN - É ato político escolher qual ilícito
será investigado e qual receberá a atenção do público. E neste cenário,
"nada é mais valioso do que determinar a agenda e eleger quem será
lavado em público a cada ciclo noticioso". A opinião é de José Roberto
de Toledo, em coluna no Estadão.
"Nos dias em que deveria desvendar os miúdos e graúdos do poder
brasiliense, a Lava Jato foi muito mais notícia pelas críticas que
recebeu do que pelos fatos que revelou. Não sem motivo. Os
investigadores se esmeraram em atravessar a rua para escorregar em
cascas de banana", completou o jornalista.
Ainda, destacou o fato do ápice da Operação Carne Fraca, mesclada a
mais revelações de delatores da Odebrecht na Lava Jato, como um melhor
esconderijo: mais fácil ocultar na multidão do que em um porão,
escreveu.
Leia a coluna completa:
Por José Roberto de Toledo
Do Estadão
Pior do que os vazamentos seletivos só mesmo os crimes selecionados.
Num país onde esquemas ilícitos são regra, a mera escolha de qual deles
vai ser investigado e receberá a atenção do público é, por consequência,
um ato político. Na semana em que se conheceriam as delações dos
empreiteiros, os boiadeiros viraram os vilões da vez. Sai Lava Jato,
entra Lava Vaca. Hoje, nada é mais valioso na política do que determinar
a agenda – e eleger quem será lavado em público a cada ciclo noticioso.
Nos dias em que deveria desvendar os miúdos e graúdos do poder
brasiliense, a Lava Jato foi muito mais notícia pelas críticas que
recebeu do que pelos fatos que revelou. Não sem motivo. Os
investigadores se esmeraram em atravessar a rua para escorregar em
cascas de banana. Fizeram “coletiva em off” para vazar investigação
ainda sigilosa, e, ironicamente, pressionaram blogueiro para descobrir a
fonte de um outro vazamento.
Na competição pelo interesse do público, a operação “Satélites”
atingiu astros da política nacional, mas perdeu as manchetes para a
reclamação de ministro do Supremo contra vazamentos – que atribuiu à
Procuradoria Geral da República – e sua ameaça de invalidar uma seleção
de depoimentos de empreiteiros que entregam os morubixabas de Brasília.
Foi meio truco meio xeque, mas deu certo: tirou a picanha do prato dos
procuradores.
Na zoeira que mistura a podridão da Carne Fraca com o cimento
superfaturado da Lava Jato tudo vira ruído e pouco sobra de significado
concreto além da impressão genérica de corrupção geral. Nessa explosão
de fatos e versões, é muito mais fácil ocultar um indivíduo na multidão
do que em um porão. Assim, o ministro da Justiça vai escapando de ter
chamado de “grande chefe” e defendido quem seus subordinados da Polícia
Federal acusam de comandar a corrupção no Ministério da Agricultura.
Se as investigações já competem entre si pelos olhos do público, qual
a chance de mais alguém além dos diretamente interessados prestar
atenção a uma discussão técnica, aborrecida e importante como o debate
sobre se o voto para o Legislativo deve ser em lista ou nominal? Quem
ainda lembra da acusação de que o ministro-chefe da Casa Civil mandou
empreiteiros suspeitos entregarem R$ 1 milhão no escritório do amigo do
presidente? Quem ouviu falar da Carne Fria quando só se fala em Carne
Fraca?
Uns já saíram da agenda, outros nem sequer entraram. É natural que
seja assim. A atenção humana é limitada, e a capacidade de processamento
do cérebro é um milionésimo da quantidade de dados com os quais ele é
bombardeado diariamente. Ignorar e selecionar é a única alternativa para
não enlouquecer. Mas nem toda seleção é feita pelo indivíduo. Na maior
parte, é terceirizada para algoritmos do Facebook, para editores de
notícias (cada vez menos) e para suas fontes de informação (cada vez
mais).
A briga para determinar a agenda pública acaba sendo, no final das
contas, a única que importa. O atual detentor do título de campeão
mundial da modalidade é Donald Trump. Ele desenvolveu uma capacidade
imbatível de chamar a atenção e desviá-la sempre que precisa. Faz isso
várias vezes ao dia através do Twitter, de caras e bocas em “photo ops”
ou de bonecos de ventríloquo.
No Brasil, a competição pelo microfone é feroz entre policiais
federais, procuradores, juízes de primeira instância e ministros do
Supremo. Já os parlamentares, corruptores e governo preferem o silêncio.
Estimulam o ruído alheio para embaralhar a comunicação. Ao mesmo tempo,
cuidam para que a agenda que lhes é negativa perca evidência, deixe de
ser prioridade e caia no esquecimento. Soterrar é muito mais eficiente
do que censurar.
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