Mehdi Hasan, The Intercept Brasil
Você sabia que o governo Trump quase iniciou uma guerra contra o Irã no começo de fevereiro?
Talvez a demissão do Gen. Michael Flynn da função de conselheiro de segurança nacional ou os ataques on-line do presidente Trump contra a Nordstrom [loja on-line que cancelou a venda da linha de roupas da filha de Trump, Ivanka] tenham distraído você. Ou quem sabe você não tenha tomado conhecimento porque o New York Times escondeu a notícia de uma forma estranha no meio de um longo artigo sobre o tumulto e o caos no Conselho de Segurança Nacional dos EUA. O secretário de Defesa James Mattis, segundo o jornal, queria que a Marinha dos EUA “interceptasse e embarcasse em um navio iraniano em busca de armas contrabandeadas possivelmente destinadas a combatentes Houthi no Iêmen. Mas o navio estava em águas internacionais no Mar Arábico, segundo dois oficiais. O sr. Mattis, por fim, decidiu deixar a operação de lado pelo menos por enquanto. Os oficiais da Casa Branca disseram que a suspensão se deu por conta do vazamento da notícia da operação iminente.
Entenderam? A única razão para a operação ter sido suspensa (pelo menos temporariamente) e o confronto militar entre os EUA e o Irã ter sido evitado foi o que o comandante-chefe de Mattis (presidente Trump) chamou de “vazamentos ilegais”.
Exagero meu? Pergunte aos iranianos. “Embarcar em um navio iraniano é um atalho” para um confronto, disse Seyyed Hossein Mousavian, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional do Irã e aliado próximo do presidente iraniano Hassan Rouhani. Mesmo não sendo deflagrado um combate armado em águas internacionais, a República Islâmica, disse Mousavian, “retaliaria”, acrescentando que o Irã “conta com muitas opções de retaliação”.
Trita Parsi, chefe do Conselho Nacional Irano-Americano e autor do livro “Losing an Enemy — Obama, Iran and the Triumph of Diplomacy” (Perdendo um Inimigo — Irã e o Triunfo da Diplomacia), concorda. Esses atos de “intensificação” do conflito por parte do governo Trump, diz o autor, “aumentam significativamente o risco de uma guerra”.
Em um governo repleto de defensores do uso da força militar contra o Irã, desde o diretor da CIA Mike Pompeo (“Estou ansioso para revogar esse acordo desastroso com o maior patrocinador de terrorismo no mundo”) até o secretário de Segurança Interna John Kelly (“O envolvimento do Irã na [América Latina] … é motivo de preocupação”), passando pelo ex-conselheiro de segurança nacional Flynn (“Estamos colocando o Irã de sobreaviso”), alguns poucos esperavam ingenuamente que Mattis fosse o adulto responsável da festa.
O secretário de Defesa tem sido elogiado tanto por políticos quanto por especialistas: “acadêmico-guerreiro” (New York Daily News) e “marinheiro mais respeitado de sua geração” (Marine Corps Times) com “potencial para atuar como moderador” (New York Times) do comandante-chefe por ser “o anti-Trump” (Politico) e, portanto, “uma boa notícia para a ordem mundial” (Wall Street Journal).
Então por que um general aposentado dos Fuzileiros Navais como Mattis estaria disposto a provocar um conflito com Teerã por causa de um simples navio? O fato é que Mattis também é obcecado pelo Irã. Já exagerou ao chamar a República Islâmica de “maior ameaça à estabilidade e paz no Oriente Médio” e — se rebaixando ao mundo das teorias conspiratórias no melhor estilo Trump — insinuou que Teerã colaborava com o Estado Islâmico. “O Irã não é inimigo do EI,” defendeu Mattis em 2016, destacando que “o único país que não foi atacado” pelo EI “no Oriente Médio foi o Irã. Não é por acaso, tenho certeza”.
Segundo o Washington Post, nos dias que antecederam as negociações sobre o programa nuclear do Irã, “israelenses podem ter questionado a disposição de Obama para o uso de força [militar] contra o Irã. (…) Mas eles acreditaram que Mattis estava falando sério”. O general, atuando como chefe do Comando Central dos EUA, chegou a propor ataques aéreos “na calada da noite” em território iraniano, em 2011, em retaliação ao apoio de Teerã às milícias anti-EUA no Iraque — proposição que foi rejeitada por oficiais da Casa Branca preocupados com o “risco de deflagração de mais uma guerra no Oriente Médio”.
Talvez a demissão do Gen. Michael Flynn da função de conselheiro de segurança nacional ou os ataques on-line do presidente Trump contra a Nordstrom [loja on-line que cancelou a venda da linha de roupas da filha de Trump, Ivanka] tenham distraído você. Ou quem sabe você não tenha tomado conhecimento porque o New York Times escondeu a notícia de uma forma estranha no meio de um longo artigo sobre o tumulto e o caos no Conselho de Segurança Nacional dos EUA. O secretário de Defesa James Mattis, segundo o jornal, queria que a Marinha dos EUA “interceptasse e embarcasse em um navio iraniano em busca de armas contrabandeadas possivelmente destinadas a combatentes Houthi no Iêmen. Mas o navio estava em águas internacionais no Mar Arábico, segundo dois oficiais. O sr. Mattis, por fim, decidiu deixar a operação de lado pelo menos por enquanto. Os oficiais da Casa Branca disseram que a suspensão se deu por conta do vazamento da notícia da operação iminente.
Entenderam? A única razão para a operação ter sido suspensa (pelo menos temporariamente) e o confronto militar entre os EUA e o Irã ter sido evitado foi o que o comandante-chefe de Mattis (presidente Trump) chamou de “vazamentos ilegais”.
Exagero meu? Pergunte aos iranianos. “Embarcar em um navio iraniano é um atalho” para um confronto, disse Seyyed Hossein Mousavian, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional do Irã e aliado próximo do presidente iraniano Hassan Rouhani. Mesmo não sendo deflagrado um combate armado em águas internacionais, a República Islâmica, disse Mousavian, “retaliaria”, acrescentando que o Irã “conta com muitas opções de retaliação”.
Trita Parsi, chefe do Conselho Nacional Irano-Americano e autor do livro “Losing an Enemy — Obama, Iran and the Triumph of Diplomacy” (Perdendo um Inimigo — Irã e o Triunfo da Diplomacia), concorda. Esses atos de “intensificação” do conflito por parte do governo Trump, diz o autor, “aumentam significativamente o risco de uma guerra”.
Em um governo repleto de defensores do uso da força militar contra o Irã, desde o diretor da CIA Mike Pompeo (“Estou ansioso para revogar esse acordo desastroso com o maior patrocinador de terrorismo no mundo”) até o secretário de Segurança Interna John Kelly (“O envolvimento do Irã na [América Latina] … é motivo de preocupação”), passando pelo ex-conselheiro de segurança nacional Flynn (“Estamos colocando o Irã de sobreaviso”), alguns poucos esperavam ingenuamente que Mattis fosse o adulto responsável da festa.
O secretário de Defesa tem sido elogiado tanto por políticos quanto por especialistas: “acadêmico-guerreiro” (New York Daily News) e “marinheiro mais respeitado de sua geração” (Marine Corps Times) com “potencial para atuar como moderador” (New York Times) do comandante-chefe por ser “o anti-Trump” (Politico) e, portanto, “uma boa notícia para a ordem mundial” (Wall Street Journal).
Então por que um general aposentado dos Fuzileiros Navais como Mattis estaria disposto a provocar um conflito com Teerã por causa de um simples navio? O fato é que Mattis também é obcecado pelo Irã. Já exagerou ao chamar a República Islâmica de “maior ameaça à estabilidade e paz no Oriente Médio” e — se rebaixando ao mundo das teorias conspiratórias no melhor estilo Trump — insinuou que Teerã colaborava com o Estado Islâmico. “O Irã não é inimigo do EI,” defendeu Mattis em 2016, destacando que “o único país que não foi atacado” pelo EI “no Oriente Médio foi o Irã. Não é por acaso, tenho certeza”.
Segundo o Washington Post, nos dias que antecederam as negociações sobre o programa nuclear do Irã, “israelenses podem ter questionado a disposição de Obama para o uso de força [militar] contra o Irã. (…) Mas eles acreditaram que Mattis estava falando sério”. O general, atuando como chefe do Comando Central dos EUA, chegou a propor ataques aéreos “na calada da noite” em território iraniano, em 2011, em retaliação ao apoio de Teerã às milícias anti-EUA no Iraque — proposição que foi rejeitada por oficiais da Casa Branca preocupados com o “risco de deflagração de mais uma guerra no Oriente Médio”.
Mousavian está surpreso com a agressividade do secretário de Defesa: “Ele é um dos generais mais experientes dos EUA e sabe que (…) as consequências de um conflito com o Irã seriam dez vezes maiores do que as que os EUA enfrentaram no Afeganistão e no Iraque juntos”.
Mattis, na verdade, está associado a alguns dos piores crimes de guerra da invasão do Iraque. Foi ele quem deu a ordem de ataque à vila Mukaradeeb em abril de 2004 — uma decisão aprovada em apenas 30 segundos, conformeadmitiu algum tempo depois —, que matou 42 civis, incluindo 13 crianças, em um casamento no local. “Não tenho que me desculpar pelo comportamento de meus homens”, disse a repórteres.
Seis meses depois, em novembro de 2004, Mattis planejou o ataque dos fuzileiros à Fallujah que levou a cidade aos escombros, forçou 200 mil residentes a deixarem suas casas e resultou, segundo a Cruz Vermelha, em pelo menos 800 civis mortos.
Não é à toa que Mattis é chamado de “cachorro louco”. Não é à toa que suas máximas combativas (ou ”Mátsimas“) incluam ter recomendado a fuzileiros sob seu comando no Iraque que “sejam educados, sejam profissionais, mas tenham um plano para matar todos as pessoas que encontrarem“, e ter confessado a um grupo de pessoas na Califórnia que “é divertido atirar em pessoas. (…) Eu gosto de uma briga“.
É esse o tipo de “comedimento” que esperamos de Mattis? Trump foi criticado acertadamente pelo ataque ao Iêmen em janeiro que provocou a morte de um fuzileiro americano e de pelo menos 15 mulheres e crianças iemenitas. No entanto, foram o secretário de Defesa e o diretor do Estado-Maior Conjunto que convenceram o presidente neófito de que o uso de SEALs em um ataque à al Qaeda na Península Arábica seria um “divisor de águas“. Foi o belicista Mattis quem, segundo a Reuters, disse a Trump que “duvidava que o governo Obama teria sido tão ousado”. Além disso, soubemos esta semana que Mattis está cotado para receber carta branca de Trump para realizar incursões militares, ataques com drones e resgates de reféns sem necessidade de aprovação prévia do presidente. O que poderia sair errado, não é mesmo?
De acordo com Parsi, Mattis “acredita que os EUA precisam estabelecer uma posição hegemônica consistente no Oriente Médio”, e, “se seu objetivo for a hegemonia no Oriente Médio, o Irã é seu inimigo número um, já que Teerã rejeitou a Pax Americana — ainda que os EUA e o Irã compartilhem diversos interesses comuns, como a oposição ao EI”.
Ainda assim, mesmo aqueles que costumam ser mais céticos acreditaram no mito da moderação de Mattis. “Na verdade, acho que ele é quem mais se aproxima de um ‘moderado’ neste governo”, afirmou Andrew Bacevich, historiador militar conservador da Universidade de Boston e antigo crítico da política de defesa dos EUA. Fazendo mau uso de uma citação de George W. Bush, essa é a tal “intolerância branda por meio de baixas expectativas”. O secretário de Defesa pode não ser intolerante nem excêntrico como tantos outros nomeados por Trump, mas pode acabar sendo muito mais letal em longo prazo.
Lembre-se: não foram Dick Cheney ou Donald Rumsfeld que receberam a tarefa de vender o infortúnio mesopotâmico do presidente Bush à ONU em fevereiro de 2003, foi o “moderado” secretário de Defesa Colin Powell (outro general da reserva). Quem você acha que seria mais convincente para vender ao público uma futura guerra contra o Irã em nome do governo Trump? O presidente que escapou do alistamento militar ou seu secretário de Defesa condecorado? O ex-chefe da Breitbart Steve Bannon ou Mattis, o “Monge Guerreiro“, que, não nos esqueçamos, recebeu o voto de confirmação de 45 dos 46 senadores democratas?
“A guerra está mais uma vez na agenda, seja de forma intencional ou por acidente”, adverte Parsi. Então, não dos enganemos. Mattis está longe de ser uma ovelha em pele de lobo: ele é um lobo em pele de lobo. O secretário de Defesa pode ter descrito as três maiores ameaças à segurança nacional dos EUA como “Irã, Irã e Irã“, mas se o governo Trump acabar por entrar em guerra contra o Irã por conta da imprudência do secretário, as três maiores ameaças à “paz e à estabilidade do Oriente Médio” poderão acabar por ser “Mattis, Mattis e Mattis”.
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