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Por Carlos Eduardo Rebuá.
Um medo que não passa. Talvez a face mais assombrosa do medo em suas múltiplas morfologias. Possivelmente uma das descrições da iminência da morte ou dela própria.
O assassinato de Marielle Franco trouxe-nos um medo ainda não experienciado nesta escala no Brasil desses tempos, provavelmente desde os episódios de Junho, quando das reações de setores filofascistas em meio às mobilizações multitudinárias, sobretudo nos grandes centros urbanos. Um medo bastante comum nas periferias do país ou no campo, onde os apagamentos de gente, de memórias e resistências existem como um modus.
O novo medo se mostrou mais evidente ao assistir a entrevista do deputado Marcelo Freixo, também do PSOL, ao Jornal da Globo, pouco tempo após a execução de Marielle. O choro de Freixo foi como um soco. Foi um ato de verdade, porque dono de uma dignidade em extinção, principalmente na política parlamentar. Ainda assim, a sensação era a de que todos estamos perdendo. E cansados de perder, nas frentes éticas e políticas. A organização do pessimismo exaure, notadamente aqui, um país tardio em suas inserções e modelos, porém sempre célere em suas opressões contra os mesmos de sempre: favelados, mulheres, LGBTTT’s, negros, portadores de necessidades especiais, nordestinos.
A violência contra Marielle é uma dupla catástrofe. A perda de uma liderança jovem, pobre, nascida na parte do Rio que recebe tapumes para que as pessoas não enxerguem o tamanho da Maré. A morte de uma mulher negra que chegou lá, onde as altas castas residem diuturnamente. A segunda é onde se encontra exatamente o aspecto mais perverso de nossa sociedade, nascida da violência e da indiferença, com as quais estabeleceu historicamente uma relação de dependência permanente, traduzida em nosso Estado de Exceção que é de dar inveja a tantos outros apartheids.
Chamo de catástrofe da justificação esta outra, onde a ideologia do extermínio aparece sem constrangimentos e de maneira mais evidente. Morrer porque (“mereceu”, “pediu”, “não fez diferente”, “era pra morrer”, “fez besteira”) é tão aterrorizante quanto o ato covarde em si, tão covarde que sequer anunciado antes fora, que foi efetivado no meio da rua, no centro da segunda capital do país, às nove da noite.
Marielle é o Amarildo que deu certo, quando na verdade é o Amarildo que escapou, até certo ponto da travessia. O pedreiro assassinado em 2013 é o preto pobre que morto desapareceu e saiu do anonimato pelo ativismo de milhares de sujeitos: estudantes, militantes, artistas. Cláudia Ferreira, arrastada no carro da PM em 2014 não teve a mesma sorte de ambos.
Para cada uma destas mortes, noticiadas à exaustão, tivemos uma coleção de explicações, justificativas bárbaras que majoritariamente culpam a vítima pelo fim que tiveram, enquanto inocentam a vida – subsumida na cotidianeidade do caos e da tragédia – e seus proprietários, juízes das instâncias primeiras, aquelas que antecedem a chegada do processo nos tribunais de exceção. As fake news, como um necrotério discursivo, se encarregam de preparar os corpos e os prantos, terminando para nós os difíceis quebra-cabeças que se apresentam quando alguém é morto com nove tiros, sendo quatro certeiros.
E nesse esconde-esconde com o medo buscamos como um afogado busca o oxigênio aqueles que ainda sentem a experiência da perda, aqueles que ainda a anteveem; com quem podemos medrar juntos, algo que ainda não foi tirado de nós.
Um cortejo do medo. Aquilo que vimos na Cinelândia dias atrás. A despeito das energias em prol da justiça, da vontade de ocupar as ruas e não mais sair, o féretro de Marielle, como o de Edson Luís, morto em 1968 na UFRJ, parecia enterrar os sonhos de democracia dos vivos que ali insistiam em estar, nestes anos de finitude de pactos sociais e de corpos e afetos insepultos que pululam da História recente brasileira, que sempre adiou o luto e seu medo.
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Carlos Eduardo Rebuá é Professor Adjunto da UERJ [História]. Professor Adjunto Credenciado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF [PPGE], onde ministra curso sobre a vida e a obra de Walter Benjamin. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis [UCP]. Doutor em Educação pela UFF. Mestre em Educação pela UERJ. Bacharel e licenciado em História pela UFF. Pesquisador do NUFIPE-UFF [Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação]. Coordenador do Observatório de História, Educação e Cultura da UCP [HECO]. Organizador das obras “Gramsci nos Trópicos: estudos gramscianos a partir de olhares latino-americanos” (2014); “Educação e Filosofia da Práxis: reflexões de início de século” (2016), em parceria com Pedro Silva, e “Pensamento Social Brasileiro: matrizes nacionais-populares”, em parceria com Rodrigo Gomes, Giovanni Semeraro e Martha D’Angelo (2017). Dele, leia também, Hereges marxistas: similaridades e permanências, sobre Walter Benjamin e Antonio Gramsci, Sobre Sheherazades, Batmans e demônios, “Muros e silêncios: o ataque ao Charlie Hebdo em perspectiva ampliada” e “Lembrar Benjamin“, no Espaço do Leitor do Blog da Boitempo.
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