“Tiros nas imediações da rua do Matoso, na Praça da Bandeira #TirosRJ #FogoCruzadoRJ”.
Eu postei essa informação no Fogo Cruzado às 21h36 desta quarta-feira. O Fogo Cruzado
é um aplicativo que monitora a incidência de tiroteios e disparos de
arma de fogo na região metropolitana do Rio de Janeiro e ao qual venho
me dedicando nos últimos 2 anos.
Pouco depois da postagem, meu WhatsApp começou a receber mensagens.
21h51: “Mataram uma vereadora do PSOL e seu motorista agora. Rua do
matoso esquina com rua joão primeiro”. 21h52: “Tem contatos no PSOL?”.
Paralisei e pensei: “Puta merda. Só tem uma vereadora no PSOL. Não
pode ser a Marielle. Ela tava ao vivo no Facebook agora há pouco”. O
evento onde ela estava ao vivo já tinha acabado. Ela estava indo pra
casa. Acionei contatos na polícia e imprensa até descobrir que sim: era a
Marielle. Aos 38 anos, ela foi assassinada por pessoas que atiraram de
dentro de um carro que emparelhou com o dela na região central do Rio de
Janeiro. Foram ao menos nove tiros. O motorista, Anderson Pedro Gomes,
também foi morto. Uma assessora foi ferida por estilhaços e socorrida.
Essa é a terceira vez que eu notifico um tiro no Fogo Cruzado e ele
atinge uma pessoa que eu conheço. Duas delas morreram. Duas delas eram
da Complexo da Maré.
Vocês já foram em velórios de gente assassinada? É horroroso. Os gritos de dor, os clamores por justiça. Justiça que raramente chega.
Conheci Marielle pouco depois que me mudei pro Rio, há quase uma
década, na mesma Maré onde ela nasceu – e da qual se orgulhava –,
primeiro lugar onde trabalhei e onde fiquei por cerca de 3 anos. Ela já
trabalhava dando suporte a vítimas de violência. Trabalho que ela
começou a fazer após perder uma amiga, vítima de bala perdida, num
tiroteio entre policiais e traficantes na Maré.
Quando Marielle decidiu se candidatar ao cargo de vereadora na cidade
do Rio, não tive dúvidas: era dela meu voto. Conhecia a pessoa,
acompanhava seu trabalho há anos. Sequer hesitei. Lembro do dia da
apuração dos votos, amigos na Lapa, celular na mão, atualizando
sistematicamente o aplicativo do TSE. Marielle bateu 5 mil, 6 mil, 10
mil, 15 mil votos. Era inacreditável. Foi a 46 mil votos. Uma votação
histórica. Uma coisa raríssima: uma mulher negra, moradora de favela
eleita vereadora no Rio.
Me lembro que sua primeira medida foi propor um projeto para que as
creches municipais atendessem também à noite. Ela sabia a hora que mães
periféricas chegavam em casa. Pensei: “valeu meu voto”.
Marielle se foi. Sabe quantas fotos de Marielles mortas eu vejo todos
os dias? Dezenas, de todos os ângulos, compartilhadas pelas redes,
imagens com legendas como “toda furada”. A banalidade do mal. Por causa
do trabalho eu vejo corpos – ou pedaço de corpos – diariamente, nesse
Rio de Janeiro ocupado, usado por gente como os políticos que decidiram
intervir nele militarmente apenas como cavalo de batalha eleitoral.
38 anos. Minha idade. Marielle tinha muita vida pela frente. Vai
fazer muita falta. Falta para família, amigos, para a política do Rio de
Janeiro.
Sigamos. Por Marielle.
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