seg, 26/03/2018 - 07:04
Atualizado em 26/03/2018 - 07:13
Fascismo com a complacência nacional
por Aldo Fornazieri
O assassinato da vereadora Marielle Franco e os ataques à
caravana de Lula pelo Sul do país não deixam dúvidas de que o Brasil
vive um contexto político no qual há a presença de grupos fascistas
organizados, violentos e que adotam táticas terroristas para se imporem.
Não resta dúvida também que os eixos articuladores desses grupos
terroristas são os apoiadores da candidatura de Bolsonaro, da
candidatura de Flávio Rocha, de grupos de ruralistas, de movimentos como
o MBL e o Vem pra Rua e que contam com apoio institucional em setores
do Judiciário e em setores dos partidos políticos governistas e de
parlamentares e até de senadores, como é o caso de Ana Amélia Lemos.
O
mais grave de tudo isto é que estes grupos fascistas, violentos e
terroristas contam com a complacência da grande imprensa, de partidos
ditos de centro como o PSDB, da OAB, do governo Temer, das presidências
da Câmara e do Senado, da presidência do STF e de alguns candidatos à
presidência da República. Afinal de contas, não se ouviu nenhuma dessas
vozes condenar a violência contra a caravana.
Cabe
perguntar: onde estão os editoriais dos grandes jornais contra a
violência que atingiu a caravana de Lula? Jornais que sempre foram
ávidos a cobrar posições das esquerdas contra atos esporádicos de
violência de militantes... Será mero acaso que os grandes jornais deram
generosos espaços, no fim de semana, a generais golpistas, a exemplo do
general Antônio Hamilton Martins Mourão?
Por
que a OAB, a presidência da República, a presidência do STF, as
presidências das Casas Legislativas, o Ministério da Justiça, o
Ministério da Segurança Pública e o Ministério Público Federal não se
pronunciaram até agora? Por que o "democrata" Fernando Henrique Cardoso
silencia ante esses ataques fascistas? Por que os pré-candidatos Alckmin
e Rodrigo Maia não emitem nenhuma palavra sobre essa violência
política? Onde estão todos? Estão com medo? São coniventes? Ou são
cúmplices? É preciso advertir esses emudecidas personagens acerca de que
esse silêncio conivente de hoje poderá proporcionar que amanhã também
se tornem vítimas dessa violência fascista.
O
PT e os democratas precisam pressionar essas autoridades e esses
representantes políticos para que se pronunciem sobre esta violência
fascista. Ou eles se manifestam e adotam atitudes ou a história os
cobrará amanhã acerca do seu covarde silêncio. Esses grupos e dirigentes
políticos, na verdade, abrigaram o fascismo nascente no processo do
golpe que derrubou a presidente Dilma. Desmoralizados, porque muitos
deles se revelaram moralistas sem moral, envolvidos em graves casos de
corrupção, se acovardaram e, agora, por falta de coragem, por covardia
ou por cumplicidade se calam ante a escalada de violência fascista que
poderá mergulhar o Brasil numa guerra civil.
Guerra
civil sim, porque esses grupos fascistas e terroristas estão caminhando
rapidamente para o paramilitarismo. Os defensores da democracia não
podem assistir passivamente a escalada de violência desses grupos. Antes
de tudo, precisam organizar a sua autodefesa porque, como foi visto em
São Miguel do Oeste (SC), as polícias tendem a ser coniventes com esses
grupos terroristas.
Em
segundo lugar, é preciso cobrar do governador de Santa Catarina um
esclarecimento acerca da passividade da polícia em face da violência
desses grupos. Em terceiro lugar, é preciso levar a senadora Ana Amélia
Lemos à Comissão de Ética do Senado por apoiar e estimular a violência
política. Em quarto lugar, é preciso promover uma ampla campanha de
esclarecimento da opinião pública acerca desses grupos violentos e
criminosos. Em quinto lugar, como já sinalizou a presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, é necessário fazer uma ampla denúncia internacional
acerca da existência desses grupos fascistas e acerca da conivência das
autoridades para com os mesmos.
Por
outro lado, já passou da hora de Lula, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e
Manuela D'Ávila se reunirem para divulgar um manifesto conjunto em
defesa da democracia, da liberdade e da justiça e de condenação da
violência política e social que graça pelo país. Se não é possível
construir uma candidatura de unidade do campo progressista, os
candidatos precisam mostrar uma unidade de propósito neste momento grave
do país: a luta para defender a democracia que não temos.
Ação fascista: mentiras, violência e covardia
Esses
grupos fascistas brasileiros, que proliferaram nos últimos anos, não
fogem à tipologia clássica de ação dos movimentos totalitários já
mapeada e descrita por vários estudiosos, notadamente por Hannah Arendt.
Grupos e movimentos totalitários, quando ainda não estão no poder, se
ocupam, fundamentalmente, da propaganda dirigida a pessoas externas aos
mesmos visando convencê-las. A característica principal dessa propaganda
é a mentira. O contemporâneo fake news foi largamente utilizado
pelos nazistas e, em escala menor, pelos fascistas de Mussolini. Não há
nenhuma novidade nisto. As mentiras monstruosas que esses movimentos
propagam visam entreter o público para convencê-lo e para aliviar as
pressões críticas sobre si mesmos.
Aqui
no Brasil, recentemente, viu-se como o MBL e outros grupos agiam no
processo do golpe. Mentiam sobre a corrupção do governo Dilma enquanto
se aliavam e apareciam em público com os maiores corruptos do país:
Eduardo Cunha, Aécio Neves e outros. Aliás, Aécio e o PSDB patrocinaram
esses grupos. Eles mesmos são integrados por corruptos e, geralmente,
por indivíduos enredados em teias criminosas. E mentem de forma
impiedosa e criminosa sobre Marielle quando esta não pode mais
defender-se.
Se,
externamente, esses grupos se dedicam a propaganda, internamente seu
objeto é a doutrinação. Notem o que diz Arendt: "Se a propaganda é
integrante da 'guerra psicológica', o terror é-lhes ainda mais
inerente". Foi usado em larga escala pelos nazistas, que definiam o
terror como "propaganda de força". Arendt adverte que ele aumentou
progressivamente antes da tomada do poder por Hitler "porque nem a
polícia e nem os tribunais processavam seriamente os criminosos da
chamada Direita". Qualquer semelhança com o que temos hoje no Brasil não
é mera coincidência.
Crimes
contra indivíduos, ameaças e ações violentas contra adversários
caracterizam a propaganda e o terror desses grupos. Tem-se aí o
assassinato de Marielle e de outros líderes sociais e comunitários e a
violência contra a caravana de Lula. Temos a violência verbal nas redes
sociais que também é uma forma de propaganda. Não é possível subestimar
esses atos, pois englobam elevado perigo num mundo anômico e num país
com as instituições destruídas. Todos esses atos, essa violência, esse
terrorismo, têm o mesmo pano de fundo: o crescimento do fascismo no
Brasil.
Se
a primeira característica desses grupos é a mentira, se a segunda é a
violência, a terceira é a covardia. Geralmente praticam a violência
contra vítimas indefesas. Veja-se a suprema covardia no assassinato da
Marielle. A covardia da tocaia na execução de líderes sem-terra, líderes
indígenas e militantes ambientalistas. Os agroboys covardes que
atacaram a caravana de Lula agrediram mulheres, inclusive uma mulher que
está em tratamento de câncer e que estava com seu filho de dez anos.
São esses covardes que a igualmente covarde senadora Ana Amélia Lemos
exalta. É preciso detê-los. Detê-los com a militância nas ruas, a
exemplo dos atos de protesto contra a execução de Marielle, a exemplo
dos professores paulistanos e exemplo de tantos enfrentamentos pelo
Brasil. Detê-los com as candidaturas de Ciro, de Boulos e de Manuela. E é
preciso detê-los com a candidatura de Lula até o fim.
Aldo Fornazieri - Professor de Sociologia e Política (FESPSP).
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