O cenário de intolerância e incapacidade de diálogo que constatamos hoje na sociedade brasileira é um sério sinal de debilidade do nosso sistema político
Se pensarmos que estamos há 34 anos do fim da ditadura militar e há
29 anos da primeira eleição direta para a Presidência da República é
preocupante observar que a nossa democracia já aparenta cansaço e
desmotivação. O exercício da democracia pressupõe participação efetiva,
ou seja, cidadãos livres que se engajam no debate público, alinhando-se a
este ou aquele partido político, que tentará colocar em prática suas
ideias ao alcançar o poder. Para isso, são necessários cidadãos livres, partidos políticos, ideias...
Não são cidadãos livres aqueles que não possuem as condições mínimas
de sobrevivência: moradia e alimentação. Calcula-se que o déficit
habitacional no Brasil chegue a mais de 6 milhões de famílias — e a
insegurança alimentar atinge cerca de 52 milhões de brasileiros. Também é
muito difícil ser um cidadão livre quem não teve acesso à educação
formal, chave que abre as portas de um conhecimento mais sofisticado do
mundo. Segundo o Instituto Paulo Montenegro, 27% da população brasileira
é analfabeta funcional.
Partidos políticos, ou seja, agremiações que possuem um programa, com
o qual os eleitores se identificam e que, portanto, os representam
ideologicamente, na prática inexistem no Brasil. Segundo recente
pesquisa CNI/Ibope, metade dos entrevistados não demonstra simpatia por
nenhum partido existente — 19% citaram o PT, 7% o MDB e 6% o PSDB. Para
72% dos entrevistados o voto é dado ao candidato, independentemente da
sigla à qual ele esteja filiado.
Ideias ninguém as têm. Os políticos brasileiros defendem interesses,
não ideias. Segundo resultado da pesquisa CNI/Ibope, mais importante de
tudo é que o candidato de predileção acredite em Deus — fato importante
para oito em cada dez eleitores... Nesse sentido, a retórica, sempre
vazia, tornou-se uma espécie de roupa que os políticos vestem para se
apresentar nos palanques. Dependendo do público, usam um ou outro
discurso — que serve, apenas, para iludir as massas.
A falta de partidos fortes, que defendam ideias claras, oferecendo
soluções racionais para problemas objetivos, empurra nossa política para
o colo de líderes personalistas — como o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que, mesmo condenado a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, detém 36% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha. Ou para o colo de salvadores da pátria, como o deputado fascista Jair Bolsonaro — segundo colocado nas intenções de voto, com 18%.
Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso anda à caça
de alguém que possa cumprir o papel de messias tucano, já que ele não
acredita que seu candidato, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
consiga decolar nas eleições. Já foram insufladas, sem êxito, as
candidaturas do fanfarrão prefeito de São Paulo, João Dória, do apresentador de televisão da Rede Globo Luciano Huck, e mais recentemente do milionário empresário Flávio Rocha...
O grande perigo para a existência da democracia é o ressentimento, a
humilhação, a desesperança — sobre esse tripé alicerçaram-se os
fascismos de direita e de esquerda que varreram o mundo na primeira
metade do século XX. E o cenário de intolerância e incapacidade de
diálogo que constatamos hoje na sociedade brasileira é um sério sinal de
debilidade do nosso sistema político.
Termino essa coluna com as palavras do grande escritor gaúcho Erico
Veríssimo, que em um livro escrito para o público norte-americano,
afirmava, há exatos 73 anos atrás: “O povo brasileiro (...) observava o
jogo de seus políticos. Às vezes, seguia-os em muitas campanhas,
enganado por promessas de sérias reformas no mundo político. Não raro,
os brasileiros tomavam parte em revoluções, lutando pelos ideais
expressos nos discursos de seus líderes. Mas logo se desiludiam outra
vez porque esses mesmos políticos idealistas a quem haviam guindado ao
poder ao preço de seu suor, sangue e lágrimas provavam ser tão egoístas,
gananciosos e imerecedores de confiança quanto os antigos. E assim a
indiferença e apatia — esses venenos que invadem o sangue dos
brasileiros com tanta facilidade — tendem a ser o estado de ânimo
natural de meu povo”.
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