Estudo
abrangente dos mares revela: em 60 anos, zonas costeiras sem oxigênio
multiplicaram-se por dez. Além da vida marinha, fenômeno ameaça meio
bilhão de pessoas. Há soluções — bloqueadas pelo poder econômico
Por Damian Carrington | Tradução: Inês Castilho
As
zonas mortas no oceano, com zero oxigênio, quadruplicaram em tamanho
desde 1950, enquanto o número de locais com muito pouco oxigênio perto
das costas cresceram dez vezes, alertou um novo estudo científico
publicado no início de fevereiro. A maioria das espécies marítimas não
consegue sobreviver nessas zonas e a tendência atual levaria à extinção
em massa no longo prazo, arriscando causar consequências terríveis para
centenas de milhões de pessoas que dependem dos mares para viver.
As mudanças climáticas
causadas pela queima de combustível fóssil são a causa da desoxigenação
em larga escala, pois águas mais quentes retêm menos oxigênio. As zonas
mortas costeiras são consequência de fertilizantes e esgoto que correm
da terra para o mar.
O estudo, publicado na revista Science,
é a primeira análise abrangente dessas áreas e afirma: “Grandes eventos
de extinção na história da Terra foram associados a climas quentes e
oceanos deficientes em oxigênio.” Denise Breitburg, do Centro de
Pesquisa Ambiental Smithsonian (Smithsonian Environmental Research
Center), nos Estados Unidos, responsável pela análise, disse: “Na
trajetória atual, é para esta situação que nos dirigimos. Mas as
consequências, para os seres humanos, de manter essa trajetória são tão
medonhas que é difícil imaginar que possamos ir tão longe.”
“Esse
problema pode ser resolvido”, disse Breitburg. “Deter as mudanças
climáticas requer um esforço global, mas mesmo ações locais podem ajudar
a evitar a redução de oxigênio.” Ela apontou a recuperação da Baia
Chesapeake, nos EUA, e do rio Tâmisa, no Reino Unido, onde melhores
práticas agrícolas e de saneamento levaram ao desaparecimento de zonas
mortas.
Contudo, o professor Robert Diaz, do Instituto Virginia
de Ciência Marinha (Virginia Institute of Marine Science), revisor do
novo estudo, disse: “Neste momento, a crescente expansão de zonas mortas
costeiras e o declínio de oxigênio no mar aberto não são problemas
prioritários para governos em todo o mundo. Infelizmente, será
necessário ocorrer severa e persistente mortalidade de peixes para que
tomem consciência da falta de oxigênio.”
ÁREAS OCEÂNICAS MORTAS (MENOS DE 2mg DE OXIGÊNIO POR LITRO
[Em laranja, as áreas costeiras mortas; em azul as áreas mortas em mar aberto]
Os
oceanos alimentam mais de 500 milhões de pessoas, especialmente em
países mais pobres, e proporcionam trabalho para 350 milhões. Mas no
mínimo 500 zonas mortas foram localizadas até agora perto das costas,
contra menos de 50 em 1950. A falta de monitoramento em várias regiões
significa que o verdadeiro número pode ser muito maior.
O
mar aberto tem naturalmente áreas de baixo oxigênio, em geral na costa
oeste dos continentes devido à forma como a rotação da Terra afeta as
correntes oceânicas. Mas essas zonas mortas expandiram-se
dramaticamente, aumentando milhões de quilômetros quadrados desde 1950,
em área praticamente equivalente à da União Europeia.
Além disso,
está caindo o nível de oxigênio em todas as águas oceânicas, com 2% –
77 bilhões de toneladas – sendo perdidos desde 1950. Isso pode reduzir o
crescimento, prejudicar a reprodução e aumentar as doenças, alertam
cientistas. Ironicamente, águas mais quentes não apenas retêm menos
oxigênio como também levam organismos marinhos a respirar mais rápido,
usando mais oxigênio.
Há também perigosos mecanismos de feedback.
Micróbios que proliferam em níveis muito baixos de oxigênio produzem
muito óxido nítrico, um gás de efeito estufa que é 300 vezes mais
potente que o dióxido de carbono.
Em regiões costeiras, a poluição por fertilizantes, excrementos animais e água de esgoto causa a
floração de algas, e quando elas se decompõem o oxigênio é sugado para
fora d’água. Em alguns lugares, contudo, as algas podem gerar mais
alimento para os peixes e aumentar a captura perto das zonas mortas.
Isso pode não ser sustentável, disse Breitburg: “Preocupa muito que
estejamos mudando o modo como esses sistemas funcionam, o que pode levar
à redução de sua resiliência global.”
O novo estudo foi produzido por um grupo de trabalho internacional criado em 2016 pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco.
Kirsten Isensee, membro da comissão, disse: “A desoxigenação do oceano
está acontecendo em todo o mundo como resultado da pegada humana; é
necessário, portanto, que a enfrentemos globalmente.”
Lucia von
Reusner, diretora de campanha do grupo Mighty Earth (Terra Forte, em
tradução livre), que recentemente estabeleceu uma ligação
entre a zona morta do Golfo do México e a produção de carne em larga
escala, disse: “Essas zonas mortas continuarão a expandir-se, a menos
que as grandes indústrias de carne que dominam o sistema agrícola global
comecem a limpar sua cadeia de fornecedores, de modo a manter a
poluição fora de nossas águas.”
Diaz observou que a velocidade da
asfixia dos oceanos é de tirar o fôlego: “Nenhuma outra variável de tal
importância ecológica para os ecossistemas costeiros mudou tão
drasticamente, em período tão curto, pela ação humana, como a dissolução
do oxigênio.”
A necessidade de ação urgente, disse, é bem
resumida pelo lema da Associação Americana do Pulmão (American Lung
Association): “Se você não consegue respirar, nada mais importa.”
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