ter, 06/02/2018 - 07:41
Enviado por Alfeu
do The Intercept
por João Filho
LOGO NO INÍCIO do seu primeiro mandato, Lula
questionou o excesso de autonomia do Poder Judiciário e defendeu a
existência de um controle externo. “Não é meter a mão na decisão do
juiz. É pelo menos saber como funciona a caixa-preta de um Judiciário
que muitas vezes se sente intocável”. A declaração causou grande
mal-estar entre os magistrados. Imediatamente, presidentes de tribunais
superiores e de entidades de classe dos juízes a repudiaram. Essa grande
reação corporativista é um padrão, acontece toda vez que a categoria é
criticada publicamente.
Em 2004, sob muitas críticas, foi criado o importante
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão de controle, mas a
caixa-preta do judiciário ainda segue intocável. O Brasil tem o poder
judiciário e o Ministério Público mais caros do mundo e boa parte dos
seus integrantes não quer que isso mude.
O juiz Marcelo Bretas, um dos heróis anti-corrupção
forjados nos tribunais, virou notícia esta semana ao recorrer à Justiça
para garantir o direito de sua esposa receber auxílio-moradia,
contrariando uma proibição do CNJ – criada justamente após o ministro
Fux autorizar o pagamento do benefício para toda a magistratura, e não
apenas a quem não tem residência na cidade em que trabalha.
Além de Bretas, diversos outros colegas recorreram
aos tribunais para conseguir o benefício duplo. O primeiro juiz sorteado
para julgar o pedido de Bretas, por exemplo, teve que se declarar
impedido por também ter requerido o benefício em dose dupla. A farra do
auxílio-moradia também passa pelas cortes superiores: 26 ministros
recebem o penduricalho mesmo tendo imóvel próprio em Brasília (alguns
tem mais de um imóvel).
Outro herói anti-corrupção que não abre mão de
receber o auxílio-moradia mesmo tendo casa própria a 3 km do trabalho é
Sergio Moro. O juiz se defendeu afirmando que o benefício “compensa a
falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela
lei, deveriam ser anualmente reajustados”. Ele reivindica algo que
nenhuma categoria de funcionário público tem: reajuste anual. E ainda
por cima admite que o auxílio – de caráter indenizatório e que ele mesmo
considera discutível – serve como um disfarce para compensar a falta de
reajuste salarial.
É curioso como juízes da Lava Jato, afamados pela
defesa da ética pública, se sentem à vontade para receber penduricalhos
que colocam suas remunerações acima do teto.
Em um tweet cheio de ironia e emoticons, Bretas respondeu aos que criticaram o acúmulo de benefícios.
Bretas fala nas redes como se fosse um cidadão
latino-americano, sem dinheiro no banco, que estava apenas lutando pelos
seus direitos. Acredita ser justo que ele e sua esposa recebam dos
cofres públicos um auxílio-moradia em dose dupla mesmo morando debaixo
do mesmo teto. O magistrado, que afirma ser a bíblia o livro principal
da sua Vara, considera moralmente aceitável que o Estado ajude o casal a
custear uma espaçosa residência com vista para o Pão de Açúcar em um
dos endereços mais valorizados do Rio de Janeiro.
Casa do juiz Marcelo Bretas. Reprodução
Bretas não suportou as críticas e saiu bloqueando
todo mundo no Twitter. Logo em seguida, anunciou que daria um tempo da
rede social – um espaço que ele usava com frequência, inclusive para
bater boca com políticos. Foi uma saída triunfal, comemorando 30 mil
seguidores, e ostentando um bizarro apoio da Associação dos Juízes
Federais (AJUFE).
Agradeço aos mais de 30 mil seguidores.
Findo este período de férias, informo que não usarei esta conta de Twitter pelos próximos meses.
Teremos um ano de muito trabalho ...
Até
A esperada reação corporativista veio no dia
seguinte. A Associação de Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito
Santo correu para proteger o colega dos críticos e lançou nota pública
em sua defesa. Em entrevista ao The Intercept Brasil, o presidente da
entidade afirmou que não só Bretas, mas toda a categoria está sofrendo
uma perseguição pela sua atuação nos casos de corrupção. O magistrado,
assim como Bretas, é casado com uma juíza, e também recebe o auxílio em
dobro.
As respostas da nobreza judiciária às críticas quase
sempre resvalam nesse humor involuntário. Não custa lembrar a famosa
declaração de José Renato Nalini, ex-presidente do TJ-SP e atual
secretário de Educação de São Paulo, que defendeu o pagamento do
auxílio-moradia para que juízes pudessem “comprar terno em Miami”:
Mas nem sempre a reação é motivo para risadas. Quando
a Gazeta do Povo iniciou uma série de reportagens sobre os vencimentos
dos membros do Judiciário e do MP do Paraná, revelando que a remuneração
total dos magistrados e promotores ultrapassa o teto do funcionalismo
público, entidades representativas dos magistrados e dos promotores se
indignaram em nota pública.
Mas a coisa não ficaria nisso. Pelo grave crime de
cometer jornalismo, o jornal e os repórteres que assinaram as matérias
foram alvos de uma série de ações judiciais coordenadas por magistrados
paranaenses. Foram mais de 40 ações individuais movidas em juizados
especiais com pedidos de indenização que, somados, chegam a R$1,3
milhão. Um áudio publicado pelo BuzzFeed News mostrou um juiz orientando
os colegas a iniciar a onda de processos contra os jornalistas.
A casta jurídica está sempre alerta em defesa dos seus privilégios.
A retaliação veio com requintes de crueldade: além
dos conteúdos das ações serem praticamente os mesmos, todas foram
movidas em juizados especiais – que só podem julgar causas que não
ultrapassam 40 salários mínimos. Assim, não houve possibilidade de
recursos a Cortes superiores, garantindo que os casos fossem julgados
apenas pelos tribunais paranaenses. Parte da estratégia intimidatória é o
fato das ações terem sido ajuizadas em 16 cidades do Paraná, fazendo
com que os jornalistas tivessem que viajar pelo estado para participar
das audiências. O recado para quem questionou os privilégios dos
meritíssimos foi claro: a casta jurídica está sempre alerta em defesa
dos seus privilégios.
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