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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Xadrez de Huck e o cristal trincado da Globo, por Luis Nassif.






No momento, o quadro político que se prenuncia é o seguinte

Peça 1 – o candidato da Globo

O fator Luciano Huck sempre esteve no horizonte da Globo desde as primeiras manifestações do golpe. Tinha-se claro:
·       A ampla e completa desmoralização da classe política;
·       Caminho aberto para as celebridades televisivas, fenômeno ocorrido na Itália das “mãos limpas” e nos Estados Unidos, país onde a insatisfação generalizada com a política tradicional gerou Donald Trump
No começo do processo, aventou-se o nome de Huck. Depois, ele foi prudentemente poupado. Até as eleições havia dois riscos pela frente.
Risco 1 – outro aventureiro lançar mão da bandeira anti-política
O primeiro a se lançar nos ventos da anti-política foi o prefeito de São Paulo João Dória Júnior. Não por coincidência, os dois primeiros veículos a torpedear seus factoides foram o Jornal da Manhã, da Globo, e a rádio CBN.
Risco 2 – o fator Lula
Tudo indica que a candidatura de Lula será impedida. A esta altura, o golpe já prescinde de qualquer veleidade de aparência democrática. Lula vai ser impedido porque – como diz a brilhante Rosa Weber – o poder permite que ele o seja. Simples assim. Séculos de avanço do direito, conceitos civilizatórios basilares, como o da presunção da inocência, cláusulas pétreas da Constituição, como o de ninguém ser preso antes de esgotada a última possibilidade judicial, o poder do voto, nada disso importa. Agora, não se tem nem o disfarce canhestro de “pedaladas” e quetais. É arbítrio na veia. O máximo que os 11 do Supremo ousarão será impedir sua prisão. Ou melhor, permitir apenas um ou dois dias de prisão, para sustentar a reportagem principal do Jornal Nacional.
Têm-se a favor da tese a certeza de que a única reação da população será o de aumentar o ceticismo e os votos em branco. E preparar-se para o próximo carnaval.

Peça 2 – as eleições em Lula

Sempre tenho dificuldade em entender Ciro Gomes, devido à sua enorme imprevisibilidade.
No entanto, saindo Lula, seu nome ganha peso. Em parte, devido à dificuldade do PT e do próprio Lula em indicar um nome de expressão – em que pese o poder de transferência de votos de Lula. Mas, principalmente, porque o impedimento de Lula será o ponto de corte em qualquer veleidade de eleição civilizada. A indignação de seus eleitores os levará em grande parte a procurar o candidato vestido para a guerra. E ele atende pelo nome de Ciro Gomes.
Nos últimos tempos Ciro vem ensaiando aproximação com o Ministério Público e o Judiciário, a ponto de montar uma enorme ginástica mental para se solidarizar com Lula, após a condenação pelo TRF4, sem desautorizar o tribunal. Fica claro que pretende selecionar os inimigos.
Sua estratégia será a de mirar o canhão no presidencialismo de coalizão, especialmente no PMDB e PSDB, tentando capturar para si o sentimento da anticorrupção do sistema judiciário. E se lançar com a bandeira do momento, mas temperada com veleidades sociais e propostas industrializantes.
Tem discurso eficiente para tanto. Falta controlar seu temperamento. Sua maior arma, em todo caso, será o rascunho do que será o Brasil, sob o controle final da Globo. 

Peça 3 – o que seria o liberalismo econômico de Huck

O liberalismo à brasileira poderá ser melhor compreendido na entrevista que Fernando Henrique Cardoso me deu em 2005 para o livro “Os Cabeças de Planilha”. Não tinha a menor ideia e/ou preocupação sobre políticas sociais, políticas científico-tecnológicas, papel da pequena e microempresa, desenvolvimento regional.
Lá pelas tantas indaguei, afinal, qual era seu projeto de país. E ele: fortalecer os grupos internacionalizados (leia-se, o grande capital) e eles, crescendo, levarão o país junto.
Esse simplismo assustador é o retrato desse liberalismo à brasileira.
É a face igual e oposta ao da esquerda estatista. Move-se por ideologia, sem nenhuma preocupação com resultados finais, com impactos na vida das pessoas, no emprego, no bem-estar social, no desenvolvimento.
É só conferir as medidas que implementou, de carona no governo Temer.
·       Teto de gasto, independentemente de uma análise detalhada do orçamento e das necessidades nacionais, demonstrando que a única prioridade é a preservação da solvência da divida pública, para permitir a manutenção de taxas de juro real elevadas;
·       resistência a qualquer forma de equidade fiscal, seja da ótica da receita ou das despesas públicas;
·       manutenção de taxas de juros reais elevadas; nenhum movimento para reduzir o peso da dívida pública;
·       privatização selvagem, sem a menor preocupação em analisar sistemicamente os setores afetados, como é o caso da Petrobras e Eletrobras;
·       queima de ativos nacionais que não se enquadrem em sua visão de economia, como foi o caso da industria naval e do complexo de petróleo e gás;
·       nenhuma preocupação com o ensino superior e com pesquisa e desenvolvimento;
A experiência no governo Temer mostrou também que o grupo recorre a táticas de guerra:
·       Tentativa de desmonte total da estrutura sindical;
·       Uso da prisão e do punitivismo  como instrumentos de combate às tensões sociais.

Peça 4 – a cara do liberalismo jurídico à brasileira

A eleição de Huck significaria o aprofundamento inédito do estado de exceção.
A Constituição está sendo desvirtuada, grandes negociatas avançam sem resistência, há uma truculência latente da Polícia Federal e do Ministério Público. Mas se tolera porque o governo Temer promete, em troca, o desmonte do incipiente estado de bem estar social brasileiro.
Tudo isso ainda é relativamente contido pela ilegitimidade do quadro atual, pela percepção de que o poder de Temer derivou de um golpe, e pelos 3% de aprovação do governo.
Uma eventual eleição de Huck seria o fecho final, de legitimação do arbítrio.
Hoje em dia, esse estado de arbítrio é bem representado por quatro personagens de estaturas similares, cada qual alimentando a exceção com slogans vazios, visando atingir o chamado senso comum.
No STF, o Ministro Luís Roberto Barroso, ao lado de Carmen Lúcia, um notável cultivador de frases banais, tipo “precisamos refundar o Brasil”, à altura de um Conselheiro Acácio dos tempos modernos. Ele é uma espécie de Kim Kataguiri do Judiciário; ou Kim é um Barroso das redes sociais.
Ainda nesse campo dos estereótipos conservadores, Deltan Dallagnol é a melhor síntese do punitivismo misturado com o redentorismo religioso.
Finalmente, um personagem menos conhecido, mas expressão notável desses tempos sombrios, o procurador da República de Goiás Ailton Benedito que, entre outros feitos, proclamou que o nazismo é um regime socialista.
Ele foi Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em Goiás, notabilizando-se pelo combate aos direitos das pessoas com deficiência, por ter investigado banheiros unissex e intimado o Itamaraty a investigar a cooptação de jovens brasileiros pelo regime da Venezuela. Descobriu, depois, que a tal cooptação não passava de uma convocação do governo venezuelano a jovens da Vila Brasil, em Caracas.
No ano passado, Ailton foi eleito pelos colegas Procurador-Chefe da Procuradoria da República, em Goiás. Vale a menção a ele apenas por representar um tipo hoje hegemônico no MPF.
Os quatro têm em comum uma profunda ignorância histórica, um enorme descomprometimento com os avanços civilizatórios dos últimos séculos. O paradoxo de Barroso, de esposar todas as teses anti-iluministas e se autoproclamar um arauto do iluminismo valeu-lhe um epíteto campeão, da parte do jurista Conrado Hubner: o Príncipe dos Ilusionistas.
Participa desse jogo a Procuradora Geral da República Raquel Dodge. No final do ano, ela e Barroso foram os principais adversários de uma das raras prerrogativas constitucionais do Presidente da República: o indulto de Natal.
Diz o artigo 84 da Constituição:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...) XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
A pretexto de que o indulto poderia beneficiar réus da Lava Jato, impediram que centenas de presos, muitos deles condenados a penas injustas, pudessem se beneficiar do indulto. E definiram amplamente um dos princípios do Estado de Exceção: criar uma categoria de presos sem os direitos dos demais. Não foi apontado um réu sequer da Lava Jato que pudesse ter sido beneficiado pelo indulto.
Dentro da complexidade do golpe, fica cada vez mais nítida a montagem de um dos pilares centrais do jogo: a aliança Globo-mercado-Judiciário-MPF.

Peça 5 – as perspectivas de Huck

De qualquer modo, mesmo tendo o poder da Globo por trás, será um desafio fazer a candidatura Huck alçar voo.
Os recentes tiros que levou, em cima do financiamento obtido junto ao BNDES para a compra de helicópteros, dão uma ideia das dificuldades que terá pela frente. A notícia foi um furo do Tijolaço, mas repercutido da Folha à Zero Hora de Porto Alegre demonstrando, pelo menos nesse início, a dificuldade da Globo em montar uma frente midiática em torno de um projeto que poderá ampliar ainda mais seu poder. Com a crise dos demais grupos, da Abril ao Estadão, passando pela Folha e redes de TV, percebe-se que a concentração de poder na Globo é uma ameaça aos demais grupos.
Por outro lado, o fator Huck desestabiliza completamente a estrutura partidária, do PMDB ao PSDB, cristianizando o candidato Geraldo Alckmin. Será maus uma frente de desgaste.
Além disso, a desastrada operação JBS trincou a aura de onipotência da Globo.
No final do governo Collor, Octávio Frias Filho produziu um editorial de primeira página que, pela primeira vez, mostrou que o tigre da presidência tinha pés de barro. E enfrentando o mais imperial dos presidentes brasileiros.
Agora, o mais desacreditado dos presidentes brasileiros, o minúsculo Michel Temer, o suspeitíssimo Temer, o mais impopular presidente da história, saiu incólume da investida da Globo e da Procuradoria Geral da República, no episódio da JBS, simplesmente manobrando os instrumentos de poder da Presidência, algo que Dilma Roussef jamais ousou experimentar. E ainda se permite contar prosa para os colegas sobre o encontro que teve com João Roberto Marinho no Palácio.
Começa a conversa, e Marinho indaga:
- Bom, Presidente, soube que está chateado conosco. O que o senhor teria a dizer?
E Temer, o poderoso:
- Nada. Você é que tem a dizer, pois foi quem pediu a audiência.

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