Bomba Semiótica!, por Wilson Ferreira
Resposta à postagem "Bomba Semiótica?" de Fernando Horta
O articulista Fernando Horta consegue identificar bombas
semióticas como um fenômeno recorrente ao longo de praticamente toda a
História: foi a fotografia de 1972 de uma menina vietnamita coberta por
napalm; foi a publicação em 1952 do romance A Cabana do Pai Thomas.
Foram também “bombas semióticas” os poemas do alcunhado “Boca do
Inferno, Gregório de Matos. E, mais distante no tempo, a “Divina
Comédia” de Dante, segundo Horta, “A maior bomba semiótica do século
XIV”.
Todo esse esforço de memória para comprovar que “bombas
semióticas” não foram “invenções pós-modernas” e que “a arte do protesto
semiótico” é uma “carroça que não pode ser colocada na frente dos
bois”, isto é, “a semiótica não pode ser colocada na frente do
material”.
Fernando Horta é egresso da área da História e Relações
Internacionais. Por isso, é mais um cientista que comprova a dificuldade
ainda hoje da Comunicação ser reconhecida como uma ciência por seu
objeto e métodos. Em outras palavras, a dificuldade em identificar a
especificidade do objeto e conceitos da Comunicação: ora, se tudo é
comunicação e ela existe desde as primeiras pinturas rupestres em
cavernas, logo a comunicação não existe como fenômeno específico – todas
as outras ciências podem dar conta dela.
Se bombas semióticas existem como “protesto semiótico”
desde, talvez, tempos imemoriais, logo elas não existem como fenômeno
materialmente determinado como os fatos políticos e econômicos. Ela é a
carroça que tem que ficar atrás dos bois: os fatos históricos concretos e
determinados.
Politização da Semiótica
Paradoxalmente, “Bomba Semiótica” não é conceito
propriamente semiótico. É uma politização da Semiótica na medida em que
os seus conceitos são atualmente aplicados na chamada “Engenharia de
Opinião Pública”. Como acompanhamos desde o momento em que o Brasil
tornou-se alvo da Guerra Híbrida do Departamento de Estado dos EUA e
entrou na turnê das “primaveras” que pipocaram pelo planeta.
Não. Não foram “pós-modernos” que a criaram, mas a Social Engineering da Guerra Híbrida com a sua infernal articulação entre ONGs, spin doctors, paid experts, grande mídia e técnicas de ação direta nas ruas, como testemunhamos desde as “Jornadas de Junho” de 2013.
“Bomba semiótica” foi uma alegoria, que se tornou
conceito, criada pelo Cinegnose desde 2013, quando este humilde
blogueiro iniciou uma espécie de crônica de 51 postagens acompanhando
como as ações diretas dos “protestos” nas ruas se articulavam como uma
cobertura midiática na qual repórteres iam a campo com uma pauta
pré-determinada para enfiar à fórceps os fatos às expectativas dos
“aquários” das redações - clique aqui.
Como Fernando Horta defende, não devemos colocar
carroças adiante dos bois. Bomba semiótica não surgiu como um protesto
mas uma deliberada ocupação do campo semiótico (ou “simbólico”, como
queiram) da sociedade pela Guerra Híbrida norte-americana e pelas buchas
de canhão da direita brasileira – MBL e congêneres.
Bomba semiótica é um fenômeno determinado no tempo e no
espaço. Sua eficiência, ou seu “meio material”, se dá porque seu poder
explosivo está na atual cultura midiática viral – explode por contágio
em uma, por assim dizer, semiosfera marcada pelo tempo real das redes.
Bem diferente da foto da garota vietnamita, em um
contexto da cultura midiática publicitária de fotos-choque e
fotos-sedução em meios de comunicação de massas, ainda marcada como
instrumento de doutrinação – seja política ou de consumo.
E muito diferente de “Cabana do Pai Tomás” ou poemas de
Gregório de Matos, de uma era da cultura tipográfica na qual a maioria
era analfabeto.
Cultura Midiática Viral
Até esse momento, bombas semióticas nada tiveram a ver
com “protestos”. E nem elas são fenômenos isolados como uma fotografia,
livros ou poemas. São instrumentos de um esforço coordenado e amplo de
conquista de corações e mentes pela ocupação do campo midiático pela
atual tática de guerra híbrida (ação direta + ocupação semiótica).
Se não, consideraríamos, por exemplo, “O Capital” de
Karl Marx a maior “bomba semiótica” do século XIX que mudou a face
política do século XX.
E muito menos a atual estratégia das bombas semióticas
tem paralelo com as ações coordenadas na mídia implementadas pelo
complexo IPES-IBAD (com apoio logístico e de inteligência dos EUA) para
desestabilizar João Goulart (1962-64) e desfechar o golpe militar.
Naquele momento, as ações coordenadas na TV, cinema e mídia impressa
seguiram a receita hipodérmica da repetição de slogans para doutrinação
de massas.
Assim como, ainda, as ações políticas da esquerda
respiram essa atmosfera de protestos de rua com palavras de ordem,
bordões e slogans repetitivos.
Bomba semiótica é um fenômeno de ocupação e intervenção
política novos, em sintonia com a cultura midiática viral: ela não visa a
propaganda doutrinária, mas a contaminação viral pelo pânico, boatos,
rumor, fake news e assim por diante.
Por isso, buchas de canhão como Kim Kataguiri ou
Alexandre Frota não precisam e não querem interlocutores. Aliás, o
oponente é mera escada para eles “falarem” com as massas por meio da
provocação mediante a criação de um acontecimento – o “acontecimento
comunicacional”, o resultado final da explosão da bomba semiótica. Não
há um esforço para convencimento ou persuasão, mas de criar repercussão e
“agendamento” – de “agenda setting”, a estratégia de eventos midiáticos
criarem pautas para conversas interpessoais ou nas redes.
Em termos mais diretos, enquanto a esquerda está no
paradigma do humor de bordões repetitivos da “Escolinha do Professor
Raimundo”, EUA e as buchas da direita estão no humor do “Porta dos
Fundos” que faz parodias de temas virais.
Se não, o que dizer da galhofa do MBL ao defender William Waack: “pelo direito de ser racista entre os amigos!”...
Por isso, a repercussão do desfile da escola Paraíso
Tuiuti ainda não foi uma bomba semiótica, mas uma prova da
potencialidade de uma ocupação do campo semiótico também pelas
esquerdas. De lutar no mesmo campo.
Carros e bois
E para encerrar, a dualidade descrita por Fernando Horta
entre “carroças” e “bois” ou entre Semiótica e a realidade material dos
protestos de rua faz lembrar a velha dualidade da leitura ortodoxa do
marxismo entre infraestrutura dos meios e relações sociais de produção e
a superestrutura ideológica.
Ocupação do campo semiótica pela esquerda nada tem a ver
com isso. Tal ação política implicaria em ações simultâneas como já foi
comprovando com ações de ativistas políticos envolvendo táticas de
“media prank” e “culture jamming” – sobre isso clique aqui.
Durante as ocupações de escolas públicas em 2015 em São
Paulo, estudantes secundaristas começaram a ocupar simultaneamente
diferentes cruzamentos da cidade. Ao mesmo tempo em que recusavam a dar
entrevistas à grande mídia. O que criou um “jamming” tanto midiático
quanto na logística da ação repressiva policial. Enquanto isso, os
jovens secundaristas (cujo conceito de TV aberta ou mídia de massa nada
significam, como atestou esse humilde blogueiro em uma aula dada numa
das escolas ocupadas – clique aqui) partilhavam fotos e mensagens nas redes sociais.
Ocupação de ruas, escolas, praças etc. de nada adiantam
sem uma correlata ocupação do campo semiótico da sociedade – têm que se
converterem em “acontecimentos comunicacionais”.
Tuiuti nada tem a ver com gente que cria “teorias
maravilhosas” e bate palmas para “pobres” que fazem aquilo que
deveríamos fazer. Tuiuti foi apenas a evidência de um campo de ocupações
e luta política potencial que se abre: a esquerda criar sua própria
estratégia de detonação das bombas semióticas criadas por ela mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário