Peça 1 – a volta previsível do poder militar
A saída pela via militar estava prevista desde o início do
impeachment. E a peça central sempre foi o general Sérgio Etchgoyen,
nomeado para Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI).
Em 07/05/2016, o “Xadrez do governo Temer e o fator militar”
(...) Com o vale-tudo corporativo
instituído, começam a aparecer os planos de devolver algum protagonismo
político às Forças Armadas, a exemplo do ativismo atual do MPF, do TCU e
das demais corporações de estado. Com a diferença que se trata de uma
corporação armada.
(...) Consumado o golpe, Michel Temer
assumiria a presidência em um quadro de ampla instabilidade política,
agravado pela perda de seu mais eficiente operador, Eduardo Cunha.
Não haverá como se apresentar à
opinião pública com um ministério de notáveis. Por outro lado, para dar
conta dos compromissos firmados com o mercado, terá que recorrer a
medidas fiscais drásticas, ampliando a reação dos movimentos sociais e o
mal-estar geral. E não terá recursos para manter os programas de
renovação das Forças Armadas.
É aí que se junta a Peça 3 com a Peça
2: identificação de um novo inimigo interno e externo que justificasse a
volta do protagonismo político.
(...) Quem está à frente dessas
articulações é o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Estado Maior do
Exercito Brasileiro e de uma família que faz parte da própria história
do Exército.
O meio campo com o governo Temer está
sendo articulado pelo filósofo Denis Rosenfield, articulista do Estadão
e colaborador do Instituto Milenium. Denis é amigo de Etchegoyen,
provavelmente devido à mesma origem gaúcha, foi indicado assessor de
Temer e há indícios de que mantem contatos com governos estrangeiros.
No dia 22 de abril, por exemplo,
encontrou-se com Etchegoyen no Centro Brasil 21, em Brasília. Dois dias
antes, a pedido de Etchegoyen, agendou jantar na residência do general
com os comandantes da Marinha e da Aeronáutica. A intenção era montar
uma frente que forçasse Temer a assumir compromisso de nomear um militar
para o Ministério da Defesa. O indicado seria o general Joaquim Silva e
Luna, Secretário Geral do Ministério do Exército.
Além disso, se tentaria arrancar de
Temer o compromisso de assegurar a permanência dos comandantes em seus
postos, recriar o Gabinete de Segurança Nacional, sob a chefia do
general Etchegoyen, e colocar Denis na Secretaria de Comunicação da
Presidência. Para o lugar de Etchegoyen iria o General Mourão, de
pensamento similar.
Em 01/07/2016, “O Xadrez da volta da doutrina de segurança nacional”
O decreto no. 8.793, de 29 de junho passado, que fixa a Política Nacional de Inteligência é o passo mais ousado nessa direção (http://migre.me/ufH0w).
Assinado pelo interino Michel Temer e
pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Sergio
Westphalen Etchegoyen, o decreto visa criar uma política para armar o
país contra ameaças trazidas por esses tempos cibernéticos e de
terrorismo.
Contempla a proteção de forças de
conhecimento nacional, medidas contraespionagem cibernética,
contraterrorismo etc. Mas confere poderes e atribuições que podem
facilmente resvalar para o autoritarismo e para o desrespeito aos
direitos humanos. E isso, em uma etapa da vida nacional de radicalização
e de instrumentalização política dos instrumentos de investigação.
Confere ao GSI e à Política Nacional
de Inteligência o poder de monitorar movimentos, manifestações, cooptar
funcionários públicos para a função de segurança e até monitorar
cientistas brasileiros no exterior.
Em 05/09/2016, o “Xadrez da volta das vivandeiras dos quartéis"
(...) Nas Olimpíadas, Temer nomeou o
GSI responsável pela segurança, atropelando os responsáveis naturais,
Ministro da Defesa ou da Justiça. O Chefe do Estado Maior conjunto
sequer foi convidado para a abertura das Olimpíadas.
A segurança foi organizada pela burocracia das Forças Armadas – acantonada em Brasília – não pelas tropas de combate.
(...) A criação de Unidades Militares
de Combate, seja na Amazônia, Haiti ou África, deixa claro o verdadeiro
papel das Forças Armadas e os malefícios advindos de sua transformação
em polícia. Há levantamentos internacionais mostrando que, nos países em
que se tornaram polícia, foram sucateadas, com os equipamentos
tecnológicos de ponta – para a defesa nacional – substituídos por
investimentos em tanques, brucutus, algemas, granadas e revólveres.
A diluição desse modelo começou com
as UPPs (Unidades de Policias Pacificadoras). No início, pareceu dar
certo no Rio, devido ao fato do Secretário de Segurança José Mariano
Beltrame ser da PF e respeitado por ela. Ainda no governo Dilma, houve
financiamento do governo federal e a parceria com o Exército.
O Exército burocrático gostou, porque
dá visibilidade, nome e prestígio à força. O Exército de combatentes –
inteligência, ciência e tecnologia – sabia que seria o início do
sucateamento, com a burocracia voltando a tomar conta.
Em 17/10/2016, “Xadrez das vivandeiras dos quartéis”
Os fatos apontam para uma tendência
cada vez maior de intervenção dos militares na vida nacional e, ao mesmo
tempo, um desprestígio cada vez maior do poder civil.
Sinais recentes:
· A entrega do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) a um militar da ativa, que passa a
frequentar o coração do governo.
· A tentativa do Ministro da
Justiça de criar a figura do inimigo interno nas manifestações e em
factoides sobre o Islã e colocar as FFAAs na repressão interna.
· O convite da presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal) Carmen Lúcia, para que as Forças Armadas
ampliem sua participação na segurança nacional.
· A criação e utilização da Força Nacional de Segurança para outros propósitos.
(...) Por tudo isso, as perspectivas atuais são as seguintes:
1. Permanece o risco da prisão de Lula, visando promover agitações populares que justifiquem o endurecimento do regime.
2. Continua baixa a probabilidade
de recuperação da economia, ainda mais com a combinação de ajuste
fiscal rigoroso e ritmo lento de queda dos juros.
3. Há uma probabilidade não
desprezível de Temer ser despojado do cargo por conta dos julgamentos do
TSE e pela desmoralização contínua de seu governo.
4. Persistirá a tendência de
ampliação da presença dos militares no governo, ao mesmo tempo em que se
aprofunda a desmoralização do poder civil.
5. Mesmo assim, qualquer ampliação da intervenção militar viria como retaguarda para um governo civil.
Peça 2 – o pacto com as Forças Armadas
Passado o impacto inicial com o anúncio da intervenção no Rio,
começaram questionamentos fortes por toda parte. Não há um especialista
sério, em matérias de segurança, capaz de endossar essa aventura.
Nem as pessoas de bom senso nas Forças Armadas, conforme se conferiu
no depoimento ao Senador do General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas,
comandante das Forças Armadas, sobre a ocupação da Maré pelo Exército.
Além das cenas chocantes, que ele afirmou ter testemunhado, de
soldados armados circulando entre crianças e senhoras, Vilas Boas
enfatizou a falta de eficácia dessas ocupações. Foi só o Exército
abandonar o local, para tudo voltar ao quadro anterior em poucos dias.
Por tudo isso, o que está em jogo provavelmente é o seguinte.
- As Forças Armadas entraram como álibi nessa história. Houve uma intervenção civil, que o governo Temer revestiu de militar no próprio decreto de criação. Além de nomear um general para comandá-la.
- Houve um acordo formal com as Forças Armadas, para não as envolver no policiamento de rua, ocupação de territórios ou combate frontal aos criminosos.
- O papel das FFAAs será o de ajudar a fortalecer a ideia das ameaças internas e externas, permitindo ao governo avançar cada vez mais nas medidas arbitrárias.
- Em troca, haverá reforço em seu orçamento.
Peça 3 – as medidas de exceção injustificáveis
O jogo tornou-se totalmente claro com o anúncio de que o Ministro da
Defesa – um mero coadjuvante de Sérgio Echtgoyen – iria requerer
mandados coletivos de busca e apreensão no Rio, um claro ensaio à
decretação do estado de sítio.
Mal saiu a notícia de que Michel Temer pretendia aplicar mandados
coletivos de busca e apreensão no Rio de Janeiro, pelo Twitter
procuradores – em geral críticos contra os “garantistas” – levantaram
três pontos relevantes:
- A ineficácia dessa estratégia de segurança;
- Os riscos para os direitos humanos;
- A existência de uma série de dispositivos na Constituição e no Código Penal, que poderiam ser utilizados pela segurança, sem a radicalização dos tais mandados coletivos.
De Luiz Lessa, procurador da República no Rio:
Intervenção militar não é licença de
extermínio, se tal licença, por mais absurda que seja essa hipótese,
fosse possível, a PMRJ já tinha acabado com a criminalidade do Rio, era
só autorizar a matança, entregar a munição, a gasolina e os coletes à
prova de bala.
De Vladimir Aras, responsável pela cooperação internacional da Procuradoria Geral da República:
Constituição, art. 5º, inciso XI: "a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, SALVO EM CASO DE FLAGRANTE DELITO ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"
A intervenção federal não suspende
garantias individuais. Entre essas garantias está o direito à
inviolabilidade domiciliar. Se houvesse sido declarado o estado de
sítio, seria possível fazer buscas coletivas, inclusive sem mandado
judicial, como autoriza o art. 139, V, da Const.
Na jurisprudência, há casos de
mandados individualizados contra Fulano, Beltrano ou Sicrano que foram
invalidados por tribunais superiores por não terem especificado
precisamente o local alvo da diligência, lembra @WSarai
Não apenas isso. Conforme explicava Aras,
Criminosos que ataquem as Forças
Armadas ou que estejam na iminência de fazê-lo podem ser reprimidos com
força letal, se preciso. Isto não depende de leis especiais nem decorre
da intervenção federal. São mantos legais previstos no Código Penal e no
CP Militar, como legítima defesa.
Por outro lado, se as Forças Armadas e
a Polícia tiverem dados de inteligência de que em certo local (casa,
igreja, escola, empresa etc) há armas, criminosos foragidos ou drogas
(um crime em curso), não é necessário mandado judicial para entrada e
busca, para prisão ou apreensão.
O que o STF (Supremo Tribunal Federal) fará em relação às medidas anunciadas?
Valendo a regra atual, nada.
A estratégia de Sérgio Etchgoyen será essa: à medida que se avance a
tal operação, ousar mais medidas de arbítrio, testando a resistência das
instituições nacionais.
Se não houver resistência, meterá a bota na jaca da Constituição. E
não venham esses débeis civis do Supremo, da PGR e do Congresso
reclamarem mais tarde.
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