Itaú,
Bradesco e Santander lucraram R$ 50 bilhões, em meio à crise mais
profunda da História. Juros extorsivos, sonegação e cumplicidade do BC
explicam fenômeno. Tudo isso pode ser revertido
Por Paulo Kliass | Imagem: Daniel Quintero, Los hermanos Quintero (1988)
O
período entre as festas do final do ano e a folia do Carnaval é
normalmente marcado pela divulgação de informações que deveriam deixar
envergonhados todos os que se preocupam com um mínimo de decência e
justiça em termos da organização de nossa sociedade. Em especial, me
refiro à forma como são apropriadas e distribuídas as diferentes formas
de renda e riqueza entre nossos cidadãos.
Durante os meses de
janeiro e fevereiro as instituições financeiras apuram seus balanços
patrimoniais e contabilizam os lucros realizados ao longo do ano
anterior. Um dos aspectos que mais impressiona nessa maratona de
publicação de seus resultados é a aparente naturalidade com que esses
números são tratados por aqueles que são os responsáveis pelas editorias
de economia dos grandes meios de comunicação e também por parte da
maioria de nossos dirigentes políticos.
Nesses
tempos de endeusamento da meritocracia e de loas incomensuráveis
lançadas às virtudes dos empresários eficientes em suas áreas de
atuação, tudo isso parece tão normal. Afinal, se ganharam mesmo tanto
dinheiro assim só pode ser pelo simples fato de que são bons e
competentes naquilo que fazem como operadores sua área de negócios. A
realidade dos lucros bilionários dos bancos tornou-se uma espécie de
tradição intocável em nossa sociedade, cada vez mais tão marcada pelo
abismo verificado entre as duas centenas de milhões dos que quase nada
possuem e o punhado de triliardários que adoram ostentar suas fortunas.
Estes últimos parecem adorar a acirrada disputa da presença em listas de
bilionários, tão cuidadosamente elaborada por revistas especializadas,
como as mais conhecidas Forbes e Fortune.
Assim, em 2017, a
duplinha dinâmica dos líderes do capital privado em nosso sistema
financeiro mantiveram sua dianteira. Enquanto Banco do Brasil e Caixa
Econômica Federal foram orientados a atrasarem suas respectivas
divulgações, os donos de Itaú e Bradesco exibem orgulhosos as suas
façanhas. O primeiro é o banco do presidente do Banco Central e ofereceu
um novo recorde, ao registrar um lucro líquido de R$ 25 bilhões. O
segundo é o banco do candidato de Lula a presidente do Banco Central em
2015 e apresentou ligeira queda em seu lucro, obtendo apenas R$ 15 bi ao
longo do ano passado.
Brasil: paraíso dos bancos.
A
terceira posição dentre os bancos privados operando por nossas terras
ultimamente tem sido ocupada pelo conglomerado financeiro espanhol
Santander. Em 2017 o lucro obtido pela filial tupiniquim foi de R$ 10
bi. Esse resultado representou um salto de 36% em relação ao ano
anterior. Tal performance assegurou a lucratividade do grupo em sua
escala de atividade global. Os rendimentos auferidos pelo banco apenas
no Brasil representaram 26% do total dos ganhos do grupo espanhol em
todo o mundo. Recordemos que se trata do sétimo maior banco do planeta.
A
soma dos lucros dos 3 maiores bancos privados em nosso mercado
financeiro no ano passado alcançou a cifra de R$ 50 bi. Sabe-se de todo o
esforço realizado pelas áreas jurídicas e de planejamento tributário
das instituições para escapar do pagamento de impostos. Assim, os ganhos
reais foram muito maiores do que esses aqui contabilmente revelados e
declarados. Isso sem contar a generosidade absurda oferecida pela
legislação criada por FHC – e mantida desde então pelos sucessivos
governos de Lula, Dilma e Temer – que isenta de tributação o recebimento
privado de lucros e dividendos. Uma loucura!
O Brasil está
mergulhado há mais de dois anos em uma profunda recessão econômica. O
PIB encolheu mais de 8% desde 2015, como consequência direta do
aprofundamento da estratégia do austericídio. O desemprego chegou a
atingir 14 milhões de trabalhadores e a quebradeira das empresas foi
generalizada ao longo desse período. Apesar de todo esse clima de
catástrofe social e econômica, o único setor que não foi sequer atingido
pela crise foi justamente a banca. As instituições financeiras
continuaram faturando muito alto e apresentaram seguidamente resultados
ostentando lucros vergonhosamente bilionários.
O poder do
financismo ultrapassa os limites da área de atuação das instituições
financeiras. O mito da força do mercado – tão amedrontador aos olhos dos
analistas e especialistas forjados no interior do próprio sistema –
impõe ao conjunto da sociedade os sacrifícios coletivos para que sejam
drenados, de forma segura e contínua, a essa ínfima parcela os recursos
extraídos de todos os demais setores.
A cumplicidade do Banco Central.
As
fontes desses ganhos inexplicáveis e inaceitáveis são multivariadas. A
sinecura proporcionada pela permanência das nossas taxas oficiais de
juros em níveis de campeã do mundo é uma delas, com toda a certeza. Os
bancos têm rentabilidade muito elevada sem fazer absolutamente nada:
basta emprestar ao governo com ganhos balizados pela SELIC. A prática
antiga e conhecida da sonegação tributária no interior do sistema das
finanças reforça o poder das empresas e retira recursos do conjunto da
sociedade. As tarifas cobradas pelos chamados “serviços” bancários no
interior de nossas fronteiras também figuram dentre as mais elevadas do
planeta. Além desses fatores, ganha participação especial os ganhos
proporcionados pelos impressionantes níveis de spread praticados pelos bancos.
A
farsa da colocação de dirigentes de bancos privados no comando do Banco
Central cai como sopa no mel em tal quadro incestuoso. Ao brandir pela
“independência” do BC para que este opere em termos supostamente
“técnicos”, os defensores dos interesses do financismo buscam legitimar a
prática daquilo que a sabedoria popular chama de “colocar a raposa para
tomar conta do galinheiro”. Afinal, nada mais “político” do que deixar a
instituição responsável pela regulamentação e fiscalização do sistema
financeiro nas mãos dos próprios banqueiros.
Ora, como encontrar
outra resposta para a ausência de ação do BC no controle do crime de
abuso econômico praticado há décadas pelos bancos? A prática articulada
das empresas em regime de oligopólio é por demais conhecida para que se
tente outra forma que não a intervenção pesada do órgão regulador na
defesa dos interesses das partes mais frágeis na relação econômica
determinada. Fiquemos apenas com o exemplo mais escandaloso do spread praticado nas operações realizadas com cartões de crédito.
Lucros dos bancos só crescem.
O BC acaba de divulgar seu mais recente relatório com tais informações.
Em dezembro de 2017, a média da taxa cobrada pelos bancos nessas
operações era 335% ao ano. Recordemos apenas que naquele momento a SELIC
estava na faixa de 7% ao ano. Quem se dedicar a calcular o diferencial
de ganho nessa operação chegará ao inacreditável percentual de 4.685%. É
por isso que a posição de chefe de tesouraria de instituições
financeiras no Brasil é tão cobiçado. Em nenhuma outra praça do mundo
uma singela operação de crédito oferece tamanha rentabilidade sem
praticamente nenhum risco envolvido.
Mas Paulo, poderão arguir
alguns leitores, o fato é que a taxa SELIC baixou no período mais
recente e isso deve ter impactado os custos das operações. Pois peguemos
os valores observados nos finais de ano anteriores:
Como
se pode perceber, os ganhos dos bancos nas operações só fizeram crescer
no período mais recente, como vinha ocorrendo desde sempre. Esteja a
SELIC em alta ou em baixa, esteja a inflação mais ou menos controlada,
os interesses dos bancos não são afetados. Muito pelo contrário! A
complacência e a cumplicidade do BC só contribuem para essa verdadeira
sensação de impotência do conjunto da sociedade frente ao poder
exacerbado do sistema financeiro.
A proximidade do pleito de
outubro e a oportunidade gerada pelo debate de alternativas eleitorais
não podem deixar de lado a questão da dominância do financismo. É
necessário uma ampla discussão nacional a essa respeito. É urgente que
superemos nossa condição de uma sociedade que permite se deixar escrava
dos desejos do parasitismo rentista por tanto tempo. Um modelo social e
econômico menos desigual pressupõe maior capacidade de controle e
regulação do Estado perante esse perigoso poder. Por outro lado, as
empresas do mundo das finanças deveriam contribuir com maior capacidade
de arrecadação tributária para um Brasil mais justo e desenvolvido.
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