Em um debate no
segundo turno das eleições de 2010, Dilma perguntou para José Serra
sobre Paulo Souza Vieira. A candidata se referia ao homem conhecido pela
cúpula do tucanato paulista como Paulo Preto, um importante diretor da
Dersa durante sua gestão no governo de São Paulo. O tucano se fez de
sonso e se esquivou, mas foi obrigado a comentar o assunto no dia
seguinte: “Não sei quem é o Paulo Preto. Nunca ouvi falar. Ele foi um
factóide criado para que vocês (jornalistas) fiquem perguntando.”
A amnésia do candidato não foi perdoada e Paulo Preto mandou um recadinho que entraria para o folclore da política nacional: “Serra me conhece muito bem. Até por uma questão de satisfação ao país, ele tem que responder. Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam este erro”. Logo após a ameaça, Serra fez um esforço mental e imediatamente lembrou desse aliado querido: “Evidente que eu sabia do trabalho do Paulo Souza, que é considerado uma pessoa muito competente e ganhou até o prêmio de Engenheiro do Ano*. A acusação contra ele é injusta. Ele é totalmente inocente”.
Esta semana, o nome de Paulo Preto voltou à tona depois de passar um bom tempo nos canfundós do noticiário. Mas não foi graças ao trabalho do Ministério Público paulista ou à Lava Jato, mas ao Ministério Público suíço que, de forma espontânea, revelou às autoridades paulistas que o engenheiro ligado aos tucanos escondia R$113 milhões em contas de uma offshore. A informação preenche a última lacuna no rastreamento dos pagamentos de propinas para agentes públicos e políticos do PSDB.
Durante o governo Alckmin, Paulo Preto foi o comandante de um grupo que coordenou investimentos rodoviários no estado. Depois, sob o governo Serra, foi promovido à diretoria de engenharia da Dersa, órgão estatal responsável pelas obras viárias. O engenheiro administrava algumas das maiores obras do país, com contratos que somavam R$ 6,5 bilhões. Esse era o peso de Paulo Preto dentro das gestões tucanas em São Paulo.
No ano passado, delatores da Odebrecht acusaram o engenheiro de ser o operador das propinas do PSDB no escândalo do “Trensalão”. Era ele quem pedia e recebia os recursos em nome do partido e organizava os cartéis das empreiteiras tanto no metrô quanto nas obras viárias. Paulo Preto foi citado também no caso Cachoeira como sendo o homem de ligação entre PSDB e a empreiteira Delta. O dinheiro encontrado no exterior é a peça que faltava no quebra-cabeça. Paulo Preto era o tesoureiro informal do partido e, ao mesmo tempo, um diretor importante de uma estatal responsável por obras bilionárias.
Apesar do fingido lapso de memória, Serra conhecia muito bem Paulo Preto. Conhecia tanto que trouxe a família do engenheiro para dentro do Palácio dos Bandeirantes. Logo no seu primeiro mês de governo, em 2007, por meio de um decreto, contratou a filha do engenheiro para trabalhar como assistente técnica de gabinete. Ela também já havia prestado serviços para a prefeitura quando Serra era prefeito.
Mas não parou por aí. A incestuosidade dentro do governo se estendeu à mãe e ao genro de Paulo Preto. Os dois abriram uma empresa em 2003 que prestaria serviços para empreiteiras nas obras do Rodoanel, tocadas pelo engenheiro. Além disso, uma das filhas de Paulo Preto trabalhou como advogada das empreiteiras contratadas para construir o Rodoanel. Perceba a desenvoltura com que o polivalente operador se deslocava por todas as posições. O cara batia escanteio e corria para a área para cabecear. Mas o tucano mais próximo de Paulo Preto é o atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes, com quem tem uma relação de unha e carne. Por indicação de Aloysio, Paulo Preto trabalhou durante todo o segundo mandato de FHC como assessor especial da Presidência. Quando o engenheiro foi preso em flagrante por negociar ilegalmente um bracelete de brilhantes em uma loja do Shopping Iguatemi, Aloysio não largou o companheiro ferido na estrada e ligou pressionando a delegada do caso para não prendê-lo. Uma das filhas de Paulo Preto chegou a fazer um empréstimo de R$ 300 mil para o senador quitar seu apartamento em Higienópolis. Era esse o nível de amizade entre os dois.
As empreiteiras investigadas no âmbito da Lava Jato também fizeram parte do esquema de Paulo Preto que abastecia as campanhas eleitorais do PSDB. Depois de anos fazendo um pente fino no Rio, no Distrito Federal e no Paraná, já está mais do que na hora da Lava Jato fazê-lo no estado mais rico do país. Antes tarde do que nunca. Como bem afirmou o procurador da operação, Carlos Fernando Lima, a operação não se resume apenas à corrupção na Petrobrás.
É interessante notar também a lentidão com que o Ministério Público paulista (relembremos a simbiose com os governos tucanos) e os tribunais lidam com esse caso. Ele já é de conhecimento público há pelo menos 8 anos e as investigações pouco evoluíram. A lerdeza das autoridades nos remete ao mensalão tucano que, uma década depois de denunciado, quase metade dos acusados ainda não foi julgada e outros já se beneficiaram da prescrição.
Os jornalistas Rubens Valente e Reynaldo Turollo Jr mostraram esta semana na Folha que o inquérito desse caso é “marcado por lacunas e procedimentos que fogem à rotina de uma apuração do gênero”. A PGR, por exemplo, ficou sabendo da existência das contas na Suíça desde agosto do ano passado, mas não informou à Polícia Federal, que só soube delas pela imprensa.
Para piorar o quadro, o relator da investigação sobre Serra, Aloysio e Paulo Preto no STF é ninguém mais, ninguém menos que Gilmar Mendes – aquele amigo que já abriu as portas do seu palacete para oferecer um jantar de aniversário para Serra. O fim dessa história não é difícil de prever.
A grande mídia também não demonstra a mesma volúpia de outros casos de corrupção. Apesar de boas reportagens sobre o caso terem sido publicadas, ainda faltam as manchetes de capa, o exército de colunistas indignados entrando em ação, uma longa reportagem no Jornal Nacional e outdoors da VEJA com a imagem dos tucanos espalhados pela cidade. Vocês conhecem bem o combo que inflama e leva milhares para a Paulista atrás de um pato inflável.
A grana encontrada no exterior pelos suíços tem altíssimo potencial destruidor para os caciques tucanos. É provável que o batom na cueca empurre o ex-operador tucano para uma delação premiada. E, segundo o próprio Paulo Preto, “tudo o que acontecia no Dersa era de conhecimento do Serra e do Aloysio”. Alckmin, o provável candidato do PSDB para as eleições desse ano, também pode ser encostado contra a parede, já que manteve Paulo Preto em cargo importante no período em que o engenheiro cometeu boa parte das suas estripulias. Passada quase uma década da denúncia, é inacreditável que Paulo Preto ainda não tenha sofrido pelo menos uma condução coercitiva. Será que operador tucano tem foro privilegiado e a gente não sabe?
*O prêmio a que José Serra se refere foi concedido pela Assembleia Legislativa de São Paulo, historicamente dominada pela bancada do PSDB. Dentro desse contexto, o prêmio foi mais do que merecido.
A amnésia do candidato não foi perdoada e Paulo Preto mandou um recadinho que entraria para o folclore da política nacional: “Serra me conhece muito bem. Até por uma questão de satisfação ao país, ele tem que responder. Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam este erro”. Logo após a ameaça, Serra fez um esforço mental e imediatamente lembrou desse aliado querido: “Evidente que eu sabia do trabalho do Paulo Souza, que é considerado uma pessoa muito competente e ganhou até o prêmio de Engenheiro do Ano*. A acusação contra ele é injusta. Ele é totalmente inocente”.
Esta semana, o nome de Paulo Preto voltou à tona depois de passar um bom tempo nos canfundós do noticiário. Mas não foi graças ao trabalho do Ministério Público paulista ou à Lava Jato, mas ao Ministério Público suíço que, de forma espontânea, revelou às autoridades paulistas que o engenheiro ligado aos tucanos escondia R$113 milhões em contas de uma offshore. A informação preenche a última lacuna no rastreamento dos pagamentos de propinas para agentes públicos e políticos do PSDB.
Durante o governo Alckmin, Paulo Preto foi o comandante de um grupo que coordenou investimentos rodoviários no estado. Depois, sob o governo Serra, foi promovido à diretoria de engenharia da Dersa, órgão estatal responsável pelas obras viárias. O engenheiro administrava algumas das maiores obras do país, com contratos que somavam R$ 6,5 bilhões. Esse era o peso de Paulo Preto dentro das gestões tucanas em São Paulo.
No ano passado, delatores da Odebrecht acusaram o engenheiro de ser o operador das propinas do PSDB no escândalo do “Trensalão”. Era ele quem pedia e recebia os recursos em nome do partido e organizava os cartéis das empreiteiras tanto no metrô quanto nas obras viárias. Paulo Preto foi citado também no caso Cachoeira como sendo o homem de ligação entre PSDB e a empreiteira Delta. O dinheiro encontrado no exterior é a peça que faltava no quebra-cabeça. Paulo Preto era o tesoureiro informal do partido e, ao mesmo tempo, um diretor importante de uma estatal responsável por obras bilionárias.
Apesar do fingido lapso de memória, Serra conhecia muito bem Paulo Preto. Conhecia tanto que trouxe a família do engenheiro para dentro do Palácio dos Bandeirantes. Logo no seu primeiro mês de governo, em 2007, por meio de um decreto, contratou a filha do engenheiro para trabalhar como assistente técnica de gabinete. Ela também já havia prestado serviços para a prefeitura quando Serra era prefeito.
Mas não parou por aí. A incestuosidade dentro do governo se estendeu à mãe e ao genro de Paulo Preto. Os dois abriram uma empresa em 2003 que prestaria serviços para empreiteiras nas obras do Rodoanel, tocadas pelo engenheiro. Além disso, uma das filhas de Paulo Preto trabalhou como advogada das empreiteiras contratadas para construir o Rodoanel. Perceba a desenvoltura com que o polivalente operador se deslocava por todas as posições. O cara batia escanteio e corria para a área para cabecear. Mas o tucano mais próximo de Paulo Preto é o atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes, com quem tem uma relação de unha e carne. Por indicação de Aloysio, Paulo Preto trabalhou durante todo o segundo mandato de FHC como assessor especial da Presidência. Quando o engenheiro foi preso em flagrante por negociar ilegalmente um bracelete de brilhantes em uma loja do Shopping Iguatemi, Aloysio não largou o companheiro ferido na estrada e ligou pressionando a delegada do caso para não prendê-lo. Uma das filhas de Paulo Preto chegou a fazer um empréstimo de R$ 300 mil para o senador quitar seu apartamento em Higienópolis. Era esse o nível de amizade entre os dois.
As empreiteiras investigadas no âmbito da Lava Jato também fizeram parte do esquema de Paulo Preto que abastecia as campanhas eleitorais do PSDB. Depois de anos fazendo um pente fino no Rio, no Distrito Federal e no Paraná, já está mais do que na hora da Lava Jato fazê-lo no estado mais rico do país. Antes tarde do que nunca. Como bem afirmou o procurador da operação, Carlos Fernando Lima, a operação não se resume apenas à corrupção na Petrobrás.
É interessante notar também a lentidão com que o Ministério Público paulista (relembremos a simbiose com os governos tucanos) e os tribunais lidam com esse caso. Ele já é de conhecimento público há pelo menos 8 anos e as investigações pouco evoluíram. A lerdeza das autoridades nos remete ao mensalão tucano que, uma década depois de denunciado, quase metade dos acusados ainda não foi julgada e outros já se beneficiaram da prescrição.
Os jornalistas Rubens Valente e Reynaldo Turollo Jr mostraram esta semana na Folha que o inquérito desse caso é “marcado por lacunas e procedimentos que fogem à rotina de uma apuração do gênero”. A PGR, por exemplo, ficou sabendo da existência das contas na Suíça desde agosto do ano passado, mas não informou à Polícia Federal, que só soube delas pela imprensa.
Para piorar o quadro, o relator da investigação sobre Serra, Aloysio e Paulo Preto no STF é ninguém mais, ninguém menos que Gilmar Mendes – aquele amigo que já abriu as portas do seu palacete para oferecer um jantar de aniversário para Serra. O fim dessa história não é difícil de prever.
A grande mídia também não demonstra a mesma volúpia de outros casos de corrupção. Apesar de boas reportagens sobre o caso terem sido publicadas, ainda faltam as manchetes de capa, o exército de colunistas indignados entrando em ação, uma longa reportagem no Jornal Nacional e outdoors da VEJA com a imagem dos tucanos espalhados pela cidade. Vocês conhecem bem o combo que inflama e leva milhares para a Paulista atrás de um pato inflável.
A grana encontrada no exterior pelos suíços tem altíssimo potencial destruidor para os caciques tucanos. É provável que o batom na cueca empurre o ex-operador tucano para uma delação premiada. E, segundo o próprio Paulo Preto, “tudo o que acontecia no Dersa era de conhecimento do Serra e do Aloysio”. Alckmin, o provável candidato do PSDB para as eleições desse ano, também pode ser encostado contra a parede, já que manteve Paulo Preto em cargo importante no período em que o engenheiro cometeu boa parte das suas estripulias. Passada quase uma década da denúncia, é inacreditável que Paulo Preto ainda não tenha sofrido pelo menos uma condução coercitiva. Será que operador tucano tem foro privilegiado e a gente não sabe?
*O prêmio a que José Serra se refere foi concedido pela Assembleia Legislativa de São Paulo, historicamente dominada pela bancada do PSDB. Dentro desse contexto, o prêmio foi mais do que merecido.
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