Em outubro de 1964,
um policial meteu o pé na porta de uma casa na periferia de Marselha e
prendeu o químico Joseph Cesari, o mais famoso refinador de heroína da
Europa. Havia mais de uma década que um laboratório não era descoberto
na capital do crime organizado francês – as forças de ordem assistiam à
escalada da violência passivamente.
A queda de Cesari não acabou com o tráfico, é claro. O mercado americano, principal comprador da heroína francesa, demandava cada vez mais, e os gângsters buscaram saída nos braços seguros dos compadres italianos: a máfia Cosa Nostra importou os refinadores do lado de lá dos Alpes e fez da Sicília o maior laboratório do mundo. A heroína gerou riqueza e violência nunca vistas. Em poucos anos, Palermo tinha pelas ruas tantos cadáveres quanto o Líbano em guerra. Uma manchete de jornal virou o símbolo daquele tempo: “Palermo é como Beirute”.
A história passada há meio século ilustra muito do que acontece hoje no Rio de Janeiro. A guerra às drogas já se mostrava, em 1964, um equívoco. Hoje, é uma insanidade. E mesmo que o desejo seja o de continuar com a repressão, a história também mostra que não existe “escalada do crime” que seja tão rápida que não possa ser investigada e controlada. Se Marselha, Palermo e Rio se parecem, é por dois motivos: dose intensa de capitalismo criminal globalizado – são cidades portuárias onde a demanda ganha escala – e convivência harmoniosa com os salões do poder político e da polícia corrupta.
Marselha ficou 10 anos sem estourar um laboratório de heroína. A violência no Rio vem aumentando desde a falência das UPPs, há anos. Não começou no carnaval. Um mês atrás, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse sobre a segurança no Rio: “Não há descontrole nem desordem”. Anteontem, o mesmo Jungmann mudou de ideia: “Inadmissíveis e lamentáveis” as cenas de violência no carnaval. Ontem: intervenção militar.
Concluo, então, que a escalada da violência que justifica colocar um general na Secretaria de Segurança começou depois de 12 de janeiro. É a mais rápida de que se tem notícia na história.
Sabem quanto foi o investimento em inteligência policial no Rio em 2014? 40 mil reais (é mil mesmo, não milhões). Em 2015: 21 mil. E 2016, quando já era mais que evidente que o projeto de segurança das UPPs havia sido implodido? Zero.
A guerra às drogas faliu. Mas eles querem continuar a lutá-la só com músculos, sem usar o cérebro. Nenhuma surpresa.
Leandro Demori escreve todos os sábados exclusivamente na newsletter do The Intercept Brasil. Este texto foi publicado na mais recente edição. Clique aqui para assinar.
A queda de Cesari não acabou com o tráfico, é claro. O mercado americano, principal comprador da heroína francesa, demandava cada vez mais, e os gângsters buscaram saída nos braços seguros dos compadres italianos: a máfia Cosa Nostra importou os refinadores do lado de lá dos Alpes e fez da Sicília o maior laboratório do mundo. A heroína gerou riqueza e violência nunca vistas. Em poucos anos, Palermo tinha pelas ruas tantos cadáveres quanto o Líbano em guerra. Uma manchete de jornal virou o símbolo daquele tempo: “Palermo é como Beirute”.
A história passada há meio século ilustra muito do que acontece hoje no Rio de Janeiro. A guerra às drogas já se mostrava, em 1964, um equívoco. Hoje, é uma insanidade. E mesmo que o desejo seja o de continuar com a repressão, a história também mostra que não existe “escalada do crime” que seja tão rápida que não possa ser investigada e controlada. Se Marselha, Palermo e Rio se parecem, é por dois motivos: dose intensa de capitalismo criminal globalizado – são cidades portuárias onde a demanda ganha escala – e convivência harmoniosa com os salões do poder político e da polícia corrupta.
Marselha ficou 10 anos sem estourar um laboratório de heroína. A violência no Rio vem aumentando desde a falência das UPPs, há anos. Não começou no carnaval. Um mês atrás, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse sobre a segurança no Rio: “Não há descontrole nem desordem”. Anteontem, o mesmo Jungmann mudou de ideia: “Inadmissíveis e lamentáveis” as cenas de violência no carnaval. Ontem: intervenção militar.
Concluo, então, que a escalada da violência que justifica colocar um general na Secretaria de Segurança começou depois de 12 de janeiro. É a mais rápida de que se tem notícia na história.
Sabem quanto foi o investimento em inteligência policial no Rio em 2014? 40 mil reais (é mil mesmo, não milhões). Em 2015: 21 mil. E 2016, quando já era mais que evidente que o projeto de segurança das UPPs havia sido implodido? Zero.
A guerra às drogas faliu. Mas eles querem continuar a lutá-la só com músculos, sem usar o cérebro. Nenhuma surpresa.
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