seg, 22/05/2017 - 12:01
Atualizado em 22/05/2017 - 12:23
Ao GGN, coordenador do Manchetômetro analisou o
comportamento da mídia desde o impeachment de Dilma. Lançado em 2014,
projeto que fornece dados sobre a qualidade da cobertura jornalística
ganhou versão 2.0 neste ano. Gráficos mostram queda nas críticas ao
governo federal após posse de Temer e blindagem a Sergio Moro
Jornal GGN - Atingido repentina e duramente pela
delação da JBS, o governo Temer começou a perder o apoio incondicional
dos principais veículos da grande mídia, segundo análise do cientista
político e coordenador do Manchetômetro, João Feres Jr. Para ele, a
Globo lidera a "campanha ferrenha"
contra o presidente da República, enquanto Folha de S. Paulo e Estadão
ainda resistem um pouco, comportando-se como bombeiros em meio a um
incêndio.
"O que vai acontecer a partir dessa crise do governo Temer,
dessa exposição dos áudios de Temer e Aécio Neves, eu não sei. Minha
impressão é que parte da mídia está desembarcando do governo Temer, mas
eles estão sem direção. Não sabem aonde embarcar", disse Feres ao GGN.
A entrevista ocorreu no último dia 18, um dia após a bomba da JBS
cair sobre Brasília, mas horas antes do Supremo Tribunal Federal
divulgar a gravação de Joesley Batista. No áudio, Temer toma
conhecimento de tentativas de obstrução de Justiça, incluindo suposta
compra de silêncio de Eduardo Cunha, além de mostrar que o governo
aceitou pressão da empresa investigada para resolver seus problemas com
órgãos ligados ao Ministério da Fazenda.
Reportagem publicada pelo GGN na manhã seguinte à
divulgação do áudio mostrou que enquanto Globo joga lenha na fogueira do
impeachment revelando novas acusações a cada dia, Folha de S. Paulo
lidera a compra da versão do acusado, chegando a omitir trechos da
flagrante gravação para blindar Henrique Meirelles, o homen das reformas
impopulares.
Para Feres, a mudança no comportamento da Globo é um marco na
cobertura da grande mídia desde a reeleição de Dilma Rousseff e seus
desdobramentos. Desde que tomou o poder, Temer vinha ganhando uma
cobertura muito mais neutra do que a presidente afastada pelo
impeachment.
O Manchetômetro de Feres e outros acadêmicos, criado pelo
Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (LEMEP-UERJ), fornece dados sobre a qualidade
da cobertura jornalística em relação a temas econômicos e políticos
desde 2014. Como o projeto ganhou até uma versão 2.0 neste ano, é
possível traçar um paralelo entre o tratamento dispensado à Dilma no
auge de sua crise, e a cobertura do governo Temer.
No site, "uma comparação interessante de fazer é pegar a
variável 'governo federal' e ver como ela evoluiu. No período Dilma, a
quantidade negativa [de notícias] era 3 vezes maior, em média, que a de
[notícias] neutras. Bastou a Dilma sair que a curva de [notícias]
contrárias despencou. Ou seja, Temer começou com tratamento muito mais
positivo ou privilegiado em relação à Dilma. Outra coisa que a gente
nota é que esse tipo de tratamento continua ao longo do governo. Vamos
ver como se comporta com esse novo escândalo [delações da JBS]", avaliou Feres.
Em 2017, o Manchetômetro ganhou
uma versão 2.0. Agora, o internauta pode gerar gráficos com diferentes
variáveis, ou seja, selecionando os personagens, temas e jornais que
pretende analisar. O gráfico acima, por exemplo, expõe a cobertura de
todos os veículos envolvidos no projeto (Folha, Estadão, O Globo e
Jornal Nacional) sobre os governos Dilma e Temer, de maio de 2015 (um
ano antes do início do impeachment no Senado) até os dias atuais
DILMA X TEMER
Para Feres, a disparidade na cobertura do governo Dilma em relação a
Temer ajuda a desmontar o argumento de que a grande mídia serve de "cão
de guarda" do interesse público, ou seja, promove uma cobertura
igualmente dura em relação a qualquer governante.
"Um crítico poderia dizer que não, que Dilma tinha crise
econômica [e isso justificaria a cobertura mais negativa]. Mas o governo
Temer também está em crime econômica. Ou que Dilma tinha denúncia de
corrupção. Mas Temer está crivado de acusações de corrupção. Então
controlando essas variáveis todas, você vê que a única maneira de
explicar isso é que a mídia realmente trata diferentemente os partidos
que estão no poder."
Feres lembrou que o Manchetômetro comparou a eleição de 1998 com a de 2014 e chegou à mesma conclusão. "Eram
as reeleições de Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Fernando Henrique
enfrentava uma crise econômica muito pior que Dilma, e ainda assim ele
tinha mais coberturas favoráveis e neutras que negativas. Então, a tese
do cão de guarda em relação à mídia nacional não se aplica e pode ser
refutada de várias maneiras diferentes." (Leia mais aqui)
A AGENDA DA GRANDE MÍDIA
O gráfico abaixo, que compara a cobertura de Folha, Estadão, O
Globo e Jornal Nacional sobre Dilma, Lula e Temer, de maio de 2015 (um
ano antes do início do impeachment no Senado) até maio de 2017, ajuda a
entender a agenda da grande mídia.
Lula e Dilma continuaram sendo o alvo preferido da cobertura
negativa mesmo após o afastamento pelo Senado, em maio de 2016. São
poucas as ocasiões em que Temer têm cobertura mais negativa que os
petistas. E, nitidamente, nem Dilma nem Lula tiveram o benefício da
cobertura neutra como Temer tem desde que assumiu a Presidência.
De acordo com a análise de João Feres, atacar Dilma e Lula faz parte da agenda com "duplo objetivo" da grande mídia.
"Desde 2015, pelo menos, a cobertura da grande mídia tem duplo
objetivo: um era retirar a Dilma, e esse já foi atingido, e outro é
retirar os direitos políticos de Lula - nisto ainda estão muito
engajados como mostra a cobertura feita, por exemplo, do depoimento dado
a Sergio Moro recentemente [caso triplex]. É impressionante o viés do
Jornal Nacional do dia seguinte ao depoimento. É comparável à edição
histórica do debate entre Collor e Lula, tamanha a manipulação
editorial. Para se ter ideia, os âncoras do telejornal se dedicam a
ficar apontando contradições na fala de Lula. Editorializam o tempo todo
nessa edição."
A BLINDAGEM A SERGIO MORO
Permear na opinião pública a ideia de que Lula será inevitavelmente
condenado na Lava Jato e ficará indisponível para a próxima eleição
passa pelo desafio de criar um antagonista para o ex-presidente. É nesse
cenário que entra a blindagem ao juiz Sergio Moro.
O gráfico acima é uma análise da cobertura dos três principais
jornais impressos, mais Jornal Nacional, sobre Dilma, Lula e Sergio
Moro, de maio de 2015 a maio de 2017. Nesse intervalo, o juiz da Lava
Jato ganhou mais destaque na cobertura da grande mídia em março de 2016,
mês em que ele vazou à GloboNews o áudio de uma conversa entre Dilma e
Lula sobre o termo de posse como ministro da Casa Civil. A repercussão
negativa impediu Lula de ser titular da Pasta e ajudou a criar o clima
ideal para a primeira votação do impeachment, na Câmara.
Por mais que tenha sido um dos episódios mais críticos para Moro -
ele teve de pedir desculpas ao Supremo por ter vazado um áudio
envolvendo presidente da República - ainda assim, a cobertura em relação
ao magistrado foi majoritariamente neutra, enquanto Dilma e Lula
atingiram picos incomparáveis de matérias negativas.
Desde então, Moro vem marcando território nos jornais, raramente com cobertura negativa.
SOBRE O MANCHETÔMETRO
O Manchetômetro nasceu em 2014 como uma "ferramenta de cidadania", disse João Feres Jr ao GGN.
"A ideia era não só intervir no debate sobre a qualidade da informação
no Brasil, mas dar às pessoas condições de criticar a cobertura
jornalística que elas recebem diariamente."
Antes, o portal analisava a capa dos jornais O Globo, Folha de S.
Paulo e Estadão, além de todas as matérias sobre economia e política
veiculadas pelo Jornal Nacional. Agora, além das capas, o Manchetômetro
analisa as páginas de opinião e editoriais dos jornais impressos.
O site foi relançado em 2017 para expandir o público leitor e
facilitar a análise de dados. Mais interativo, o Manchetômetro agora
permite a geração de gráficos com diferentes variáveis. O internauta
pode analisar o tema, o personagem e o veículo que quiser.
Além disso, os organizadores publicam periodicamente análises na
sessão "Série M", usando dados levantados pelo Manchetômetro mas que nem
sempre estão disponíveis no portal. Isso porque, segundo Feres, tudo
ainda é lançado no site de maneira manual, o que deve mudar em breve. "A gente está desenvolvendo uma tecnologia de codificação computadorizada das matérias."
"Por fim, o próximo passo é entrarmos nas redes sociais. Ou
seja, o Manchetômetro funcionar também como observatório da política nas
redes sociais, mas sempre tendo como perspectiva a grande mídia. Ou
seja, no caso das redes sociais, seria mais o rebatimento que os grandes
meios têm nas redes sociais", revelou Feres.
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