Não há ninguém em sã consciência que, sabendo das condições
impostas pela Reforma da Previdência do governo Temer, seja a favor
dela. Seguramente, é um dos projetos mais ineptos a cruzarem Brasília em
seus 57 anos. Mas aqui estamos: enfrentando o cadáver reanimado de um
projeto que já morreu. A nova votação acontecerá em breve, embora a data
ainda esteja indefinida.
Por Renato Bazan, no Portal CTB
A esta altura, todo mundo sabe da essência da coisa: a Reforma eleva a
idade mínima para 65 anos, com o mínimo de 25 de contribuição. No caso
das mulheres é ainda pior, porque todas as exigências aumentam. É uma
ideia tão ruim que foi derrotada antes mesmo de ir a votação, depois das
grandes manifestações dos dias 15 e 31 de março. Naquele momento, o
governo decidiu suspender a tramitação da PEC pois, “do jeito que
estava, não teria como passar” – uma expressão utilizada pelos próprios
aliados do governo.
Pouco mais de um mês depois, a Proposta de Emenda Constitucional 287
tornou-se 287A, fruto de um projeto substitutivo, e agora há quem diga
que ela “ouviu os anseios da sociedade”. Mas se isso é verdade, por que
os parlamentares cercaram a Câmara dos Deputados no dia de sua aprovação
preliminar? O que há de tão polêmico, que faria os agentes
penitenciários promoverem uma invasão à sala da comissão responsável?
Abaixo, segue uma explicação da nova Reforma da Previdência, que não é muito diferente da anterior.
O tempo mínimo de contribuição ainda é de 25 anos
Os especialistas do Direito Previdenciário continuam criticando a
reforma. O motivo principal é este: apesar de mudanças na idade mínima, o
projeto mantém um tempo de 25 anos de contribuição ao INSS. Segundo
estudos da própria Secretaria da Previdência, quase 80% das pessoas não
conseguem chegar a isso.
Detalhe: isso ocorre nas condições atuais de empregabilidade, nas
quais as Leis do Trabalho garantem o mínimo de estabilidade
empregatícia. Com a terceirização aprovada, isso se tornará ainda mais
difícil. Há levantamentos do Dieese que indicam uma rotatividade dobrada
nos setores terceirizados.
O trabalhador terá, portanto, grandes dificuldades de manter sua
contribuição mensal ao INSS. Ainda segundo o Dieese, nas condições
atuais, o trabalhador brasileiro médio só consegue contribuir com 9
parcelas a cada 12 meses. Isso significa que, se houver apenas a Reforma
de Previdência, ele terá que trabalhar um mínimo de 33 anos reais antes
de se aposentar.
Sem as garantias da CLT, será ainda pior. Com rotatividade dobrada e
concorrência ampliada por colocações, é seguro imaginar que algumas
pessoas precisarão de mais de 40 anos de atividade para chegar ao
mínimo.
A exigência para a concessão de benefício integral caiu de 50 anos para 40
A proposição original, que previa a aposentadoria integral após 50
anos de contribuição, era um imenso bode na sala dos brasileiros, um
escárnio. Agora ela caiu para 40, e os parlamentares agem como se essa
fosse uma grande dádiva.
É praticamente impossível, pelas condições do mercado de trabalho
atual, alguém conseguir chegar a esses 40 anos. Seja pela instabilidade
crescente dos empregos ou pelas barreiras naturais enfrentadas por
trabalhadores rurais e mulheres, apenas uma fração muito privilegiada
dos trabalhadores consegue forrar a Carteira de Trabalho dessa forma.
Não há equivalente disso em países desenvolvidos, e por um motivo: ao
exigir um período tão alongado de trabalho, o governo não só tira o
incentivo para que as pessoas estudem e se qualifiquem, como também
força a taxa de natalidade para baixo e acelera o êxodo rural. É uma
opção que pressiona a população a uma corrida por postos
desqualificados, e que forma um mar de escravizados sem capacidade
técnica.
A aposentadoria rural tornou-se ainda mais improvável
Com as regras anteriores, os trabalhadores do campo contribuíam de
acordo com a produção vendida, ao invés de mensalmente. A vida é
diferente na fazenda: o trabalhador não recebe salário, funciona de
acordo com a safra. Ele planta, capina, rega, colhe, armazena e vende.
Daí vem o INSS e pega uma parcela disso, porque essa é a hora em que ele
pode contribuir.
Sob a nova proposta, esses trabalhadores passam a ter que pagar uma
contribuição MENSAL, ao invés de serem taxados na produção. Na prática,
essa é uma garantia de que o agricultor NÃO CONTRIBUIRÁ para a
Previdência, porque não há hábito de formação de poupança nas populações
rurais.
A grande maioria deles gasta a maior parte do dinheiro assim que a
safra é vendida, seja para estocar mantimentos, seja para comprar mais
sementes e ferramentas, seja pagar dívidas anteriores. Se eles tiverem
que visitar o banco mensalmente para pagar o INSS, eles não irão, porque
não conseguem.
O resultado será um duplo extermínio: para os mais jovens, a única
real opção será abandonar o campo e buscar um emprego na cidade,
colocando em risco a produção agrícola de pequena escala; para os mais
velhos, restará a indigência. Teremos milhões de idosos rurais sem
proteção, vagando por aí, morrendo debaixo da ponte.
Há um atenuante importante para tudo isso, que é a redução do tempo
mínimo de contribuição para 15 anos, ao contrário dos 25 para os
trabalhadores urbanos. A idade mínima, igualmente, cai para 60 anos para
homens e 57 para mulheres. Mas infelizmente, ao optar pela contribuição
mensal, o governo mantém uma barreira impossível para a maioria da
população.
A pensão para deficientes e vulneráveis pede uma idade elevada demais
O Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC), que
oferece uma pensão para os brasileiros deficientes ou que não
conseguiram se aposentar, é outro recurso afetado pela Reforma da
Previdência.
Veja, isso não é um luxo: contempla apenas aqueles que, sendo idosos e
não tendo contribuído para a Previdência, precisam viver com menos de
um 1/4 de Salário Mínimo como renda familiar por pessoa. São pessoas que
ganham menos de R$ 234 e, por isso, recebem uma ajuda para não morrerem
de fome. Na maior parte, esse serviço atende deficientes e pessoas
abandonadas pela família.
Na primeira proposta de Temer, o BPC tivera sua idade mínima elevada
para 70 anos, disparando uma gritaria na comunidade de pessoas
excepcionais. Agora eles voltaram atrás, impondo 68 anos. É uma
melhoria, mas pior do que os 65 atuais (que já são bem ruins).
Como a maioria das pessoas nessa situação não atinge os 68 anos,
acabará sendo um benefício para ninguém – exceto aqueles que, por força
das novas regras, não conseguirão se aposentar. O propósito muda: ao
invés de contemplar os vulneráveis, o BPC será o último recurso das
massas escravizadas. Daí o aumento de idade, para impedir a inevitável
corrida que se formará em direção a ele.
Essa mudança, por si só, já é uma admissão do caráter excludente de toda a Reforma.
A pensão por morte melhora um pouquinho, mas continua um assalto
A pensão por morte foi provavelmente foi o benefício mais afetado
pela Reforma. A pessoa viúva deixará de ganhar o valor integral da
pensão do parceiro. Ao invés disso, será pago apenas 60% para o
sobrevivente – o resto será dividido em parcelas de 10%, pagas uma a
cada filho nascido.
Há uma armadilha escondida aí: se o falecido tiver sido aposentado
por invalidez antes de morrer, o desconto parcial dessa aposentadoria
será considerado no cálculo da pensão por porte. É uma multiplicação
para baixo.
Para completar, se a pessoa viva já tiver uma pensão conseguida com
décadas de contribuição honesta, ela terá que optar entre uma das duas
pensões.
É uma gozação inacreditável.
A nova reforma melhoria tudo isso um pouquinho. Ela muda essa última
parte, e agora a pessoa viúva poderá acumular pensões – mas só até 2
salários mínimos.
Os beneficiários das super-aposentadorias não serão afetados
Três categorias determinam hoje a maior fatia per capta das
aposentadorias brasileiras: políticos, militares, e servidores mais
antigos (incluindo aí juízes).
Esses continuarão de forma da Reforma.
A regra de transição para quem está próximo da aposentadoria é uma miragem
A nova regra de transição para o Regime Geral da Previdência Social
começa para mulheres de 53 anos e homens de 55. Teoricamente, são
pessoas que escaparão do novo regime da Previdência. Só que, como ela
muda num ritmo sobre-humano, boa parte dos trabalhadores nesse terreno
terão que trabalhar até os 65.
Contando a partir de 2020, a idade mínima de aposentadoria para essas
pessoas aumentará um ano a cada dois. Ou seja, a mulher que hoje vai se
aposentar aos 53 anos, ao chegar em 2020, vai precisar de 54. Em 2022,
vai precisar de 55. E assim vai.
Essa corrida de obstáculos não termina aí: além dessa mudança de
idade, o tempo de contribuição vai subir 6 meses a cada ano, até chegar
em 25. Atualmente, o mínimo é 15. Então se você tiver 55 anos de idade e
14 de contribuição, não vai conseguir se aposentar aos 57, porque já
não serão mais 15 anos de contribuição, e sim 16. Aí no fim de mais dois
anos, já não serão exigidos 16, e sim 17.
Para completar essa gincana, a própria idade mínima geral vai subir
com o tempo. Sempre que a expectativa de vida do brasileiro aumentar em
um ano, a nova lei mudará automaticamente a idade mínima na mesma forma.
Toda vez que o brasileiro médio ganhar um ano de vida, vai ter que
trabalhar um ano a mais também – algo que acontece a cada 5 anos, em
média.
A combinação dessas três regras sugere, portanto, que esse mecanismo
de transição é uma miragem. Para fins práticos, a maioria das pessoas
previstas por essa regra terão que ir até os 65 de idade e 25 de
contribuição.
Esta Reforma da Previdência é BURRA e não resolve a questão da sustentabilidade das aposentadorias
Essa Reforma não ataca os desequilíbrios fiscais que deixaram a
Previdência vulnerável. Ela não tem nenhuma medida para acabar com o
desvio de recursos da aposentadoria para outras áreas (a chamada
Desvinculação de Receitas da União). Ela não acaba com as isenções
fiscais que atingem as fontes de custeio da Previdência e da Seguridade
Social. Ela não impõe ao agronegócio o pagamento das dívidas fiscais,
nem ao setor financeiro. Ela não combate a sonegação, nem amplia a
fiscalização – pelo contrário, abre a possibilidade para refinanciar
calotes. Ela dá um prêmio para quem sabotou a Previdência.
Por ano, se retira R$ 160 bilhões por conta de isenções, e ela não
resolve isso. Por ano, R$ 120 bilhões saem pela DRU, e ela não resolve
isso. Há R$ 985 bilhões em dívidas com a Previdência por parte das
empresas, e ela não resolve isso.
Não há nenhuma medida que resolva alguma coisa. É apenas um choque de
despesas, sem nenhuma medida que enfrente a questão da Previdência pelo
lado da receita. E, nisso, esta Reforma da Previdência acaba sendo um
ajuste fiscal que só penaliza os mais fracos e premia os mais fortes.
Como todo o resto desse governo.
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