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segunda-feira, 15 de maio de 2017

Para uma revolução no complexo de posse que corrói a humanidade, por Giorgio Agamben.


Para uma revolução no complexo de posse que corrói a humanidade

"Em seu novo livro, Giorgio Agamben oferece um modelo para uma revolução no complexo de posse que corrói a humanidade, um paradigma para a reinvenção do que significa 'comum'."


Por Christian Ingo Lenz Dunker.

“A obra do escravo é o uso de seu corpo.” Em O uso dos corposcom sua característica habilidade para comentar os antigos de modo a torná-los mais que contemporâneos, Giorgio Agamben faz dessa afirmação de Aristóteles um ponto de partida para rediscutir o estatuto do que significam posse e propriedade. Esse trabalho sem obra, vida sem memória e desejo sem criação é uma espécie de último capítulo inconcluso e perspectivo da maior saga filosófica do século XXI, conhecida como Homo sacer.
Neste volume, o filósofo italiano, mestre da filologia retórica – herança heideggeriana –, reinventa, foucaultianamente, a problemática do cuidado de si e do conhecimento de si, introduzindo um terceiro termo: o uso de si. Do sadomasoquismo em Freud ao gozo em Hegel, passando pela disciplina estóica da corporeidade, Agamben dedica-se ao estudo da subalternidade da noção de uso. “O si não é mais que o uso de si”, máxima pragmática que reformula nossa concepção concêntrica entre narcisismo e individualismo.
O uso precede quer a essência, quer a existência. É pelo uso que passamos de escravos a senhores. É pelo uso, essa contemplação sem conhecimento, que praticamos uma forma de vida, na qual subordinamos hábitos e saberes. Curiosa potência irônica se esconderá por trás do uso: quanto mais tomamos o mundo e o outro como instrumento, mais nos sentimos usados – pequena tragédia do romance moderno. Nada menos do que o sacrifício de Cristo segue essa máxima do uso, do meio e do instrumento da vontade do Outro. Origem também do caráter bífido da relação entre técnica e arte, o dispositivo do uso parece uma sítnese disjuntiva entre zoè e bios, entre physis e nomos.
Contudo, o ponto crucial da investigação aqui realizada é a pesquisa urgente de uma forma de relação com o corpo que não seja de propriedade. Em vez do corpo próprio, o corpo impróprio. O autor oferece um modelo para uma revolução no complexo de posse que corrói a humanidade, um paradigma para a reinvenção do que significa “comum”. O leitor de língua portuguesa tem agora à disposição uma obra que é, antes de tudo, um ajuste de contas e também o tributo de Agambem a todos os que tornaram possível seu pensamento.

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Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, 2015). Seu livro mais recente é Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros (Boitempo, 2015), também vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Psicologia e Psicanálise. Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

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