O país precisa de um banho de realidade contra as mentiras dos políticos, cujo desejo é enganar a grande massa de pessoas fascinadas pelos discursos messiânicos
O Brasil, às vésperas da eleição presidencial de 2018, está vivendo
uma mistura explosiva entre a mentira emotiva da pós-verdade, e a obra
de teatro do absurdo, materializada na genial peça, “Esperando Godot”, do dramaturgo Samuel Beckett.
Na obra do dramaturgo irlandês sabemos que Godot nunca vai chegar e,
mesmo assim, todos continuam esperando por ele. O escritor ironiza que a
vida é o que está acontecendo e não o que estamos esperando, do
contrário, acabaríamos não vivendo a realidade. Ou alguém imagina que em
2018 vai chegar o Godot para redimir o Brasil de todos seus males? Ou
que teremos o milagre de contar com um Congresso novo, expurgado dos caciques que dominam hoje, com políticos limpos de corrupção? Ou um Supremo
que, finalmente, também colocará os políticos de luxo na prisão, que
seja apenas a garantia da Constituição, sem se sujar em obscuros jogos
políticos? Ou que dedique seu tempo discutindo se os cigarros podem ter
sabor? O tabaco mata, com ou sem sabor. Todos sabem.
Não é pessimismo, é simples observação da realidade. Logo iremos ver, por exemplo, repetida pela terceira vez, uma com Dilma e duas com Temer,
a votação para decidir se condenam ou absolvem um presidente. Será uma
nova peça de teatro do absurdo. Podemos observar, se ainda tivermos
paciência para ouvir, o vazio da linguagem de suas senhorias, a oferta
de seu voto às suas famílias, a mentira da pós-verdade
coberta pela emoção da pobreza de suas palavras. O verdadeiro Brasil
parece não existir ou contar. Não conta o Brasil das pessoas normais que
gostariam que as palavras significassem a verdade, que, por exemplo,
fosse abolido o foro privilegiado,
que é realmente um refúgio seguro contra os crimes dos políticos,
privilégio que possuem hoje, no Brasil, 20.000 pessoas enquanto que nos Estados Unidos
nem o Presidente da República conta com isso. Ou que o voto fosse livre
e não obrigatório. Ou que as pessoas entrassem na política não para se
enriquecer nem para acumular privilégios, mas para estar a serviço dos
eleitores.
O Brasil precisa hoje de um banho de realidade contra as mentiras da
pós-verdade, manuseadas pela linguagem dos políticos que é mais perigosa
do que jocosa, porque, em sua grosseria está escondido o desejo de
enganar principalmente a grande massa de pessoas com pouca cultura,
fascinadas pelos discursos messiânicos dos novos ou velhos Godot, que
são na verdade mais um fantasma da mídia do que uma realidade e uma
solução. A sociedade brasileira moderna precisa abrir os olhos para não
ser arrastada pela ilusão de que são os políticos, com suas mentiras ou
meias-verdades, os únicos que podem tirar o país do poço em que ele foi
jogado. É preciso uma reação inteligente, racional e não emocional da
rua e dos meios de comunicação
para saber distinguir entre aqueles que se apresentam como meros
salvadores e aqueles que realmente sentem e se interessam pela vida das
pessoas, cada dia mais ameaçadas e manipuladas.
Hoje existe no Brasil uma parte da sociedade mil vezes mais bem
preparada do que a geração de seus pais. É uma reserva imobilizada,
frente a uma porta fechada para impedir sua entrada na vida política.
Uma parte da sociedade que seria capaz de entender o perigo da
pós-verdade e o absurdo dos messianismos já desgastados. É dever de
todos deixar que passem, abrir as portas do poder a eles e para isso é
essencial que, quando chegar a hora de decidir nas urnas, seja punida a
velha política que agora funciona como tampão para evitar a chegada de
uma nova sabedoria. Votar de novo, por exemplo, nos caciques de sempre,
sabendo que estão condenados ou são culpados de crimes de corrupção,
seria a constatação de que o Brasil prefere esperar sentado a chegada de
Godot. Ou que, no fundo, prefere e acha divertido se embalar na
ambiguidade da pós-verdade, o novo maná dos políticos que se recusam a
morrer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário