Além de muito concentrada, propriedade sobre meios de comunicação
está oculta. Há agora um esforço sistemático para abir a caixa preta.
Vale conhecê-lo
Por Patrícia Cornils
Quem são os donos das tevês, das rádios, dos jornais e dos sites pelos quais nos informamos? Quem, em última instância, controla uma fatia importante das notícias que chegam até os brasileiros e brasileiras? Para responder a esta pergunta, a Repórteres Sem Fronteiras realiza, desde 2015, um projeto chamado Media Ownership Monitor (MOM), ou Monitoramento da Propriedade da Mídia. A partir de dados de audiência, a pesquisa mapeia quais são os principais veículos impressos, online, rádios e tevês do país. Busca as empresas que os controlam. E quem são os donos dessas empresas, que outros negócios possuem, que relações políticas têm. No Brasil, a pesquisa foi feita pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Os veículos de maior audiência são as redes de TV aberta Globo, SBT,
Record, Band, RedeTV!, RecordNews, TV Brasil, Rede Vida e Gospel; as
TVs por assinatura Globo News e Band News; as redes de rádio Jovem Pan,
Gaúcha Sat, Band FM, Globo AM/FM, Transamérica, Mix FM, CBN, Rede
Católica de Rádio, Rede Aleluia, Bandeirantes, BandNews e Novo Tempo; os
portais Globo.com, UOL, Abril, IG, ClicRBS, Estadão, R7, Revista Fórum,
O Antagonista e BBC; as revistas Veja, Época e IstoÉ e os jornais Folha
de S. Paulo, O Globo, Super Notícia, O Estado de S. Paulo, Zero Hora,
Extra, Diário Gaúcho, Agora São Paulo, O Estado de Minas, Valor
Econômico, Correio Braziliense, O Tempo, Correio do Povo e Daqui.
Quem é o dono?
Descobrir quem são os controladores dessas empresas não é um percurso
simples. A pesquisa pediu essas informações aos 50 veículos. Nenhum
respondeu. Não há, no Brasil, um dispositivo legal ou constitucional
específico que obrigue as empresas de capital fechado a publicar sua
composição societária – a não ser no caso das rádios e tevês, que
recebem do governo federal o direto de usar as frequências necessárias
para emitir seus sinais. São, portanto, prestadoras dos serviços
públicos outorgados e precisam manter informações sobre quem as controla
em uma base de dados pública, administrada pela Agência Nacional de
Telecomunicações, chamada Sistema de Acompanhamento de Controle
Societário (Siacco).
Para consultar as informações disponíveis no Siacco é necessário
saber o CNPJ de cada empresa e qual, entre as várias sociedades dos
donos dos veículos de comunicação de massa, recebeu a outorga. Que
cidadão comum vai dispor seu tempo para fazer uma pesquisa assim? Além
disso, nem sempre os resultados são conclusivos. Há empresas que
simplesmente não declaram a participação de cada um dos acionistas. Há
empresas que têm 30% de seu capital em mãos de “Outros” ou ainda aquelas
que tem outras pessoas jurídicas como donas.
Legalmente, sociedades empresariais precisam manter nas Juntas
Comerciais e cartórios sua composição acionária, mas não há políticas de
transparência e de acesso à informação eficientes para o acompanhamento
dessas informações. As Juntas têm caráter local ou regional (estadual) e
a possibilidade de acesso a essas informações varia de acordo com o
município ou Estado em questão – em muitos deles, a cada consulta é
cobrada uma quantia próxima a R$ 200,00. Por CNPJ. E igrejas, fundações e
instituições sem fins lucrativos não se registram nas Juntas
Comerciais.
Um agravante deste quadro é a liberalidade total para que os grupos
mudem, transfiram, comprem e vendam participações acionárias parciais ou
totais. A Lei 13.424/2017, aprovada após uma Medida Provisória do
governo de Michel Temer, eliminou a determinação que proibia as
emissoras de realizar alterações societárias antes da aprovação do
governo e restringiu-as à necessidade de informar as mudanças, depois de
feitas, ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Informação e Comunicação
(MCTIC) – que então as publica, da maneira como são enviadas pelas
empresas, no Siacco.
O Monitoramento da Propriedade da Mídia (MOM) vai divulgar todos
esses levantamentos para que pessoas comuns, que não sejam
pesquisadores, especialistas, investidores ou jornalistas investigativos
saibam quem controla as informações que chegam até elas. Vai fazer mais
que isso: vai mostrar também em quais outros setores os donos da mídia
têm interesses econômicos. Há donos de rádios que possuem bancos.
Faculdades e escolas privadas. Há donos de grupos de comunicação, entre
os 50 maiores do Brasil, que foram prefeitos de suas cidades. Outros
possuem usinas de etanol. Empresas do mercado imobiliário. Em
siderurgia. E disponibilizará um site voltado ao público em geral, onde
será possível navegar por veículo de mídia, por grupos ou proprietários.
O MOM constrói, ainda, indicadores sobre os riscos existentes no país
ao pluralismo na mídia.
Painel
Sabemos que a concentração na mídia é um problema histórico no
Brasil. O que há de novo e de velho nesse problema? Quais os desafios
atuais para promover a pluralidade e diversidade de vozes? No lançamento
do MOM, para responder essas questões, faremos um painel com Cynthia
Ottaviano (primeira Defensora dos Interesses do Público na Argentina,
onde esta defensoria foi criada pela Lei de Meios e presidenta da
Organização Interamericana de Defensores das Audiências), Martin Becerra
(autor de livros sobre a concentração da propriedade da mídia na
América Latina e seus impactos na democracia) e Franklin Martins
(ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, participou do
debate sobre a possibilidade de uma lei de meios no Brasil). Eles e ela
vão falar sobre sua experiência com a defesa dos interesses do público
de meios de comunicação, a relação entre a concentração da propriedade
da mídia e a democracia, as leis que regulam este setor em outros países
– mas não no Brasil, onde não há Lei de Meios de Comunicação.
O lançamento será na terça-feira, dia 31 de outubro, a partir das 18
horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua
Genebra, 34 – Centro – São Paulo). Haverá também transmissão online do
evento. Veja mais informações em http://bit.ly/2yRfWMc. E venha saber
quem controla a mídia no Brasil.
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