No próximo dia 12, completam-se 40 anos da manhã em que o presidente
Ernesto Geisel convocou ao palácio do Planalto o então ministro do
Exército, general Sylvio Frota, e demitiu-o. Encerrava-se assim um
período de 23 anos pontilhado por lances de anarquia militar. Geisel
restabeleceu o poder do presidente da República sobre os generais.
Durante 40 anos, com uns poucos solavancos, essa ordem foi respeitada.
Coube a Michel Temer o papel trágico (e algo ridículo) de presidir o
ressurgimento de surtos de anarquia militar.
O pronunciamento do general Antonio Mourão
e a forma como ele foi absorvido pelo governo expuseram um renascimento
da desordem. Há dois anos, durante o governo de Dilma Rousseff, o mesmo
general falou de política e perdeu o Comando Sul,
a mais poderosa guarnição do país. Dilma agiu, Temer piscou. Mourão
passou incólume e recebeu até um elogio pessoal de seu comandante.
Na bagunça da finada ditadura atropelaram-se as Constituições de 1946 e a
de 1967, patrocinada pelo próprio regime. Levantes (ou boatos de
levantes) serviram para emparedar dois presidentes (Castello Branco e
Costa e Silva). Impediu-se a posse do vice-presidente Pedro Aleixo,
substituindo-o por um general —Emilio Medici— escolhido num processo
caótico. Um ex-ministro da Marinha foi publicamente condenado ao
silêncio. O ministro Lyra Tavares, do Exército, foi desafiado e
ultrapassado por generais indisciplinados.
Depois da demissão de Frota, para desencanto de Geisel, a anarquia
reapareceu, impondo-se ao general João Figueiredo com o atentado do
Riocentro e a impunidade que avacalhou seu governo. (A tortura, o
extermínio de guerrilheiros que se entregaram à tropa do Exército nas
matas do Araguaia, bem como a censura, não podem ser considerados
manifestações da anarquia, pois eram uma política de Estado, coisa muito
pior.)
As viúvas da velha ditadura e as ilustres vivandeiras que hoje rondam os
bivaques dos granadeiros fingem que o regime de 1964 foi um período de
ordem e progresso. Foi uma bagunça. Seus anos de crescimento econômico
desembocaram na falência
do país e numa inflação de 223%.
do país e numa inflação de 223%.
A palestra do general durou uma hora e está na rede. É uma salada de
intenções, preconceitos demofóbicos, cenários apocalípticos e pelo menos
uma insinuação de mau gosto. Respondendo a uma pergunta, Mourão
resumiu-se:
"Ou as instituições solucionam o problema político pela ação do
Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em
todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso". (...) "Essa
imposição não será fácil. Ela trará problemas, podem ter certeza disso."
O general disse que não se conhece a receita dessa imposição. Nas suas palavras, "a forma do bolo".
Conhece-se o gosto do doce: fecha-se o Congresso, rasga-se a
Constituição e entrega-se o governo a um fantoche togado ou a um
general. Não será fácil, diria também o general Augusto Pinochet.
Ao contrário do que aconteceu com a quartelada de 1955, o caminho do
vapt-vupt não está disponível. A "imposição" vindoura traria uma
ditadura, como as de 1937 e 1964. Com ela, viria a anarquia militar de
1965, 1968, 1969 e a que se armava em outubro de 1977, quando o general
Geisel sacou primeiro. Temer e sua equipe civil e militar preferiram
piscar.
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