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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

SOBRADO ALTO, NÚMERO 20, por MÁLIA MORGADO.







A sua calma e mansidão ao meu encontro, passos lentos e cadenciados, como se Fred Astaire caminhasse em direção à Ginger para pegá-la pela mão e dançar Cheek to Cheek. Sim, eu sei que você pode ser rude. Puxa a base do meu cabelo com os dentes e traz para me lamber dentro da orelha e beijar e morder de novo meu pescoço. Mas hábil, nunca me deixou marcas, embora às vezes eu as procure em vão, sou dessas que tem prazer em ver algumas dessas reminiscências temporárias do desejo. Tudo tem uma cadência tão natural e eu entonteço - impossível não sorrir meio enlevada - e corto em algum momento o compasso, porque eu não sei bailar leve na cama, eu me movo ora como cobra, sibilando devagar, e deslizando em ondas, ora como um lobo com fome olhando a carne ainda viva, uivando, babando, mostrando os dentes. Quando tudo acaba vem a paz. Primeiro é como deitar em uma espécie de lago morno, meus músculos relaxam na tua pele macia, da cor da camurça, ai, aquele cheiro teu que é meu ópio. Mas vamos embora e teus passos satisfeitos pela rua me incomodam. Eu sei que você vai andar o dia inteiro com paz. Não. Não. Não. Confesso que te queria na angústia, sem saber bem para onde ir, errando ruas e trocando casas. Queria que você se atordoasse agora sem o apoio dos meus quadris, tropeçando em lembranças e me procurando em vão, por onde você saberia que jamais iria passar. A noite te assolaria como um peso que cai sabe-se-lá-de-onde, sempre no peito, sempre segurando a respiração como um punho entre as costelas. Mas não. Você dança suave e anda leve nessa calçada da tua maldita paz. Essa paz que me inclui como um sorrisinho no canto da tua boca, step-tap. Queria un solo tango.

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