seg, 30/07/2018 - 07:16
Atualizado em 30/07/2018 - 07:21
Arte Banksy
Brasil: um país sem futuro
por Aldo Fornazieri
Ao se estudar a história particular de cada país se verá uma
variedade de situações e de circunstâncias que aproximam algumas e
distanciam outras. Uma dessas situações diz respeito ao fato de que
alguns países são inovadores, conseguem superar as condicionalidades de
um passado difícil e se modernizam com igualdade, justiça e progresso,
enquanto que outros não conseguem se desenvolver e permanecem
prisioneiros das determinações do passado e se tornam cativos da
desigualdade, das injustiças e do atraso. O Brasil, certamente, é do
segundo tipo. Aqui o passado determina o presente e bloqueia o futuro e
os mortos governam os vivos.
O mais provável é que existam muitas razões para o triunfo do atraso e
das determinações do passado no Brasil. Aqui, apontar-se-á apenas uma:
o problema da fundação, da gênese. Maquiavel, ao estudar o grande
historiador de Roma antiga, Tito Lívio, assevera que as repúblicas mal
fundadas tendem a permanecer extraviadas ao longo dos séculos, como que
buscando um caminho na escuridão, e procuram encontrá-lo através da
promulgação de um cipoal infindável de leis, pensando que estas podem
consertar a realidade, mas que sequer entram em vigor. As décadas e os
séculos passam sem que esta república encontre a sua verdade, sem que o
povo esteja ao abrigo das misérias humanas e sem que a justiça, a
igualdade e a liberdade sejam frutos acessíveis para a generalidade das
pessoas.
Ainda de acordo com Maquiavel, com base em Tito Lívio, as repúblicas
bem fundadas são aquelas que nascem de um ato de terror fundante, no
qual, o arbítrio dos mais fortes é passado no fio da espada para fundar a
validez da lei originária, alicerçada nos princípios da igualdade e da
justiça. De tempos em tempos, esse ato precisa ser renovado com a
punição exemplar daqueles que tentam violar ou corromper estes
princípios. Sem este ato, os mais fortes não terão freios e exercerão o
arbítrio, a dominação e a violência sobre os mais fracos.
Maquiavel vê atos de terror fundante exemplares em Moisés, quando
desceu do monte Sinai e mandou passar no fio da espada 22.200 homens por
terem implantado a desordem; em Ciro, ao se revoltar contra os medas e
fundar o império Persa e em Rômulo, ao matar Remo para garantir a
fundação e a segurança de Roma. Modernamente podemos ver esses atos nas
Guerras de Independência e de Secessão dos americanos, na Revolução
Francesa, na Revolução Cubana e assim por diante.
Na história do Brasil, o poder político e suas formas constitucionais
e jurídicas sempre foram produtos do trabalho usurpador das elites
econômicas e políticas e expressão de seus interesses. Em nenhum momento
dos processos fundantes desse poder o povo foi partícipe enquanto
sujeito e sempre teve seus interesses e direitos excluídos dos arranjos
legais e constitucionais que se efetivaram ao longo do tempo.
Notadamente, a Independência se revestiu de uma transformação perpetrada
por segmentos que representavam os interesses da metrópole e a
Proclamação da República assumiu o caráter de um golpe do qual, o povo,
bestializado, nos termos de Aristides Lobo, não participou e sequer
compreendeu o seu significado.
No Brasil, o povo nunca foi soberano, a lei nunca foi igual, a
democracia nunca existiu para a grande maioria das pessoas pobres. As
tentativas de refundar o fundar o Brasil, primeiro com Getúlio Vargas e,
depois, com Lula, foram atacadas pela ação corrosiva das elites, por
guerras políticas sem escrúpulos e sem quartel, pela violência, pela
traição e por golpes que visaram perpetuar a ordem da dominação do
passado, manter o presente do povo na miséria e interditar o futuro.
Se o Brasil é um país sem presente por conta de todos os males que
assolam o povo - desemprego, falta acesso aos serviços de saúde, falta
de educação, salários baixos, falta de cultura e de lazer, pobreza,
preconceitos, falta de direitos, violência etc. - os dados da Revisão
2018 da Projeção da População do Brasil, divulgados na semana passada
pelo IBGE, confirmam que o país não terá futuro.
O presente do Brasil é trágico, sem dúvida. Mas o seu futuro poderá
ser ainda mais trágico. O país está envelhecendo de forma mais rápida do
que se pensava. Em 2039, o número de pessoas com mais de 65 anos será
superior ao número de crianças e jovens com menos de 15 anos. Em 2060,
uma de cada 4 pessoas terá mais de 65 anos.
O problema é que o bônus demográfico evaporou: os jovens de hoje
envelhecerão sem oportunidades, sem emprego, sem qualificação, sem
poupança e, provavelmente, uma previdência razoável. Serão velhos,
pobres e sem assistência e sem direitos. Os jovens de hoje e o sistema
de trabalho de hoje não estão nem bancando sequer a previdência de hoje.
O Brasil ocupa o sétimo lugar entre os países que mais matam jovens no
mundo. Em todos os sentidos, o Brasil está queimando, dissipando, o seu
futuro. Os jovens mesmo estão dominados pela ideologia do consumo. Não
poupam e não se previnem. Não imaginam que amanhã poderão cair e que
ninguém lhes dará a mão para se levantarem.
O Brasil está envelhecendo sem a infraestrutura adequada para o
progresso e sem a infraestrutura para a velhice. As cidades, os
transportes, o sistema de saúde, o sistema previdenciário, a mobilidade
urbana, as estruturas de comércio, nada está preparado para um país com
forte presença de pessoas idosas. Sequer níveis satisfatórios de
saneamento básico existem.
O pior de tudo é que, a partir do golpe, o Brasil está andando para
trás. O governo e o Congresso golpistas estão empenhados em destruir
políticas e programas que vinham contribuindo com a redução da pobreza e
com a sustentabilidade ambiental. Governo e Congresso estão dominados
por grupos criminosos, a exemplo do agronegócio, grupo que não tem
nenhuma consideração com a dignidade humana e com a sustentabilidade
ambiental, com o futuro dos brasileiros e com os brasileiros do futuro.
As diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais abissais,
tenebrosas, terríveis. As exclusões históricas, de raça, de gênero etc.,
se aprofundam e políticas inclusivas, ou são extintas ou têm os
recursos calcinados. Se as pessoas pobres já não tinham acesso a
hospitais, hoje não têm acesso a médicos. Vivem doentes e morrem sem
atendimento. Estamos entre os países mais violentos e desiguais do
mundo. O Brasil está sob a égide de elites econômicas e políticas
criminosas, perversas, cruéis.
Um dos poucos brasileiros que tem a força, a coragem e a
sensibilidade para bloquear esse processo de destruição do presente e do
futuro do Brasil está preso em Curitiba. Os interesses que prenderam
Lula e que querem impedir que ele seja candidato à presidência da
República são os interesses que massacram o povo, que espezinham a sua
dignidade, que decepam o seu presente e o seu futuro.
O povo precisa alimentar um temor terrível dessa monstruosidade que
está sendo feita contra ele. Este temor, que deve ser o temor pela vida
desgraçada que leva à morte, precisa despertar a clarividência da razão.
Da razão que ilumina e que desperta a consciência de que não há motivo
para não lutar. Aliás, de que o principal motivo da vida, agora, é
lutar. E aqueles que têm consciência precisam fazer apelos por corações
irados, por organizações de irados, pela força de gente irada. As
lideranças precisam fazer apelos pela indignação e pela fúria. É preciso
organizar a fúria. Não dá para tratar com bons modos uma elite que
trata o povo com brutalidade.
Os métodos tradicionais de luta não comportam mais a urgência de um
agir mais contundente e corajoso. A vastidão da tragédia do povo
brasileiro deve ser o metro das novas lutas. E que essas lutas, entre
outras coisas, sejam capazes de arrancar Lula dos calabouços de
Curitiba. É preciso consolidar a ideia de que se não querem deixar que o
governo legitimamente eleito de Lula dê ao povo o que é direito seu, o
povo tem o direito de buscar o que é seu com suas próprias mãos.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
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