dom, 29/07/2018 - 15:29
Atualizado em 30/07/2018 - 07:18
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
“O inimigo é o denominador comum do que é feito e desfeito. E o
inimigo não é o mesmo que o comunismo e o capitalismo atual – é, em
ambos os casos, o espetro real da libertação.” (Ideologia e Sociedade
Industrial, Herbert Marcuse, p. 65)
Hoje faz 39 anos que Herbert Marcuse saiu da história sem,
entretanto, ter saído de nossas vidas. No Brasil, país independente que
paradoxalmente luta para se transformar numa colônia norte-americana, as
observações da sociedade industrial continuam extremamente atuais.
Durante quase duas décadas, a direita brasileira definiu o seu
inimigo como sendo a apropriação do Estado pelo PT. Como não conseguiu
destruir a legitimidade do partido criado por Lula, ela passou a se
esforçar para destruir o próprio Estado brasileiro. Nesse sentido, o
golpe de 2016 é apenas um meio para um fim.
A liberdade que os golpistas (entre os quais se destacam juízes,
promotores e políticos mafiosos do PSDB, PMDB, DEM, PDT etc...) almejam é
a servidão. O objetivo último deles é a reconstrução do Brasil comum
Estado vassalo submisso e incorporado ao império norte-americano. A
ideia não é nova. Ela foi cogitada durante a primeira constituinte
republicana por membros do grupo que adotou uma bandeira do Brasil
idêntica à dos EUA com listras verdes e amarelas.
“Essas referências aos Estados Unidos desagradavam, no entanto, a
parte dos militares mais nacionalistas e, em especial, os adeptos do
Apostolado Positivista, cujo líder, Teixeira Mendes, dizia tratar-se de
‘uma imitação servil’ dos símbolos de outra nação.” (1889, Laurentino
Gomes, Globo Livros, São Paulo, 2013, p. 321)
A Constituição de 1891, entretanto, fez uma referência evidente aos
Estados Unidos da América ao chamar nosso país de "República dos Estados
Unidos do Brasil". O art. 1o da CF/1988 prescreve que vivemos na
“República Federativa do Brasil”. No entanto, o primeiro Ministro das
Relações Exteriores de Michel Temer, chamou nosso país de Estados Unidos
do Brasil. E recentemente Aloysio Nunes se inclinou de maneira servil
diante do vice-presidente dos EUA como se ele tivesse vindo tomar posse
do país.
O servilismo de Aloysio Nunes também não chega a ser novidade. De
quando em vez, as forças políticas que imaginam o Brasil como uma
entidade subalterna aos EUA fazem demonstrações canhestras de
servilismo.
Quando Dwight Eisenhower visitou o Brasil após o fim da II Guerra
Mundial, Octavio Mangabeira, então presidente da UDN, foi indicado para
fazer o discurso de recepção.
“...Mas além das loas de praxe, Mangabeira encerrou o discurso
afirmando que, em nome do povo brasileiro, desejava fazer uma reverência
mais eloquente, ‘inclinando-me respeitoso diante do general
comandante-chefe dos exércitos que esmagaram a tirania, e beijando, em
silêncio, a mão que conduziu à vitória as forças da liberdade’. Foi um
escândalo o servilismo do senador baiano. Um deputado mineiro protestou e
considerou o ato uma servidão política e achou que até o general
americano deve ter estranhado ‘que um povo se genuflexe ante ele para
beijar-lhe a mão’.” (A história das constituições brasileiras, Marco
Antonio Villa, Leya, São Paulo, 2011, p. 82)
A ideia de transformar o Brasil numa colônia servil dos EUA ganhou
força após o golpe de 1964, que foi urdido na embaixada dos EUA.
“Segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira (Presença dos Estados Unidos no
Brasil), o governo Castelo Branco se caracterizou por uma aproximação
exagerada entre o Brasil e os EUA. No princípio da ditadura militar
agentes governamentais norte-americanos circulavam livremente pelos
Ministérios e influenciavam as políticas públicas que seriam adotadas
pelo nosso país. Castelo Branco também é censurado porque adquiriu o
costume desagradável de discutir questões sensíveis e até sigilosas com
seus amigos da embaixada dos EUA. A morte dele colocou um fim neste
ciclo de submissão incondicional ao império norte-americano.”
Concebida nos EUA e tocada no Brasil por promotores e por um juiz que
foram treinados por norte-americanos, a Lava Jato conseguiu destruir
quase todas as empresas nacionais que concorriam com as empresas
norte-americanas na América Latina: construtoras, frigoríficos,
estaleiros, etc… Quando foi representar o Brasil em Davos, Suíça,
Rodrigo Janot disse que o MPF era pró-mercado, ou seja, que o órgão mais
não cumpriria sua missão institucional de defender os interesses
públicos brasileiros (art. 5o da Lei Complementar no 75/1993). Sérgio
Moro recebeu prêmios nos EUA por ter ajudado a destruir a economia do
nosso país.
O golpe de 2016, que também parece ter sido urdido na embaixada dos
EUA, está possibilitando a recolonização do Brasil pelo capitalismo
norte-americano. Uma fatia das províncias petrolíferas brasileiras no
litoral do país foi entregue às petrolíferas dos EUA, a Embraer está
sendo doada à Boeing, o Ministério das Relações Exteriores e o MPF
conspiram para garantir o predomínio dos interesses norte-americanos no
Brasil. Michel Temer e seus leais escudeiros dentro e fora do Poder
Judiciário e do MPF encarnam nesse momento a parcela da sociedade
brasileira que “...luta contra a possibilidade nela contida de sua
libertação.” (Marcuse – vida e obra, Francisco Antonio Doria, José
Alvaro Editor S.A./Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983, p. 235)
A atualidade de Herbet Marcuse é, portanto, evidente. Para se ver
livre do PT a direita brasileira escolheu lutar pela submissão do Brasil
aos EUA e destruir o Estado brasileiro. A esquerda tenta transformar
Lula num símbolo da soberania nacional, mas evita cuidadosamente o
discurso nacionalista. Nesse momento, o nacionalismo não é defendido nem
mesmo pela extrema direita. Jair Bolsonaro bateu continência para a
bandeira dos EUA e disse que continuará a privatizar as empresas
públicas e que a Amazônia não pertence ao Brasil.
FHC disse certa feita que a comemoração da independência do Brasil
era uma bobagem. Quando foi presidente do país ele se colocou um degrau
abaixo de Bill Clinton para poder ser fotografado na frente do imperador
branco sorrindo com as mãos dele pousadas em seu ombro. Os sinais de
subserviência de FHC e dos seus companheiros de partido (José Serra,
Aoysio Nunes, etc…) aos EUA sempre foram evidentes. Os tucanos e seus
“canetas” na imprensa criticaram ferozmente a política externa altiva e
independente conduzida pr Celso Amorim eAntonio Patriota. Eles aplaudiam
ou no mínimo não lamentaram a invasão do Itamaraty por vandalos durante
o governo Dilma Rousseff.
O nacionalismo norte-americano envenenou e empobreceu a política nos
EUA. A expansão de sua versão militarizada na Europa, América Latina e
Ásia ameaça a paz mundial. O que envenena e empobrece a política
brasileira nesse momento é a rejeição “ut principii” do nacionalismo
brasileiro pela esquerda. A ideia de que podemos ser mais felizes
cultivando a submissão a uma potência estrangeira (direita e extrema
direita) ou de que o Brasil está condenado a ser sempre mais ou menos
dependente do império norte-americano (esquerda) pressupõe que os EUA
não está fadado a ser destruído pelas contradições internas e externas
que levaram Donald Trump ao poder.
Marcuse estava certo “O inimigo é o denominador comum do que é feito e
desfeito.” O que nós desfizemos, entretanto, não foi apenas nossa
economia nacional. Ao aceitar passivamente a desconstrução do nosso
Estado, rejeitando ativamente o nacionalismo como modalidade discursiva,
a esquerda está destruindo nossa autoconfiança e a nossa autoestima da
qual dependem nossa autodeterminação. A independência do Brasil e a
sobrevivência como nação brasileira estão em risco. Quem não for capaz
de ver e afirmar isso não deve se apresentar como candidato a presidente
do país nesse momento.
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