Nesta entrevista com Carta Maior, Amorim analisa a chegada de um líder popular e progressista ao Palácio Nacional (equivalente ao Planalto brasileiro), e considera que isso terá um impacto considerável no tabuleiro regional
05/07/2018 10:29
“Com
a vitória de Andrés Manuel López Obrador, o México passa a ser um
exemplo para o Brasil e para a América Latina em geral”, afirma o
ex-chanceler Celso Amorim, ao fazer um primeiro balanço do resultado das
eleições mexicanas do último domingo.
Nesta
entrevista com Carta Maior, Amorim analisa a chegada de um líder
popular e progressista ao Palácio Nacional (equivalente ao Planalto
brasileiro), e considera que isso terá um impacto considerável no
tabuleiro regional.
Carta
Maior: O fundador do Movimento de Regeneração Nacional (Morena) é
considerado um Lula mexicano. O que você acha dessa comparação?
Celso Amorim:
Vejo semelhanças entre eles, embora também existam diferenças, já que o
Brasil e o México não são idênticos, as circunstâncias políticas atuais
não são idênticas às de há 16 anos.
Entre
as diferenças, há uma que favorece López Obrador, que é o fato de que
ele teve uma muito boa eleição parlamentar, coisa que não aconteceu nas
eleições brasileiras de 2002, quando não obtivemos nem 30% do
Parlamento.
Outra
diferença, essa a favor do Brasil, é que nós estamos a uma boa
distância dos Estados Unidos, enquanto o México tem três mil quilômetros
de fronteiras com essa potência hegemônica. Como se diz sempre, “pobre
México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.
Para
o México, não é fácil se desfazer das diretrizes de Washington. Para o
Brasil, porém, era relativamente mais fácil rejeitar alguns imperativos
de Washington, como ocorreu com o não à ALCA – o projeto de Área de
Livre Comércio da América Latina.
O
tema migratório nos Estados Unidos aparece esporadicamente na agenda do
Brasil, como está ocorrendo agora, com as crianças brasileiras
separadas de seus pais. Por outro lado, para o México esse tema é um
assunto central da sua agenda, onde as imposições de Donald Trump são
muito agressivas, como se vê no caso do muro.
Agora
estamos falando das semelhanças, e creio que este López Obrador de 2018
é comparável ao Lula de 2003, que o rol que o México pode desempenhar
agora na América Latina tem pontos parecidos ao desempenhado pelo Brasil
há 16 anos.
Assim
como Lula, López Obrador demonstrou um compromisso com os pobres, com o
desenvolvimento, demonstrou sua disposição de levar adiante uma
política industrial, de desenvolvimento, de impulsar uma política
energética diferente da realizada pelo atual governo, haverá um
distanciamento do neoliberalismo, e também um combate mais sistemático à
desigualdade social.
López Obrador é um homem que vem do sul do México, a região que mais sofreu com a globalização.
Carta Maior: De que forma López Obrador pode influir no equilíbrio de forças da região?
Celso Amorim: A
chegada de López Obrador é muito importante porque a América Latina
estava precisando de um novo equilíbrio de forças. Nós celebramos o seu
triunfo e ao mesmo tempo estamos alertas sobre a reação que este triunfo
causará nas forças de direita. Nós sabemos que essas forças estão
atuando para impedir uma vitória de Lula nas eleições de outubro no
Brasil, mesmo com ele tendo um apoio esmagador do povo.
Seria
extraordinário se Lula vencesse em outubro, já que seria a primeira vez
que Brasil e México teriam governos progressistas ao mesmo tempo.
Por
outro lado, a vitória de López Obrador pode demonstrar a falência deste
modelo neoliberal exagerado, como é o caso atual do México, com um
alinhamento econômico total com os Estados Unidos. E não nos esqueçamos
do fato de que o México foi utilizado pelos grandes meios de imprensa
como um exemplo do sucesso desta globalização, um exemplo que logo se
ampliou ao modelo de integração da Aliança do Pacífico.
Este
triunfo progressista demonstrará ao povo as diferenças de um modelo de
desenvolvimento com inclusão em comparação ao cenário de terra arrasada
causado pela globalização neoliberal. Uma globalização que deixou
milhões de mexicanos na pobreza e obrigou muitos deles a emigrar em
busca de trabalho.
Carta Maior: A morte anunciada da onda progressista era um mito.
Celso Amorim: Efetivamente,
essa vitória desmente o argumento de que a onda progressista na região
se esgotou. Este é o primeiro governo de esquerda no México nos últimos
90 anos. A posse de López Obrador, em dezembro será um fato marcante.
Os
processos históricos são complexos, nem sempre são simétricos e
tampouco evoluem de forma linear, há ondulações. Creio que esta vitória
demonstra que o progressismo continua vigente.
Ademais, em toda a região há dezenas de milhões de pessoas estão vendo o que acontece no México, inclusive o Brasil.
Se
levarmos em conta que no Brasil e no México, os países mais populosos
da América Latina, há um apoio grande a líderes de centro-esquerda, isso
nos indica que esse movimento está muito vigente.
Claro que não podemos desconhecer o surgimento de uma direita e uma ultradireita em vários países.
Estamos
diante de um processo novo, que deu lugar a um fascismo neoliberal, que
no caso do Brasil se encarna na candidatura de Jair Bolsonaro.
Tradição diplomática
As
escolas diplomáticas do Itamaraty, no Brasil, e de Chapultepec, sede
chancelaria mexicana, são as mais reconhecidas da América Latina.
Durante décadas, o serviço exterior do país asteca foi um protagonista
do tabuleiro regional: recebeu dezenas de milhares de exilados
sul-americanos durante as ditaduras, apoiou os processos de paz nas
guerras civis da América Central e nunca rompeu relações com Cuba,
apesar das pressões estadunidenses. Com a assinatura do Tratado de Livre
Comércio da América no Norte, em 1994, essa fortaleza diplomática
começou a se perder, com chanceleres que passaram a assumir uma posição
mais obediente com relação a Washington, e perdendo o interesse pela
América Latina.
Carta Maior: Você acha que López Obrador se reencontrará com as velhas bandeiras diplomáticas do seu país?
Celso Amorim: Não
conheço as novas gerações de diplomatas mexicanos, mas é verdade que o
México tem uma tradição que se viu historicamente em sua defesa do
desarmamento mundial, sua posição a favor de Cuba na Organização dos
Estados Americanos, seu respeito ao princípio de não intervenção nos
assuntos internos de outros estados.
Creio
que com López Obrador, o México voltará a ter uma política externa mais
autônoma, defensora de sua soberania, e isso é particularmente
importante nestes momentos em que os Estados Unidos realizam uma aberta
pressão contra a Venezuela, observada na semana passada durante a visita
do vice-presidente Mike Pence ao Brasil e ao Equador.
Carta Maior: Pode ampliar essa resposta?
Celso Amorim: É
possível que os Estados Unidos queiram levar o governo brasileiro a uma
posição mais intolerante e intervencionista contra a Venezuela. Mike
Pence veio ao Brasil para garantir um maior isolamento da Venezuela,
além de garantir que o petróleo seja explorado pelas multinacionais.
A
posição dos Estados Unidos como potência hegemônica não se explica nas
posições de Donald Trump. Estou falando dos interesses do chamado
“Estado profundo” que existe nos Estados Unidos, onde estão os
interesses de grandes grupos econômicos, da comunidade de inteligência,
da indústria militar. Todos esses fatores vão trabalhar para isolar a
Venezuela.
Também
devemos incluir neste cenário o triunfo do candidato conservador na
Colômbia, Iván duque, e o fato de que Bogotá se transformou em um membro
associado da OTAN, que é algo preocupante, porque militariza mais as
rivalidades entre Colômbia e Venezuela, uma tensão que se atenuou
durante os anos da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e que está
sendo reativada agora, com os governos neoliberais.
Por
tudo isso, é importante que López Obrador atue como um fator que opere
contra essas tendências negativas que alimentam a tensão e reforçam a
pressão contra a Venezuela. E também a respeito de Cuba.
Carta Maior: Venezuela e Cuba como peças chaves na geopolítica do hemisfério.
Celso Amorim: Creio
que a mudança no México é uma esperança neste momento de transição em
Cuba, com o novo presidente Díaz-Canel, e quando Trump parece querer
terminar com o descongelamento das relações, que havia sido iniciado por
Obama. Com um México diplomaticamente mais independente haverá espaço
para que Cuba avance com as reformas democratizantes sem ter que se
render aos padrões neoliberais, e tampouco à pressão do presidente
Trump.
Durante
o governo do presidente Lula houve apoio a Cuba através de projetos
econômicos, para facilitar uma maior inserção internacional a partir do
comércio, sem ter que renunciar aos seus avanços sociais. Inclusive, eu
considero que essa política de Lula para com Cuba foi um dos fatores que
causaram a moléstia desse “Estado profundo” que controla o poder nos
Estados Unidos.
Carta Maior: De que forma esse “Estado profundo” respondeu às políticas de Lula?
Celso Amorim:
Estou convencido de que há fatores internacionais interessados na
prisão do presidente Lula. Não creio que todas essas coisas ao redor do
processo e da prisão sejam casuais. Há grupos que não se contentaram com
a posição independente do Brasil diante do Oriente Médio, com relação à
integração latino-americana, a criação do Conselho de Defesa da Unasul,
a posição com relação ao Irã, a política para com a África. Sabemos que
a criação dos BRICS (bloco de novas potências, com Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) causou uma grande preocupação a esse
“estado profundo” norte-americano.
E além de tudo isso, é preciso considerar o descobrimento do Pré-Sal, e a decisão de mantê-lo sob o controle da Petrobras.
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