24 Jul 2018
(atualizado 24/Jul 14h14)
Em comunicado divulgado nas redes sociais, atleta de 29 anos atribuiu escolha ao ‘racismo e desrespeito’ que sofreu jogando por seu país natal
Depois de nove anos, 92 partidas e um título de Copa do Mundo, o
meio-campista Mesut Özil anunciou que não jogará mais pela Alemanha. A
decisão veio a público em seus perfis nas redes sociais no último domingo (22), por meio de um extenso comunicado.
Entre
ataques expressos a Reinhard Grindel, presidente da DFB (Federação
Alemã de Futebol) e críticas à imprensa alemã, o jogador de 29 anos
afirma que suas motivações principais envolvem o racismo e desrespeito
sofridos enquanto vestia a camisa da seleção nacional. Özil é muçulmano e
possui ascendência turca.
No
mundial de 2018, disputado na Rússia, ele foi um dos nomes mais
responsabilizados pela má campanha dos então campeões do mundo. A última
vez que a Alemanha havia sido eliminada na fase de grupos foi em 1938,
na França.
“Ao ver Özil no gramado eu recorrentemente tinha a
sensação de que ele não se sentia à vontade vestindo a camisa da
Alemanha, de que ele não estava livre; era quase como se ele não
quisesse estar em campo”, disse Lothar Matthäus, campeão mundial com a
Alemanha em 1990, em sua coluna no jornal alemão Bild.
O desempenho abaixo das expectativas aumentou o barulho causado por uma situação extra-campo às vésperas do torneio.
Durante
um evento realizado em Londres em maio de 2018, Özil posou para uma
foto ao lado de Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia. Alimentado
pela imprensa local e pelo silêncio do atleta, que optou por não
comentar o fato, o encontro se tornou um verdadeiro incidente
diplomático na Alemanha - e um dos eixos centrais que motivaram sua
aposentadoria precoce.
A repercussão do caso Erdogan
Por causa de seu líder, a Turquia acumulou um histórico de relações
estremecidas com o governo alemão nos últimos anos. Entre as críticas
estão o caráter repressivo do presidente turco à oposição, que se
intensificou desde a tentativa de golpe militar em 2016. Milhares de pessoas já foram presas no país e meios de comunicação sofrem constante censura.
Há
15 anos no poder e recém-eleito para um novo mandato, Erdogan estava em
campanha eleitoral na época do encontro com Özil, que joga atualmente
no Arsenal, da Inglaterra.
A foto com o presidente se tornou um
problema maior porque, junto de Mesut Özil, outro jogador da seleção de
futebol alemã que disputou a Copa da Rússia apareceu ao lado de Erdogan.
Ilkay Gundogan compartilha diversas semelhanças com Özil: também tem
ascendência turca, é nascido em Gelsenkirchen, cidade do oeste alemão, e
é jogador da Premier League, primeira divisão da Inglaterra.
Ambos aproveitaram para entregar camisas autografadas de suas equipes ao chefe de Estado. A de Gundogan, atleta do Manchester City, acompanhava a dedicatória “Ao meu presidente, com meu respeito”.
Estima-se que existam pelo menos três milhões de pessoas
com ascendência turca vivendo na Alemanha. Como destaca o jornal
britânico The Guardian, pelo menos 1,2 milhões delas poderiam votar nas
eleições do país.
3 milhões
é o número de pessoas com ascendência turca que vivem na Alemanha
A
postura dos atletas foi abertamente criticada por dirigentes da seleção
alemã, que na leitura local, avaliou que os jogadores teriam sido
usados como palanque político. “O futebol e a DFB defendem valores que
não são respeitados suficientemente por Erdogan. Por isso, não é bom
quando nossos jogadores são explorados para sua campanha eleitoral”,
afirmou o presidente da Federação Alemã de Futebol (DFB), Reinhard
Grindel, em comunicado veiculado à época.
Após a repercussão negativa da foto, Gundogan rebateu as acusações
de motivações políticas no gesto. “Nossa intenção não era usar essa
foto para fazer um posicionamento político, e muito menos para tomar
partido em uma campanha eleitoral”, disse, após a declaração de Grindel.
Özi permaneceu calado sobre o tema até o último domingo.
O comunicado de Özil, em 4 pontos
A
escolha por esperar o encerramento da Copa do Mundo e então se
manifestar sobre o caso Erdogan foi justificada na nota divulgada nas
redes sociais. Comentando o caso Erdogan, o jogador faz também
considerações sobre a mídia, patrocinadores e a relação com os
dirigentes da DFB.
Antes de suas explicações públicas, a Federação
Alemã de Futebol pressionou para que Özil tivesse a mesma postura do
parceiro de equipe envolvido no caso, em diferentes oportunidades.
“É
verdade que Mesut não comentou a questão ainda. Isso desapontou
diversos fãs que têm questões e esperam uma resposta. Eles têm o direito
de uma resposta. Estou certo de que ele irá fazer um pronunciamento
quando retornar de férias. Isso seria interessante também para ele
próprio”, disse o presidente da DFB Reinhard Grindel, no dia 8 de julho, pós-eliminação da Alemanha.
Oliver Bierhoff, diretor esportivo da entidade, criticou a opção de
Özil por não comentar a foto, sugerindo que sua ida ao mundial da Rússia
havia sido um equívoco. “Deveríamos ter considerado deixá-lo de fora [da Copa].”
“Eu
costumava vestir a camisa da Alemanha com orgulho e vontade, mas,
agora, não mais. Não vou mais ser o bode expiatório”, afirmou o jogador.
Os pontos principais de seus comentários sobre cada uma das polêmicas
foram destacados abaixo.
Caso Erdogan
“Não
tem nada a ver com políticas e eleições, mas sim, em respeitar o cargo
mais alto do país de minha família”, definiu o atleta. “Não importava
quem era o presidente, mas que aquele era o presidente.” Sua ação,
defende o texto, seria a mesma “caso fosse o líder da Turquia ou da
Alemanha”.
O jogador disse não se arrepender da foto. Ter recusado
o pedido poderia ser interpretado como “uma falta de respeito” com suas
“raízes turcas”.
Além disso, Özil destaca que Lothar Matthaus
encontrou “outro líder” e não foi “intimado a deixar a seleção” e não
teve sua permanência no cargo questionada. Apesar de não citar
explicitamente, a menção faz referência ao encontro do ex-jogador alemão
com o presidente russo Vladimir Putin, em julho de 2018. Para Özil, a
perseguição e diferença de tratamento teriam motivações racistas.
Federação Alemã de Futebol
Segundo
a nota, o tratamento dispensado nos últimos meses por parte da DFB foi o
que “mais o frustrou”. Reihard Grindel, presidente da DFB, foi alvo da
maior parte das críticas, sendo chamado de “incompetente” e “sem
habilidade para realizar seu trabalho da forma adequada”.
“Enquanto
eu tentava explicar minha ascendência e a motivação por trás da foto,
ele [Grindel] estava mais interessado em falar sobre suas próprias
visões políticas e menosprezar minha opinião.”
No trecho mais
impactante da carta, reitera sua crença de que o tratamento da questão
foi diferenciado e teve tom xenofóbico. “Segundo a visão de Grindel e
seus apoiadores, quando ganhamos, sou alemão. Se perdemos, sou
imigrante.”
Xenofobia e racismo
Segundo
o jogador, o incidente diplomático com o líder turco teria sido uma
oportunidade para a sociedade alemã expressar suas tendências racistas
escondidas. “Não continuarei jogando para a seleção alemã enquanto
existir esse sentimento de racismo e desrespeito. Como muita gente,
minhas raízes vão além de um país. Cresci na Alemanha, mas minha
história familiar tem suas raízes solidamente arraigadas na Turquia.
Tenho dois corações, um alemão e outro turco.”
“Não é para isso
que eu jogo futebol, e eu não vou ficar sentado sem fazer nada sobre. O
racismo não deveria jamais ser tolerado.” Özil cita, ainda, os exemplos
de Lukas Podolski e Miroslav Klose, ambos poloneses que se naturalizaram
alemães e tem extenso histórico na seleção. Para o jogador, o fato de
suas raízes estarem na Turquia, país muçulmano e que convive com a
dualidade Europa-Oriente Médio há séculos, explica o tratamento
distinto.
Imprensa alemã
Özil
chamou de “sem sentido” a atenção dada pela mídia ao caso. Certos
jornais alemães estariam aproveitando de seu histórico e a foto com
Erdogan como uma “propaganda direitista” a fim de promover sua própria
visão política.
“Qual outro motivo teriam eles para usar imagens e
manchetes com o meu nome associando-as à derrota na Rússia? Eles não
criticam meu desempenho, nem criticam a performance da equipe, só
criticam minha ascendência turca e o respeito às minhas origens. Isso
atravessa um limite do campo pessoal, que nunca deveria ser atravessado,
ao passo que contribui para jogar a nação alemã contra mim.”
A resposta da DFB
A Federação Alemã de Futebol se manifestou em nota
sobre as acusações feitas pelo jogador, rejeitando sua associação ao
racismo e reiterando que, “por muitos anos, esteve fortemente envolvida
no trabalho de integração na Alemanha”. Novamente, a entidade voltou a
cobrar o jogador por ter se omitido em relação ao caso Erdogan.
“As
fotos com o presidente turco Erdogan levantaram questões para muitas
pessoas na Alemanha. [...] É lamentável que Mesut Özil, diferentemente
do caso que envolveu Jerome Boateng, tenha achado que não foi
suficientemente protegido como alvo de slogans racistas contra sua
pessoa. Mas era importante que Mesut Özil, como Ilkay Gündogan fez antes
dele, desse respostas sobre a referida foto, independentemente do
resultado esportivo do torneio na Rússia. Na DFB, ganhamos e perdemos
juntos, tudo em equipe.”
“A DFB teria ficado feliz se Mesut Özil
quisesse continuar fazendo parte da equipe, mas ele decidiu o contrário e
respeitamos isso. Para nós, como associação, é preciso lidar de maneira
respeitosa com um jogador que merece respeito.”
Repercussão internacional
Pelo Twitter, colegas de seleção de Özil no último mundial como Jérôme Boateng, Antonio Rüdiger e Julian Draxler
manifestaram apoio à decisão do jogador. O lateral-esquerdo Jonas
Hector, titular na Copa da Rússia, chegou a dizer que a Alemanha “só tem ódio e racismo”.
O presidente do Bayern de Munique, Uli Hoeness, teceu críticas ainda
mais duras ao jogador. “Estou feliz por isso ter acabado. Ele não joga
merda nenhuma há anos, não ganha uma dividida desde antes da Copa de
2014. Agora, ele e sua performance de merda estão escondidos atrás dessa
foto”, disse, também ao Bild. “Você precisa voltar para o que isso é: esporte. Do ponto de vista esportivo, Özil não tem espaço na seleção há anos.”
Políticos
turcos, por outro lado, parabenizaram o alemão pela decisão. “Felicito
Mesut Özil. Ao deixar a seleção nacional alemã, marcou seu maior gol
contra o vírus do fascismo”, destacou o ministro da Justiça do país,
Abdülhamit Gül, em sua conta do Twitter. Mehmet Kasapoglu, ministro dos Esportes, chamou Özil de “irmão”, classificando sua posição como honrada.
Presidente da Turquia, Erdogan também se manifestou sobre a decisão na terça-feira (24).
Além de lamentar o ocorrido, que definiu como “racista” e
“inaceitável”, destacou que o comunicado do atleta havia sido
“extremamente patriota”, e disse ter entrado em contato com Özil, por
telefone, na segunda-feira.
A carreira de Özil em clubes
Özil
despontou como promessa no Schalke 04, em 2005. Após ser campeão
europeu sub-21 com a Alemanha, chamou a atenção do Werder Bremen, outro
clube alemão. Em 2010, foi para o Real Madrid. Após três temporadas no
clube espanhol, se transferiu para o Arsenal, onde joga desde então.
A
transação, que custou £40 milhões, foi o valor mais alto pago pelo
clube inglês a um jogador à época, como destacou a agência de notícias
alemã Deutsche Welle.
£45 milhões
é o valor de mercado atual de Özil, segundo o site Transfermarkt
Após um período de férias,
o alemão se reintegrou ao Arsenal para a disputa da International
Champions Cup, torneio pré-temporada que acontece em Cingapura.
Pelas
redes sociais, a equipe inglesa manifestou apoio ao atleta, em
referência explícita ao ocorrido. “Nossa diversidade é uma grande parte
do porquê somos um clube tão especial. #Arsenalparatodos”, postou, em sua conta oficial no Twitter.
Os imigrantes e o futebol de seleções
As origens étnicas e a relação entre imigrantes e o futebol de seleções ganhou destaque na última Copa do Mundo da Rússia. Dados apontam que 22 dos 32 países que disputaram o torneio tinham pelo menos um “estrangeiro” no elenco.
No
total, 82 jogadores que participaram do mundial tem dupla cidadania, ou
seja, nasceram em um país mas, por se identificarem mais com outro,
trocaram de pátria.
48
é o número de nacionalidades diferentes que marcaram presença no mundial 2018
Além
de atletas naturalizados, o intenso fluxo migratório registrado nas
últimas décadas, sobretudo na Europa, foi responsável por criar raízes
multi-étnicas nas seleções. Boa parte do elenco dos países, ainda que
formado por jogadores nascidos em seu território, contou com filhos de
imigrantes, vindos principalmente da África e Leste Europeu.
O
preconceito e repulsa a raízes estrangeiras, tom principal da carta de
Özil, costuma vir à tona em críticas por parte da imprensa e da
sociedade a jogadores, expondo casos de xenofobia e racismo. O sentimento comum é de que, por serem filhos de estrangeiros “indesejáveis”, os atletas seriam “cidadãos menores”.
A luta interna de autoafirmação dos atletas foi explicitada recentemente em um caso envolvendo a França, atual campeã do mundo.
O
país, historicamente ligado à presença de imigrantes, sobretudo
africanos, levou à Rússia grande número de atletas filhos de
estrangeiros. Assim como diferentes textos veiculados na imprensa, um tweet do site Sporf destacava as origens de cada jogador francês com emojis que indicavam o local de nascimento de sua família.
O
lateral Benjamin Mendy, porém, alterou a proposta da publicação,
substituindo as bandeiras de diferentes países por bandeiras da França.
“Corrigido”, disse o jogador em sua resposta.
Pogba— Benjamin Mendy (@benmendy23) 17 de julho de 2018
Tolisso
Mendy
Umtiti
Rami
Fekir
Kimpembe
N’Zonzi
Matuidi
Mandanda
Sidibe
Kante
Lloris
Hernández
Dembele
Mbappe
Griezmann
Giroud
Lemar
fixed
Nenhum comentário:
Postar um comentário