Não há, na economia, motivos para as oscilações recentes. Elas
são uma ameça — a de que haverá turbulências, caso os eleitores teimem
em eleger Lula ou alguém à esquerda
Por Paulo Kliass
Estão cobertos de razão todos os economistas e demais especialistas
que nos alertam para os riscos de se tirarem conclusões apressadas a
respeito de movimentos de curto prazo em mercado altamente
especulativos, em especial as movimentações verificadas nas operações
com moeda estrangeira aqui no Brasil. Muitas vezes, ficamos contaminados
pela força das variações assustadoras ocorridas no dia ou na semana e
perdemos de vista as tendências mais duradouras.
As oscilações ocorridas no mercado de dólar norte-americano negociado
em nossas terras são um prato cheio para todo tipo de deformação e
chantagem. Poucas vezes as variações da cotação dessa moeda mantêm
alguma relação lastreada em fundamentos da economia real. Em primeiro
lugar, em razão da natureza altamente centralizadora e concentradora dos
agentes que compram e vendem divisas no mercado brasileiro. Trata-se de
um mercado com poucas empresas de porte gigantesco, a absoluta maioria
constituída de instituições do sistema financeiro. Em segundo lugar,
pela natureza intrinsecamente especulativa de tais mastodontes das
finanças, que atuam segundo sua própria lógica e também em função dos
interesses dos detentores do capital externo que atua por aqui.
A lógica e a dinâmica do mercado de câmbio não guarda nenhuma
semelhança com a idealização liberal do livre jogo das forças de oferta e
demanda determinando o nível de preço das mercadorias. Muito pelo
contrário. Esse é um cenário em que intervêm os peso pesados dos
interesses financeiros, com atuação explicitamente manipuladora. Nada a
ver com o mercado da batatinha no final da feira. Os bancos, fundos
financeiros e demais empresas do financismo praticam um jogo de aposta e
pressão ameaçadora, forçando limites e as simbólicas barreiras de
números míticos a serem ultrapassados. Assim, os analistas se deliciam
com frases do tipo “agora o dólar supera a casa dos R$ 4 reais”, como se
isso tivesse algum significado econômico relevante. Mera especulação. E
os grandes saem ganhando sempre: nas tendências de alta e de baixa, nas
compras e nas vendas.
Mercado de câmbio e manipulação explícita
Um dos temas preferidos pelos analistas financeiros, ao longo das
últimas semanas, tem sido a crescente desvalorização experimentada pelo
real frente ao dólar. Há uma diversidade de fenômenos que poderiam estar
na base de explicação de tal movimento. A recuperação da atividade
econômica nos Estados Unidos tem provocado tendência de elevação da taxa
de juros do FED (Banco Central de lá). Com isso, observa-se uma
possibilidade de revoada de uma parte dos recursos estrangeiros que aqui
estão por conta da nossa mais do que generosa rentabilidade financeira
dos ativos parasitários.
Outro fator que poderia colaborar para tal movimento reside na
elevação dos preços do petróleo e seus efeitos em escala internacional.
Na condição de matéria-prima básica para uma série de processo
produtivos importantes no mundo e sua presença ainda expressiva como
fonte energética, esse alta poderia provocar um algum tipo de resíduo
inflacionário em escala global. Tal subida de preços também tenderia a
provocar elevação das taxas de juros das autoridades monetárias dos
países mais desenvolvidos, com efeito similar ao anterior sobre a
economia brasileira.
A crise cambial vivida pela nossa vizinha Argentina também reacende
as luzes amarelas nas expectativas dos investidores. O discurso do
financismo reforça as inegáveis dificuldades no balanço de pagamentos, a
mega desvalorização cambial levada a cabo pelo governo Macri
recentemente e o anúncio de acordo em negociação com o Fundo Monetário
Internacional (FMI). Tendo em vista o passado de eventos similares nos
dois lados da fronteira, tenta-se criar um clima artificial de crise
iminente também no Brasil.
Mas um dos fatores que mais pesa no movimento de alta do dólar atual
talvez possa estar associado também às ações manipuladoras em torno das
expectativas das eleições de outubro próximo. A observação do gráfico
abaixo pode ilustrar um pouco a questão aqui levantada. A linha
apresenta a evolução da cotação da moeda norte-americana desde maio de
2002 até os dias atuais. Todos se lembram ou ouviram falar da alta
especulativa às vésperas das eleições daquele ano, quando a então
chamada “ameaça Lula” levou o dólar a superar a barreira dos R$ 4,00. Em
poucos meses, nossa moeda sofreu uma desvalorização de quase 60% em
relação à moeda dos Estados Unidos. Pura chantagem. Tanto que durante os
primeiros meses do novo governo, o mercado se tranquilizou, o dólar
recuou e o real acabou ficando até mesmo sobrevalorizado pelos equívocos
da política econômica de Palloci e Meirelles depois de algum tempo.
Cotação do dólar norte-americano (maio 2002 a maio 2018)
Os ataques especulativos em 2002 e 2015/16
A crise econômico-financeira de 2008/9 provocou outro movimento de
desvalorização, mas que logo na sequência se ajustou e o fenômeno
irresponsável da sobrevalorização é retomado graças à continuidade da
política monetária de SELIC nas alturas. Mas à frente, durante o segundo
governo Dilma também é objeto de altas especulativas, quando a cotação
do dólar volta a subir e chega a superar o patamar de R$ 4,00. Trata-se
de um jogo chantagista associado às perspectivas de votação do
golpeachment. O mercado só cede depois que a nova equipe de econômica
comandada pelos banqueiros Meirelles & Goldfajn assume o poder.
E agora estamos diante uma nova tendência altista, sem que haja
nenhuma base real na economia a justificar esse ritmo violento de
desvalorização. A solidez de nossas reservas internacionais configura-se
em garantia de que as atividades econômicas por aqui não têm por que
serem contagiadas por eventos externos. Em 2002, o Brasil contava com
pouco mais de US$ 32 bilhões nessa conta. A boa performance observada a
partir de 2003 fez com que as reservas saltassem de patamar, atingindo
sucessivamente as marcas simbólicas de US$ 100 bi em 2007, de US$ 200 bi
em 2009 e de US$ 300 bi em 2011. Atualmente estamos com US$ 380 bi de
saldo. Além disso, parte expressiva de nossa dívida externa foi
internalizada e nossos compromissos em moeda estrangeira representam tão
somente 3% do total de nossa dívida pública. Enfim, não haveria razão
alguma para esse alarde todo.
Uma das explicações para esse movimento atual reside em comportamento
que mescla especulação e chantagem da parte do financismo sobre a
sociedade brasileira, em especial visando o pleito. A persistência da
preferência disparada dos eleitores por Lula e a incapacidade de algum
candidato que pretenda se apresentar como herdeiro do austericídio e do
desmonte ajudam a explicar esse quadro. O quadro de indefinição também
apresenta alguma convergência entre parte dos candidatos questionando os
limites da política de austeridade, em especial a respeito da EC 95,
que impôs o congelamento das despesas orçamentárias por longos 20 anos.
As declarações dos arautos do sistema financeiro caminham todas na
mesma direção. Trata-se da reedição do clima de catastrofismo que marcou
o processo eleitoral de 2002 e o período da tramitação do impedimento
de Dilma. Não por acaso, o ex ministro Meirelles e candidato-a-candidato
do MDB saiu-se com uma entrevista perigosa e irresponsável, jogando ainda mais lenha nessa fogueira.
“ (…) Não há duvida de que se algumas propostas que estão sendo feitas pelos extremos forem de fato implementadas, podemos ter problemas graves no futuro. Se a eleição der a vitória a um candidato que desmonte essas reformas e volte ao que o Brasil tinha até 2016, podemos ter problemas sérios. (…) ”
As forças econômicas que patrocinaram o golpe e que tentaram promover
o retrocesso de décadas em menos de dois anos não vão se conformar em
devolver o poder que usurparam de forma antidemocrática e
inconstitucional. Talvez a especulação no mercado de câmbio seja mais
uma das inúmeras formas encontradas por tais setores para evitar que o
Brasil retome, através do voto, seu caminho do desenvolvimento e da
inclusão.
Eles precisam de toda maneira evitar que o nome de Lula esteja como
uma das opções na cédula ou que alguma candidatura que simbolize o
repúdio da população ao governo Temer preencha esse espaço no segundo
turno. Para isso, vale tudo. Inclusive incendiar o País com o
catastrofismo por nós tão bem conhecido. Para tanto, o simbolismo da
disparada do dólar pode ajudar a construir um cenário perigoso, ainda
que sem base nenhuma nos fundamentos da economia real.
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